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Nova modalidade na área olímpica: o que é o breaking?

Breaking é o esporte estreante nas Olimpíadas de Paris em 2024 e traz perspectivas positivas aos dançarinos e à comunidade hip hop

Jogadas de perna, batidas de hip hop e rodopios de ponta cabeça. É esse cenário que a maioria das pessoas têm quando se fala em breaking, a nova modalidade esportiva e estreante nos Jogos Olímpicos de Verão de 2024, que ocorrerá em Paris, na França. Além da inclusão de outros esportes na edição — skate, surf e escalada olímpica (que já estrearam em Tóquio 2021) — o Comitê Olímpico Internacional (COI) buscou cumprir outros objetivos previstos na Agenda 2020, como a igualdade de gênero (terá exatamente 50% de participação feminina e masculina) e a proximidade com a geração mais jovem a partir dos esportes adicionados.

O breaking é conhecido por pequenos trechos de filmes, como Ela dança, Eu danço  e traz uma falsa ideia da essência dessa arte: além dos movimentos desafiadores, o breaking é um estilo de vida que possui uma história social construída principalmente pelos moradores de periferias. A inclusão desse esporte pode trazer um cenário diferente para os praticantes e aumentar a divulgação e repercussão do breaking.

B-Girl Roxy, atleta de breaking
B-Girl Roxy dançando no BC One Cypher UK em maio de 2022 [Imagem: Amy Heycock/Red Bull Content Pool]

Como surgiu o breaking?

O breaking é uma vertente do Hip Hop, um movimento artístico e social originado  nos Estados Unidos em meados de 1972. O marco oficial de início do movimento ocorreu em agosto de 1973, quando os irmãos Clive e Cindy Campbell organizaram uma festa em Bronx, no estado de Nova Iorque. 

Clive, conhecido como DJ Kool Herc, era famoso pela sua imensa coleção de discos e pelo seu jeito peculiar de tocá-los nos eventos: o alongamento da parte instrumental das músicas era mesclado com sons “arranhados” criados pelo movimento dos discos. Com a nova forma de mixagem, o break, o  DJ Kool colaborou com a criação do ritmo que, depois, foi nomeado de Hip Hop.

Além do DJ, outros personagens emblemáticos ajudaram na construção dessa comunidade, como Afrika Bambaata (criador da Univesal ZuluNation, um dos principais grupos da época) e Grandmaster

The Get Down, série da Netflix
The Get Down, série da Netflix, aborda a cultura da época. [Imagem:  Divulgação/Netflix]
O Hip Hop também é um retrato social importante para a comunidade. A partir dos eventos, os jovens buscavam fugir dos problemas do cotidiano, como o racismo e a criminalidade. A região de Bronx era habitada por comunidades negras e hispânicas, as quais sofriam fortes repressões de uma polícia agressiva e preconceituosa. Nesses eventos, as cyphers (encontro de artistas da cultura Hip Hop) aconteciam para que os praticantes pudessem dançar no centro do local, a exemplo de ruas, regiões próximas aos metrôs e festas.

DJ Grandmaster Flash e Shad (rapper), da série Hip Hop Evolution
DJ Grandmaster Flash e Shad (rapper) na série “Hip Hop Evolution” da Netflix [Imagem: Reprodução/Netflix]
O Hip Hop possui quatro pilares: Grafitti, representando as artes plásticas; DJ, sendo a parte musical e instrumental; MC (Mestre de Cerimônias), que ocupa a parte lírica; e Breaking, representando a dança Assim como o breaking, a criação de outros estilos, como o locking e o popping, surgiram em diferentes pontos dos Estados Unidos e, portanto, não há uma “evolução” das danças. O termo dance em seu nome, como a maioria das pessoas pronunciam (breakdance), dá a entender que todas as vertentes são iguais e possuem mesma história; mas é exatamente o oposto: todas elas são vertentes legítimas, com suas culturas específicas desenvolvidas ao decorrer do tempo. Essa conotação é comum até hoje entre os dançarinos, já que a maioria dos praticantes possuem o primeiro contato a partir de meios midiáticos, que utilizam o nome errado para se referirem à dança.

No Brasil, o movimento teve repercussão a partir dos anos 80 com elementos estadunidenses. A cultura foi recebida pelas pessoas de guetos e de periferias e os encontros aconteciam da mesma forma como eram nos Estados Unidos. Um dos mais importantes precursores do Hip Hop foi Nelson Triunfo, o  “Mestre” do Hip Hop brasileiro. A herança pernambucana fez com que Nelson usasse da influência do frevo e do maracatu para incrementar a sua arte em São Paulo na década de 70. Durante o período da ditadura militar, a repressão sofrida pela comunidade impedia que os dançarinos praticassem a dança em locais regularmente marcados. 

Nessa instabilidade, um importante ponto de encontro do breaking em São Paulo foi o pátio da estação São Bento do metrô em um dos episódios da série documental História do Hip-hop no Brasil, há imagens dos irmãos Gustavo e Otávio Pandolfo, conhecidos como OSGEMEOS, dançando quando eram crianças. Aos poucos, com sua presença em programas de entretenimento, a comunidade Hip Hop teve seu desenvolvimento e sua consolidação, ocupando espaços nas artes e na sociedade.

 

O breaking chegou para ficar! 

A inclusão do breaking nas Olimpíadas representa, além da maior visibilidade do esporte, uma preocupação quanto às consequências na comunidade dos praticantes. A introdução das modalidades dentro de um espaço que busca satisfazer as massas preocupa os dançarinos quanto aos possíveis prejuízos no lifestyle: as aparições midiáticas fazem com que a dança seja tratada como algo comercial e banalizam o estudo e a essência que ela traz consigo. 

As reações positivas da estreia do surfe e do skate no contexto olímpico fazem a comunidade do breaking enxergar a inclusão da modalidade com otimismo  O B-boy Luska comenta: “acredito que é uma coisa muito boa, pra gente vai ser um salto gigantesco, mas também não pode deixar essa essência da arte, do que a gente vai transmitir através disso, se perder só como ter essa visão de ‘não, agora é esporte, então sou um atleta e eu tenho que virar um robô, uma máquina’, quando na verdade a gente não é”.

 

O breaking pode ser considerado um esporte?

Alguns dançarinos de breaking entendem que a inclusão é uma das evoluções da dança na sociedade e não apaga a essência da arte por isso. Compreendem que a dança faz conexões com outras áreas artísticas e também pode ser focado em outras formas de prática como as competições e as aulas de breaking. 

O dançarino Diego Castilho ressalta a repercussão que a inclusão terá: “Vai conhecer a cultura Hip Hop, que é formada por 4 elementos. Vai conhecer também as outras vertentes das danças urbanas, isso vai agregar muito e vai ser bacana”.

Atualmente, há inúmeros festivais de batalhas internacionais e nacionais. O destaque no breaking é o Red Bull BC One , campeonato criado em 2004  e referência na comunidade. O evento não ocorre como uma modalidade esportiva como será nas Olimpíadas, mas é promovido por um patrocinador com grandes alcances midiáticos, o que fez com que o breaking conquistasse maior espaço  no meio do Hip Hop. Na busca anual pelo melhor breaker do mundo, em 2010, o b-boy Neguin foi o primeiro brasileiro a conquistar o título, abusando de flips e de elementos da capoeira herdados do Brasil.

Dentro das competições de breaking, não há um sistema específico e pré-determinado como em outras modalidades esportivas. O uso de palavras técnicas no esporte é complexo e pode soar estranho aos ouvidos dos dançarinos e não dançarinos. 

Há a possibilidade dos praticantes se enfrentarem de diversas formas, seja em dupla, em equipes ou em confrontos mistos. No geral, existem três formas: individual (masculino, feminino e/ou misto); crew (podendo ser 5 x 5 ou com mais dançarinos nos grupos); e duplas (famoso Bonnie and Clyde, com a mesma liberdade de gênero da competição individual). Uma competição mais estruturada é o conhecido Seven to Smoke: para vencer, um dançarino deve batalhar com outros sete dançarinos e ganhar em todas as rodadas. 

 

Quais são os critérios para avaliar a batalha?

Em competições menores, a decisão funciona no mesmo formato das batalhas de Rap: anuncia-se o nome de um dos dançarinos ou grupos e a “plateia” faz mais barulho (podem valer aplausos, gritos, gestos, assovios etc) para quem achar que foi melhor na batalha.

Em campeonatos maiores, há juízes convidados para avaliar as batalhas e avaliá-las por pontuação ou por apontamento (os juízes apontam para o dançarino que, para eles, dançou melhor). Quando há empate, em ambas as formas de avaliação, há uma terceira rodada que decide a vitória. Não há restrições para as avaliações em relação ao tamanho das competições e existem inúmeras formas de atribuir a vitória ao dançarino ou ao grupo.

Há elementos comuns nos eventos: são competições em formato de pirâmide (a exceção do Seven to Smoke); há um limite de tempo ou de entradas; as músicas são escolhidas pelos DJs no momento da batalha; e, o mais importante, se não tiver chão, não é breaking. Nos movimentos, é comum se deparar com elementos específicos do breaking, como os Foot Works, Down  e Power Moves, que comporta os giros contínuos da modalidade. Como é uma dança que concede a liberdade de incrementar movimentos de outras danças, é  possível avistar elementos da capoeira ou do samba para elevar o nível da performance do b-boy ou da b-girl. 

BGirl Ami, atleta de breaking
BGirl Ami fazendo Foot Work na Nordic Break League em Copenhague, Dinamarca, em 22 de outubro de 2021 [Imagem: Bahadir Berber/Pool de conteúdo da Red Bull]
O preparo do dançarino de breaking também é um dos fatores que ressaltam os olhos entre as outras vertentes das danças urbanas . Aquele que treina diariamente para competições, por exemplo, é diferente daquele que usa da sua bagagem de informações para dar aulas de breaking: “Por dar tanta aula, eu deixei um pouco de evoluir o meu lado da dança pra evoluir meu lado mais intelectual e meu estudo com a dança dentro da prática com as crianças. Eu levo fundamento para eles a história e trago vídeos. Agora, o que eles vão desenvolver [como profissionais] dali para frente é com eles”, diz Diego, que possui um foco maior na didática e na passagem de informações corretas da dança para os alunos. 

Do ponto de vista do B-boy Luska, que treina frequentemente para alcançar um nível profissional como dançarino, a inclusão nas Olimpíadas não vai elevar o rendimento dos praticantes, já que é o atual lifestyle da maioria que já estão inseridos no meio. “Eu não acredito que, por conta das Olimpíadas, o atleta/dançarino vai aumentar o seu rendimento nos treinos ou vai se pensar mais por esse lado. Eu acredito que ele já faz isso desde do começo e, por conta disso, o breaking está nas Olimpíadas”.

 Para Luska, a valorização do olhar mais cuidadoso com o corpo é um ponto positivo que essa inclusão trará: “Hoje em dia, o cara que pratica isso, que treina, se dedica não só visando as Olimpíadas, mas visa o estilo de vida dele. Eu vejo que a grande maioria não tem essa estrutura de pensar ‘eu vou preparar meu corpo para receber essa carga de peso ou para fazer tal giro ou para fazer o que for’”, conta.

 

Como as competições de breaking funcionarão nas Olimpíadas de 2024?

A complexidade da dança unida com o público jovem e a criação urbana fez com que o breaking chegasse aos olhos dos organizadores e logo ocupasse seu espaço nas Olimpíadas. Mesmo sendo a primeira modalidade esportiva de dança, houve um “programa piloto” de inclusão do breaking nos Jogos Olímpicos da Juventude de 2018 , que ocorreu em Buenos Aires, na Argentina. O sucesso da modalidade e a animação dos dançarinos fez com que as organizações olímpicas considerassem a maior aderência ao breaking nas competições. 

A World DanceSport Federation (WDSF) é uma organização responsável por muitas das competições olímpicas de breaking. Recentemente, criou uma landpage chamada BreakingForGold para regulamentar as disputas e as classificações e, ao mesmo tempo, promover eventos-teste para a padronização dos sistemas de competições e moldar um possível modelo olímpico para os competidores. A WDSF possui contato com grandes comunidades de breaking, especialmente de países como o Brasil, Japão, Estados Unidos e Coreia do Sul.

Batalha de breaking
Batalha de breaking nos Jogos Olímpicos da Juventude de 2018 [Imagem: Reprodução/Breaking For Gold]
Nas Olimpíadas de 2024, as competições serão apenas na forma individual (1 a 1) e haverá dois eventos de medalhas. Apesar de ainda não se saber sobre o formato da competição (se será em formato de pirâmide, por exemplo), foi definido  que os 32 participantes, 16 homens e 16 mulheres, serão avaliados pelo sistema de pontuação por, aproximadamente, 15 juízes selecionados. Para a compreensão do público, a WDSF, em parceria com o COI, desenvolveu o Trivium, o sistema utilizado nos Jogos Olímpicos da Juventude de 2018, que visa avaliar especificamente cada batalha. O DJ Renegade e o Bboy Storm colaboraram para a criação do método de avaliação  de desempenho nas performances de acordo com três princípios: corpo (considera questões físicas em Técnica e Variedade), mente (observa a parte artística em Criatividade e Personalidade) e alma (analisa a parte interpretativa por meio da Performance e da Musicalidade).

Trivium de breaking
Imagem do Trivium durante os Jogos Olímpicos da Juventude [Imagem: Reprodução/breakingworld.com.br]
O Conselho Nacional de Dança Desportiva (CNDD) é responsável pela seleção brasileira desde 2021, quando se criou uma comissão para cuidar das partes administrativas e práticas. O diretor técnico, B-boy Bispo, e a vice-diretora técnica, B-girl Lu, além de organizarem e auxiliarem na seletiva nacional de dançarinos para integrar a equipe nacional, buscam acesso à estrutura do Comitê Olímpico do Brasil (COB) para oferecer recursos de apoio aos dançarinos. As inscrições para a seletiva de 4 B-boys e 4 B-girls abriram em 2021 e, devido à pandemia, funcionou no formato remoto dentre as regulamentações, serão avaliados currículos, participações e premiações de competições dos dançarinos e também serão considerados vídeos de performances dos candidatos.

A comissão de breaking da CNDD conta com pilares objetivos: investimento na preparação dos atletas, com recursos financeiros e suporte físico e mental a partir de patrocínios e de bolsas; definição do Circuito Nacional, um campeonato com previsão de início para o segundo semestre de 2022; e a busca da classificação para o Circuito Internacional da WDSF de 2023, que será decisivo para as classificatórias para as Olimpíadas de Paris. Em conjunto com a busca do espaço preparatório da COB, esses pilares enfatizam a necessidade de estrutura para os dançarinos. “Um atleta precisa de uma estrutura além do chão. A gente que é B-boy raiz, dança no chão, na rua. Só que quando fala “agora o breaking é um esporte olímpico”, então seria legal se a gente fizesse um centro de treinamento, uma estrutura adequada, com tatame, com equipamento pra preparo físico e tudo mais”, relata Luska

O suporte financeiro será essencial para o desenvolvimento dos dançarinos que representarão o Brasil, visto que, assim como em outras modalidades olímpicas, os atletas possuem poucas condições para ter uma estabilidade financeira e, ao mesmo tempo, rendimento no esporte. Com o apoio financeiro, o atleta terá mais tempo para se aperfeiçoar na modalidade e terá menos preocupações com outras questões – “Parece que a gente perde mais horas, porque a gente acorda às 8 horas da manhã, sai às 5 horas [do trabalho]. Perde mais horas sendo escravo do governo do que trazendo mais benefício para a sua família e sua saúde ou se preparando melhor e trazendo mais rendimento para empresa [o trabalho] que você tá”, comenta Diego.

No estado de São Paulo, o governo anunciou o projeto Breaking no Capão , visando fornecer um centro de treinamento de breaking na área do Capão Redondo, Zona Sul da capital paulista. Há projetos federais que estão em andamento e auxiliam na melhor estruturação e suporte do breaking no Brasil.

B-Girl Logistx [Imagem: Kien Quan/Red Bull Content Pool]
A inclusão do breaking nas Olimpíadas só tem a agregar para a cultura e para a população, que começa a ter um contato mais próximo com a dança e tudo que ela envolve. No breaking, aprende-se a empatia e a amizade entre os dançarinos que, assim como no skate, se reconhecem como integrantes de uma só comunidade. A apresentação de um lifestyle urbano traz pluralidade e representatividade para as discussões públicas, além de visibilidade para uma arte rica: viva a cultura Hip Hop!

Nelson Triunfo [Imagem: Reprodução/Gilberto Yoshinaga]
* Agradecimentos especiais ao Marcio Pial, dançarino de Hip Hop, que permitiu o nosso acesso à Casa do Hip Hop, um espaço da Secretaria de Cultura de Mogi das Cruzes que proporciona oficinas e experiências dentro da cultura hip hop – aulas de dança, de graffiti etc.

 

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