Por Maria Luiza Negrão (marialuizacnegrao@usp.br)
Governos de países mais pobres têm mais políticas de incentivo à amamentação do que aqueles mais ricos. Este é o tema de uma pesquisa publicada no dia 31 de outubro, nos Cadernos de Saúde Pública da Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca (ENSP).
O artigo foi elaborado por Camila Abadia Rodrigues Meira, Catarina Machado Azeredo e Ana Elisa Madalena Rinaldi. Em entrevista ao Laboratório, Ana Elisa, professora de nutrição da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Uberlândia, comenta que a primeira motivação para iniciar o levantamento surgiu no próprio doutorado, mas agora integra o doutorado de Camila, de quem é orientadora. “Inicialmente era uma análise mais simples que foi apresentada no Congresso Brasileiro de Epidemiologia. E depois, quando a Camila ingressou no doutorado em 2021, ela começou a mexer com esses dados também.”
O levantamento foi realizado a partir dos dados disponíveis na World Breastfeeding Trends Initiative (WBTi, Iniciativa para as tendências de aleitamento materno mundial, em tradução livre do inglês), plataforma indiana que apresenta informações sobre a amamentação em 98 países, até o momento de elaboração da pesquisa. Nem todos os países do mundo realizam a avaliação, que depende da mobilização de um comitê.
Sobre o limitado alcance da WBTi, Ana Elisa comenta que de 2016, quando começou a trabalhar com a ferramenta, até o período da pesquisa, nenhum país novo havia sido incluído. “É a minha expectativa que mais países aderissem”, comenta a pesquisadora. Recentemente, mais dois países foram adicionados à plataforma, que agora conta com dados de 100 nações.
Essas informações da WBTi foram cruzadas com dados do Produto Interno Bruto — Paridade do Poder de Compra (PIB PPP), disponibilizados pelo Banco Mundial. Dentre os 98 países analisados, 28 eram classificados como de alta renda, 27 de média e 43 de baixa renda.
O levantamento foi realizado sob duas perspectivas. A primeira parte analisou as médias das pontuações e desvios padrões (DP) no geral e especificamente para cada classificação de renda, a cada indicador da WBTi.
Já a segunda foi uma regressão linear. “A gente faz esse tipo de análise quando a gente quer ver se uma coisa está influenciando a outra, então, no nosso caso, era ver se o PIB do país tinha alguma influência na pontuação da ferramenta, tanto a total quanto de cada um daqueles indicadores”, explica Ana Elisa.
Os resultados
A WBTi analisa os países sob 10 itens:
- política nacional, governança e financiamento;
- iniciativa Hospital Amigo da Criança;
- implementação do Código Internacional de Comercialização de Substitutos do Leite Materno;
- proteção à maternidade;
- sistemas de cuidado de saúde e nutrição;
- serviços de aconselhamento para grávidas e lactantes;
- suporte de informações válidas;
- alimentação infantil e HIV;
- alimentação de bebês e crianças pequenas em emergências;
- monitoramento e avaliação.
A pontuação total é composta pela soma das pontuações de cada item individualmente e, portanto, varia de 0 a 100. Notas acima de 70 são entendidas como representantes de “maiores avanços na existência e na implementação das políticas e dos programas pró-aleitamento materno”, segundo a pesquisa. O país com a pior pontuação é a Líbia, de média renda, com 19 pontos totais.
Apenas 14 países dentre analisados obtiveram pontuação maior que 70. Destes melhores avaliados, só um era de renda alta. Dos demais, 6 eram de baixa renda e 6 de média renda. O país mais bem-avaliado era Cuba, que pontuava 87.5 pontos e é classificado como um país de renda média.
Chama a atenção a posição de países como a Alemanha, de alta renda, que pontua parcos 34 pontos na WBTi e está atualmente no 97° lugar do ranking mundial.
A última avaliação do Brasil foi realizada em 2014 e também soma 70 pontos, estando em 18° lugar no ranking geral de países. Ana Elisa o considera um “país muito favorável à amamentação”. Como medidas que contribuem para essa alta pontuação, a pesquisadora cita a garantia de 14 semanas de licença maternidade para servidoras públicas ou sob regime de trabalho na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).
O item de pior desempenho para o Brasil é o 9, que avalia a alimentação de bebês e crianças pequenas em emergências. Este, conforme o levantamento da pesquisa, é o pior pontuado em todas as classificações de renda: a média geral dele é de 2.3, com DP de 2.8 pontos para mais ou para menos.
O segundo pior item na avaliação brasileira é o 5, que avalia os sistemas de cuidado de saúde e nutrição, que pontuou 6.5 na WBTi. Apesar disso, a pontuação está dentro da média geral apurada pela pesquisa, de 6.4 com DP de 2 pontos para mais ou para menos.
Ana Elisa aponta a importância da sociedade civil para o incentivo ao aleitamento materno. “Hoje, por exemplo, você vai nos espaços públicos e é muito mais comum ver uma mulher amamentando, coisa que a gente não via tanto umas décadas atrás. Então acho que criar na sociedade essa cultura de que a amamentação é importante sensibiliza para que as pessoas apoiem quem está amamentando”, comenta.
*Imagem da capa: Reprodução/Freepik