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O esporte de ponta cabeça: Uma pirâmide com a ponta mais pesada que o tronco

O fim das Olimpíadas de Tóquio dá a largada da maratona até Paris. E o que falta para o esporte brasileiro alcançar o patamar do top 10 no quadro de medalhas olímpicas?

As Olimpíadas de Tóquio 2020 terminaram e pela primeira vez o Brasil conquistou o 12° lugar no ranking, o melhor resultado do país desde o início da sua participação nos Jogos. Para quem acompanhou a campanha, a sensação é de ressaca em uma segunda-feira pós carnaval. Nas últimas semanas, a política polarizada, a crise econômica e até a pandemia perderam lugar para as torcidas por Rayssa Leal, Rebeca Andrade, Ricardo Lucarelli, entre outros. Agora o país precisa voltar a sua realidade, sem viradas milagrosas, sem jogos de madrugada. A pergunta que fica é: encerrados os quinze dias de glória, o que resta aos atletas brasileiros após as Olimpíadas?

O resultado das 21 medalhas tem sabor agridoce. Em Tóquio, Formiga deu adeus aos campos sem ver a antiga promessa de um futebol feminino valorizado ser realizada. Altobeli da Silva desabafou sobre a frustração com a falta de apoio e o sentimento de não haver recompensa em uma vida dedicada ao esporte. Falou-se de atletas que organizaram vaquinhas para ir à competição e que precisam trabalhar como motoristas de aplicativos para conseguir sustentar suas famílias. Afinal, é de longa data a carência de bolsas, infraestrutura, suporte emocional e patrocínio. A realidade é que, apesar da Constituição Federal garantir o direito ao acesso e ao estímulo da prática esportiva, ainda há uma falta de coordenação dos investimentos realizados pela esfera pública. Por isso, passada a euforia dos jogos, é necessário entender quais desafios separam o Brasil de uma potência mundial nos esportes. E buscar enfrentá-los antes que os Jogos de Paris batam à porta. 

 

O Tripé do Esporte Brasileiro  

Hoje, o esporte olímpico do Brasil se sustenta, principalmente, sobre um tripé: A Bolsa Atleta; a Lei de Incentivo ao Esporte e a Lei das Lotéricas, que é conhecida como Lei Agnelo/Piva.

 

– Bolsa Atleta 

Elaborado junto à criação do Ministério do Esporte em 2003, o Bolsa Atleta é a única parte do tripé esportivo que sai diretamente dos cofres públicos. A verba reservada ao programa é repassada diretamente ao atleta que a requisitou pela Secretaria Especial de Esportes, funcionando como uma espécie de “salário” para muitos esportistas. 

Trata-se de um projeto que atende diferentes níveis de competidores e o seu valor é proporcional ao desempenho do bolsista. No ano das olimpíadas de Tóquio, foram reservados cerca de 530 milhões de reais para o programa, dos quais cerca de 465 milhões foram efetivamente gastos. Segundo os dados do governo federal, cerca de 80% dos competidores que foram ao Japão representar o Brasil recebem a Bolsa Atleta.
    Apesar de se tratar de um programa fundamental para o fomento do esporte, após a realização das Olimpíadas do Rio, o Bolsa Atleta tem sofrido uma progressiva redução de orçamento. Em relação a 2016, quando foram investidos mais de 640 mil reais no programa, o montante de 2021 representou um corte de quase 20%. Com isso, o governo tem atrasado o pagamento das bolsas, dificultando a situação de atletas que não tem seu benefício ajustado desde 2011. 

 

– Lei de Incentivo ao esporte (LIE)

A principal lei que estimula o financiamento das atividades físicas no país, a Lei de Incentivo ao Esporte, foi implementada em 2006. Ela funciona como um incentivo fiscal e pretende fazer com que o setor esportivo seja mais atrativo para investimentos privados. Por meio desta lei, empresas privadas podem destinar 1% do valor de seu Imposto de Renda a projetos esportivos, desde que aprovados pelas diretrizes da Secretaria Nacional de Incentivo e Fomento ao Esporte. Em 2020, foram captados cerca de 280 milhões de reais por meio da LIE, valor distribuído entre 184 projetos executados. 

 

– Lei das Lotéricas

A Lei das Lotéricas ou Lei Agnelo/Piva, sancionada em 2001, prevê a destinação para o Comitê Olímpico Brasileiro (COB) de 1,7% da arrecadação das loterias federais. Com essa verba, o COB, além de ficar responsável por realizar eventos esportivos, faz a redistribuição dos recursos para os comitês esportivos. Cada comitê recebe uma fatia do valor conforme seu desempenho no ano anterior e tem autonomia para gerir o dinheiro, que se transforma em investimentos, infraestrutura, gastos administrativos, contratação de treinadores, etc. Em 2020, o COB fez o repasse de R$120 milhões às confederações, valor que tem crescido a cada ano. 

Há muito dinheiro transitando pelas pastas esportivas do Governo Federal. Segundo a revista Forbes, por exemplo, o Brasil foi o país latino-americano que mais investiu nos esportes no ano de 2015. 

Para Leandro Carlos Mazzei,  presidente da Associação Brasileira de Gestão do Esporte, o que parece estar faltando para o setor é a organização. Segundo ele, o Brasil não apresenta um sistema claro sobre o esporte: “Um secretário estadual ou municipal, quando assume a pasta, não tem uma orientação clara do que tem que fazer ou priorizar. Em um sistema mais claro isso estaria bem definido.” 

Essa falta de clareza na divisão de tarefas entre os setores gera inúmeras consequências. Mazzei afirma que com isso a verba acaba se concentrando em determinados clubes e atletas com reconhecimento já solidificado, reduzindo as chances de desenvolvimento da base. 

 

Uma pirâmide insustentável 

Ainda que o Brasil seja um dos países que mais investe em esporte de alto rendimento no mundo, há uma carência de recursos para a formação de novos atletas. No caso das bolsas federais, é notável a distância entre os valores pagos para os diferentes níveis. Um atleta estudantil ou de base, que deve estar entre os dez melhores do ano anterior na categoria de iniciante, recebe mensalmente 370 reais. Com esse valor, o esporte acaba se tornando um custo extra para muitas famílias, que precisam financiar torneios e viagens de seus filhos. Enquanto isso, um atleta pódio, alguém que conquistou posições em pódios de competições expressivas, recebe até 15 mil reais mensais. A situação não é necessariamente ruim e, no entanto, revela a disparidade entre incentivos, pelo fato de que a verba total é a mesma e os esportistas com bons resultados têm mais chance de atrair patrocínios privados.

Essa divergência foi sentida por Érika Miranda, judoca que lutou pelo Brasil nas olimpíadas de Londres 2012 e Rio 2016, quando começou a treinar judô no SESI Ceilândia: “Nessa época (na adolescência) não tinha investimento, era ‘mãe-trocínio’. E três meninos (Erika e seus dois irmãos), três pessoas treinando, minha mãe pagava a competição. Aí chegou um ponto que minha mãe estava se endividando muito para manter a gente no esporte”. Por outro lado, no auge da sua carreira, Érika diz ter conseguido acumular benefícios e receber mensalmente cerca de 30 mil reais. 

Passar por dificuldades financeiras ainda na juventude faz com que muitos esportistas iniciantes abandonem suas carreiras antes de alcançar os benefícios do esporte de alto rendimento. Mazzei explica que o esporte olímpico recebe um valor considerável para se desenvolver, principalmente quando comparado a outros países, enquanto o esporte de base tem menos recursos, pois depende majoritariamente de projetos públicos. “Uma vez que o atleta, seja pela família, seja por algum motivo de resiliência, consegue transpor essa barreira e chegar ao esporte de rendimento, ele consegue ter uma condição melhor de estrutura. Mas essa barreira é muito alta.”

Como alternativa aos desafios enfrentados no início da carreira esportiva, os atletas iniciantes recorrem à participação em clubes privados. Leandro Mazzei explica que a necessidade dessas instituições tornou-se um padrão. “O modelo clubístico majoritariamente é dizer que para ter sucesso no esporte é preciso estar em um clube.”

O grande desafio desse sistema é que nem toda população tem acesso a um clube com infraestrutura adequada ou a uma iniciativa que forneça o ensino do esporte. Nesse aspecto, as disparidades regionais no esporte são bem acentuadas, sobretudo no alcance das verbas de fomento. Em 2020, por exemplo, cerca de 74% dos projetos executados pela Lei de Incentivo ao Esporte estavam localizados na região Sudeste. Enquanto isso, as regiões Centro Oeste e Norte concentram juntas somente 2% do recurso.

 

atletas
Distribuição geográfica dos projetos incentivados pela Lei de Incentivo ao esporte em 2020. Disponível no Relatório de Gestão 2020 da Secretaria Nacional de Incentivo e Fomento ao Esporte (SENIFE).

 

Essa diferença se torna ainda maior quando se comparam os investimentos municipais. Enquanto cidades grandes como São Paulo  possuem diversos investimentos, com centros que disponibilizam atividades gratuitas para sua população, outras regiões sequer possuem conselhos municipais de esporte, como ocorre em  84% das cidades do estado do Paraná. 

Por causa da desigualdade geográfica, muitos atletas precisam deixar suas cidades natais para poder se dedicar ao esporte. O atleta de marcha Lucas Mazzo conta que precisou se mudar para se manter na área. “O que me ajudou foi ir para Brasília, onde é meu clube, porque eles me dão um apoio absurdo. Foram as pessoas de dentro do clube que pagaram. Eles que me ajudaram, me hospedaram, não cobraram nada, eles que me deram todo o suporte.” 

Além disso, o modelo favorece clubes com maior visibilidade, que são privilegiados em relação a ações de menor alcance, voltados para a formação da base. É o caso vivenciado pelo atleta de salto com vara Abel Curtinove, que também atua como treinador de associações. A maior dificuldade que a gente tem é de recurso. Não temos recursos mínimos para pagar as despesas das nossas crianças nas competições. Então, a mesma dificuldade que eu tive no início, hoje eu tô tentando suprir aqui com os meus novos alunos”, descreve o atleta. Assim, além do dinheiro das bolsas se concentrar nos atletas com maior rendimento, reduzindo a verba que chega à base, os projetos voltados para o público iniciante sofrem com a falta de investimento. 

 

Por que é importante investir na base? 

A necessidade de interferência privada demonstra que o dinheiro investido no esporte brasileiro tem feito um caminho contrário à lógica seguida por outros países medalhistas. Enquanto a Alemanha e o Canadá  têm direcionado suas verbas majoritariamente para projetos de base, o Brasil segue injetando o montante em atletas já consolidados, prezando pelo resultado imediato que eles podem entregar em grandes competições. “Aqui no Brasil a gente investe no topo da pirâmide, só que sem ter o restante dela”, sintetiza Leandro Mazzei quando questionado sobre esse modo brasileiro de distribuir os recursos. Este é um cenário longe do ideal. 

O investimento em uma base esportiva consolidada e forte traz resultados para além de medalhas olímpicas e conquistas internacionais. Além de ser interessante para o país manter um sistema que consiga repor seus atletas de ponta antes dos mais experientes se aposentarem, os esportes de base podem entregar resultados diretos para a população em geral, servindo como uma ferramenta democrática de educação, saúde e integração social. 

Ao estimular os esportes como uma atividade popular, criando espaços públicos de treinamento e prática esportiva, gera-se uma população mais fisicamente ativa, e portanto mais saudável. Nesse caso a prática estaria servindo, por exemplo, como uma política de saúde pública preventiva. “É muito melhor prevenir do que remediar, né? Uma população fisicamente ativa é menos propícia a ter problemas como pressão alta, depressão e outras doenças que, quando as pessoas as apresentam, terminam indo muitas vezes para o sistema público de saúde para se tratar. O que é até mais caro para os cofres públicos”, diz Leandro sobre o tema.

Com relação à educação, a aliança com o setor desportivo se mostra eficaz em vários aspectos. Há fortes indícios de que a presença de práticas esportivas no âmbito escolar não só diminui a evasão dos alunos, como também tende a fazer com que eles obtenham melhores resultados. A prática esportiva também ajuda a introduzir aos alunos valores importantes para a vida em sociedade, como a solidariedade, o espírito de equipe e o respeito uns com os outros, criando um ambiente escolar mais saudável e preparando os alunos para que desempenhem seu papel como cidadão da melhor forma possível no futuro. 

Outro fator de interesse é de que a promoção de espaços públicos direcionados a atividades esportivas possa trazer uma maior integração de pessoas de diferentes realidades sociais no mesmo espaço. Parques públicos, pistas de skate e campos comunitários podem desempenhar uma função social de valor intangível ao colocar frente a frente, de forma amigável, realidades que poucas vezes se encontram. Esse diálogo sutil pode ser o primeiro passo para a criação de uma consciência coletiva mais empática e ciente da existência de condições tão díspares umas das outras. 

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