A dupla de diretores franceses Éric Toledano e Olivier Nakache são as cabeças por trás do sucesso Intocáveis (Intouchables, 2011) e por Samba (2014), comédias dramáticas que popularizaram o cinema francês ao redor do globo durante os últimos anos: com histórias sempre focadas na humanidade dos personagens, mesclam sentimentos e aplicam pinceladas de desafios que afetam a vida de pessoas reais cotidianamente. Além de enredos simples e, por isso, brilhantes, os diretores ainda capturaram a genialidade da atuação de Omar Sy e a apresentaram ao universo cinematográfico mundial.
Apresentado durante o Festival Varilux de Cinema Francês 2020 e com 7 indicações ao Prêmio César 2020, a mais nova produção da dupla é Mais que Especiais (Hors Normes, 2019). Seguindo a fórmula de sucesso, o longa percorre as lutas diárias e os 20 anos de amizade entre Bruno (Vincent Cassel) e Malik (Reda Kateb), diretores de associações beneficentes que promovem atendimentos a crianças e jovens diagnosticados com Transtorno do Espectro Autista (TEA) do tipo severo.
Bruno é o encarregado de um lar que abriga crianças e jovens dentro do espectro autista que não conseguem tratamento por meio do sistema público de saúde e Malik é o instrutor de um grupo de cuidadores que as acompanham em terapias de grupo e atividades ao ar livre. Trabalhando em instituições complementares, os dois se empenham em formar jovens cuidadores vindos de bairros periféricos e problemáticos ao lidarem com pessoas e casos complexos de autismo. É igualmente intrigante observar as particularidades de cada um dos personagens, mergulhados no mundo coletivo enquanto parecem refletir sobre suas próprias histórias.
Mais que Especiais é previsível, mas não porque aborda os mais variados temas da vida real. Sua previsibilidade se encontra na sucessão de eventos óbvios e sem grandes investidas narrativas. O vilão e crítica central da história, por exemplo, é o governo, que investiga a falta de documentos e a escassez de preparos técnicos dos cuidadores das associações. Em contrapartida, é insinuado ao longo da trama que o governo parisiense não possui instituições antimanicomiais preparadas para atender casos de autismo severo com a mesma delicadeza, tempo e assistência pelas quais as equipes de Bruno e Malik são tão procuradas.
A atuação sensível de Vincent Cassel nos aproxima da turbulência e da alegria que a vida voltada à comunidade proporciona: muitas horas de trabalho, pouco tempo para relacionamentos da vida privada e sentimento de realização coletiva. Porém, a pontuação constante acerca da abnegação dos personagens, tida como uma reação à descrença no sistema público, pode assumir um tom assistencialista; contrário à assistência social, que confere o entendimento e a reivindicação de direitos fundamentais.
O arco dos personagens é incompleto e não os vemos profundamente por quem realmente são quando largam o longo expediente, embora a fotografia cumpra o papel de capturar pequenas sutilezas em seus semblantes. Outros pontos notórios do filme são a leveza e o alívio cômico criados pela rede de apoio construída por funcionários, cuidadores e crianças, que envolvem o espectador ao buscarem incessantemente distraírem-se de situações desanimadoras.
A fórmula de Toledano e Nakache já se mostrou eficaz e frutífera, principalmente se o público se mostrar cansado de superproduções cheias de efeitos, grandes nomes hollywoodianos, repletas de publicidade – e com histórias rasas. No entanto, o que pode ser um ponto forte e esquivo de lugares-comuns dentro do cinema, a simplicidade do roteiro e a excessiva boa intenção dos personagens faz com que a trama padeça antes do triunfo.
Mais que Especiais estreia nos cinemas brasileiros no dia 25 de fevereiro. Confira o trailer:
*Imagem de capa: Divulgação/California Filmes