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Midsize: a inclusão do limbo

O debate sobre corpos não incluídos na dualidade entre “gordo” e “magro” abre espaço para maior inclusão

 

“Se enxergar assim te ajuda no processo de aceitação. Como eu me aceito se eu não sou nada?”
– Rafa Courbassier. 

 

Um mecanismo utilizado pela indústria de padrões estéticos para manter as pessoas numa busca insaciável por suprir um padrão irreal é mantê-las sempre insatisfeitas, e levá-las a comprar produtos e procedimentos para corrigir defeitos muitas vezes inexistentes. Prova disso está no fato de que, em 2019, o Brasil se tornou o país que mais faz cirurgias plásticas e procedimentos estéticos no mundo

Um sintoma desses limites flexíveis e instáveis entre os rótulos é a criação de um grupo de pessoas que não se enxerga nem como gordas, nem como magras… são os corpos chamados de midsize. 

O midsize fala sobre a inclusão de corpos fora dos padrões de  “gordo” e “magro”. Imagem: [Reprodução/Instagram @eu.andy]
O midsize fala sobre a inclusão de corpos fora dos padrões de  “gordo” e “magro”. Imagem: [Reprodução/Instagram @eu.andy]
O termo foi criado pela atriz norte-americana Amy Schumer e é utilizado para designar corpos de tamanho médio, ou seja, nem magros nem gordos. Nos Estados Unidos, as numerações na moda midsize normalmente vão do 44 ao 55, porém, no Brasil, em decorrência dos biótipos maiores e da herança cultural de gordofobia, elas vão do 42 ao 56. 

 

Qual a diferença entre plus size e midsize?

A existência de uma intensa rotulação de corpos é evidente e, mesmo que em proporções e com o uso de ferramentas diferentes, a pressão estética se mostra presente na vida de todos. O preconceito estrutural e os obstáculos sociais enfrentados pelas pessoas gordas, a chamada gordofobia, entretanto, é um outro nível de pressão: ela escapa o limite do estético e forma barreiras materiais e socioeconômicas. É nesse ponto que corpos midsize se diferenciam dos gordos. 

“Eu sei que a gordofobia vai muito além de uma questão social, ela é estrutural, e pensando nessa estrutura, eu estou no limite: eu consigo sentar num assento público, passar numa catraca de ônibus, [meu tamanho corporal] não atrapalha minha vida”, afirma Rafa Courbassier, influenciadora digital e mulher midsize

Assim, a gordofobia se apresenta na vida de pessoas gordas como um tipo de preconceito estrutural, o superlativo da mera pressão estética — que impede, limita e categoriza essas pessoas antes mesmo que elas possam dizer uma palavra sequer. O tamanho do corpo fala por elas, do mesmo modo que a cor de pele fala para pessoas pretas e o gênero para as mulheres. 

Mulheres midsize, portanto, por não viverem esses problemas, se diferenciam das mulheres gordas, que usam o plus size: “O midsize me fez sentir melhor com a minha voz também, além do meu corpo. Eu não estou ocupando o lugar de fala de uma mulher gorda, não passo pelo que elas passam”, explica Andressa Almeida, modelo midsize e também influenciadora digital.

 

A necessidade de um novo rótulo

Com a popularização do termo midsize, críticas surgiram no sentido de questionar a necessidade de um novo rótulo: há outras pessoas, principalmente mulheres, buscando incansavelmente quebrar com esses padrões que separam mulheres, e o novo termo cria mais uma divisão. 

Alexandra Gurgel, fundadora do movimento Corpo Livre, postou no início de 2021 um vídeo no qual critica essa categorização de corpos. Em sua fala, a influenciadora repudia a criação de mais um termo, afirmando que plus size, por exemplo, não existe como um tamanho de corpo, mas sim como uma forma de se referir à moda. “A gente não é um tamanho de roupa”, afirma. 

A necessidade de roupas que sejam feitas pensando em todos os tipos de corpos é latente no debate sobre o midsize. Imagem: [Reprodução: Instagram | Loja Uhyaya]
A necessidade de roupas que sejam feitas pensando em todos os tipos de corpos é latente no debate sobre o midsize. Imagem: [Reprodução: Instagram | Loja Uhyaya]
Andressa Almeida discorda: apesar do que pode parecer pela similaridade dos nomes entre plus size e midsize, ela defende que o novo termo é uma forma de pertencimento e de acolhimento para pessoas que se encontravam numa espécie de “limbo corporal”, e, assim, vai para muito além de uma numeração de roupas.  

Andressa e Rafa concordam ao afirmar que o processo de aceitação corporal é pessoal, e, portanto, caso se encaixe numa nomenclatura — sair do “limbo” ou “nada” —, pode auxiliar as pessoas e, mais do que isso, mostrar que há espaço para quem não se enxerga nessa dualidade. Logo, torna-se positiva a existência do termo. Nesse sentido, elas defendem que, uma vez que a sociedade já coloca rótulos prejudiciais em todos, é essencialmente bom que exista um sem nem a conotação positiva que “magro” costuma carregar, nem a negativa associada a “gordo”, mas sim uma neutra, que apenas define um grupo. 

Rafa, contudo, aponta para o perigo de dismorfias corporais causadas pelo padrão, o midsize incluso: “em teoria, o termo diz respeito a um tamanho de roupa, mas eu acho que é preciso considerar uma leitura social da pessoa: como ela é lida, como ela é esteticamente? Eu me considero assim por usar 48 e porque eu sei que toda vez que eu posto um vídeo vem alguém falar que preciso emagrecer, tendo assumido que eu quero emagrecer. Por isso me entendo: pelo que assumem de mim, para além do meu peso e tamanho. Mas o padrão está cada vez menor: o 42 é usado por uma pessoa muito magra, assim como por meninas midsize. Por isso, não é sobre tamanho, é sobre o corpo. Temos que pensar até que ponto a sociedade está fazendo as pessoas terem quase uma dismorfia corporal, se enxergarem como gordas ou midsize quando não são”.

A influenciadora digital Nanna Fernandes também aposta no ponto de vista das colegas de profissão, adicionando a liberdade que muitas mulheres sentem ao se rotular como midsize ao debate: Rótulos e caixas sempre vão existir, é ilusório achar que um dia viveremos sem isso. O que precisa ser feito é justamente ressignificar esses locais, por exemplo, lutar para que o termo “gorda” não seja mais visto como algo pejorativo enquanto o termo “magra” é visto como um elogio. Eu e várias mulheres não nos sentimos presas em uma caixa escrita MIDSIZE, muito pelo contrário, nos sentimos livres. O midsize levanta pautas sobre pressão estética, sobre autoestima, sobre papéis de gênero… Não é só sobre um tamanho de corpo. Corpo livre é aquele onde existe uma pessoa consciente de si. Se a pessoa não se sente confortável e pra ela não faz sentido, não precisa usar o termo”. 

 

A moda midsize

A dificuldade na compra de roupas também é uma grande questão para as pessoas midsize. Andressa explica suas dificuldades para encontrar sua posição no mercado de roupas: seus tamanhos não eram vendidos nas lojas focadas em pessoas magras, mas também não eram contemplados em lojas para o plus size. Rafa conta que tinha o mesmo problema, procurando por modelos em lojas que não tinham corpos como o seu como público. Nanna analisa essa situação, que, em sua visão, ainda ocorre porque “se tem a ideia de que nós é que precisamos nos adaptar às roupas. É também uma forma de controlar nossos corpos”.

É nesse sentido que as amigas Yanka Pires e Thayana Barbosa, ambas desse grupo, decidiram fundar uma loja especializada nesses tamanhos, a UhYayá!: “O midsize é muitas vezes ignorado pelas grandes lojas porque é mais barato. Nós usamos muito tecido e aviamento nas produções. As costureiras também muitas vezes se negam a fazer tamanhos maiores pelo tempo de produção. Para lucrar, é mais fácil falar para as pessoas se encaixarem. É mais fácil fazer um padrão único. Temos muito mais trabalho, mas preferimos isso a restringir as pessoas.”, afirma Yanka. 

As empresárias Yanka Pires e Thayana Barbosa decidem montar uma loja inclusiva para todos os tipos de corpos midsize. Imagem: [Reprodução: Instagram| Loja Uhyaya]
As empresárias Yanka Pires e Thayana Barbosa decidem montar uma loja inclusiva para todos os tipos de corpos midsize. Imagem: [Reprodução: Instagram| Loja Uhyaya]
Com o crescente debate sobre a necessidade de uma maior inclusão no universo da moda, muitas marcas aumentaram a abrangência de sua numeração. Contudo, Andressa alerta para a falsa inclusão, motivada por lucro: “É preciso ter constância, mostrar uma mudança significativa na produção”, afirma. “Em muitas lojas, mulheres magras não cabem em roupas GG”.

 

Para além do termo 

O midsize, portanto, ultrapassa a definição racional de tamanhos de roupa para ocupar o lugar de acolhimento e pertencimento que muitas vezes é ausente nas pessoas que se veem como duplamente fora dos rótulos convencionais. A inclusão dos tamanhos de vestimenta utilizados por essas pessoas seria, assim, uma consequência da força e mobilização proporcionados pela união e reconhecimento desse grupo.

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