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Ombudsman: Os pecados do texto

Os manuais de redação dos dois principais jornais do país, Folha de S.Paulo e O Globo, trazem lições úteis para jornalistas e estudantes de jornalismo. Na seção “Linguagem” de seu livro, O Globo informa que “é preciso atenção particular em notícias sobre negócios, produtos e serviços: deve-se evitar a todo custo adotar o tom e …

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Os manuais de redação dos dois principais jornais do país, Folha de S.Paulo e O Globo, trazem lições úteis para jornalistas e estudantes de jornalismo. Na seção “Linguagem” de seu livro, O Globo informa que “é preciso atenção particular em notícias sobre negócios, produtos e serviços: deve-se evitar a todo custo adotar o tom e o estilo de anúncios e press-releases. Eles trabalham com a mesma matéria-prima, mas o jornal visa a informar, e a propaganda visa a estimular o consumo; portanto, falam línguas diferentes”.

Mais adiante, o jornal ainda elenca um rol de pecados do mau texto: “pedantismo, verborragia, editorialização (enxerto de opinião em texto supostamente noticioso), ambiguidade, inexatidão, exagero, nariz-de-cera (abertura de texto que se perde em divagações e comentários genéricos), lugar-comum, repetição, redundância, contradição, detalhes inúteis ou óbvios, falta de ritmo, humor grosseiro (trocadilhos, principalmente)”.

Já o manual da Folha, na seção “Padronização e estilo”, orienta a evitar usar em textos noticiosos adjetivos que impliquem juízo de valor: “bonito/feio; verdadeiro/falso; certo/errado. Utilize o que torna mais preciso o sentido do substantivo: amarelo/azul; redondo/quadrado; barroco/clássico. Em vez de ‘O artista trabalha com telas grandes’, procure dar a dimensão, senão exata, pelo menos aproximada das telas. Nos editoriais, comentários, críticas e artigos, permite-se maior liberdade para o uso de adjetivos. Mesmo assim, recomenda-se usá-lo com sobriedade. A opinião sustentada em fatos é mais forte do que a apenas ou excessivamente adjetivada”.

Em maior ou menor grau, textos de estudantes apresentam esses “pecados”. Publicada no Cinéfilos em 3 de julho, a matéria “Entendendo a gastronomia francesa com Ratatouille” coleciona alguns. O texto é uma mistura de artigo de opinião (inclusive com relato em primeira pessoa), crítica de cinema (ainda que somente lisonjeira) e reportagem (contém uma inusitada entrevista no meio do texto). Se a pauta partisse de um release, não seria tão elogiosa.

Se tivesse se circunscrito a informar, a matéria teria rendido boas lições sobre a gastronomia francesa — embora não tenha esclarecido por que o leitor deveria se interessar por ler sobre Ratatouille 14 anos após seu lançamento. Outro problema do texto é se apoiar na opinião de um estudante de gastronomia do Instituto Gastronômico das Américas para divagar sobre temas diversos que fogem da proposta da matéria. O passeio distraído vagueia por uma explicação sobre o funcionamento do Guia Michelin e desemboca até num trecho sobre a depressão de chefs de cozinha ao serem rebaixados na certificação.

“Entre a luta, a vida e o luto”, publicada na J.Press em 2 de julho, trata de um tema importante e se esforça para não pesar demais na crítica ao retorno presencial das escolas. A matéria traz algumas inexatidões, como a afirmação de que o calendário da vacinação no estado foi “resultado da pressão dos profissionais da educação e da sociedade civil” — o ritmo da vacinação se sujeitou sobretudo à disponibilidade de vacinas. Talvez a autora da matéria quisesse dizer que a inclusão desses profissionais no grupo prioritário para imunização foi fruto de pressão da sociedade.

Mais adiante, o texto escorrega na reprodução de um dos resultados de uma nota técnica do projeto ModCovid19. O documento diz que a reabertura de escolas com todos os funcionários inicialmente imunizados, com turno escolar de 2 horas e turmas separadas em dois grupos, com aulas presenciais intercaladas, levou a um aumento de 178% no número de casos de Covid-19 na população escolar, e não que a vacinação dos profissionais de educação, na ausência de outras medidas de monitoramento e quarentena, pode levar a esse aumento, como consta na matéria.

A matéria “Alzheimer e música: uma relação neurológica e emocional”, publicada no Laboratório em 30 de junho, causa uma confusão na leitura. O lide promete um assunto (a aprovação de um medicamento contra Alzheimer pela Anvisa americana, o que supostamente tem provocado controvérsia no meio científico), mas o texto aborda outro (a explicação científica de como a lembrança musical é uma das últimas a serem afetadas pela demência). Terminado o primeiro parágrafo, pensei que leria uma matéria sobre a tal polêmica envolvendo o Aducanumab. De qualquer forma, o tema da memória musical é interessante, e poderia ter sido puxado por um gancho menos artificial.

“Os ritmos de uma terra”, publicada no Sala 33 em 21 de junho, traz informações legais, ainda que o leitor demore três parágrafos para entender que o texto aborda danças folclóricas no Brasil. A matéria ficaria ainda melhor se abrisse por histórias pessoais desse mundo cultural e evitasse o formato de glossário, que torna o texto meio burocrático. Pessoas são sempre mais interessantes que coisas.

A sensibilidade da matéria “A pandemia para o vitorioso time de futsal down do Corinthians”, publicada no Arquibancada em 28 de junho, é fundamental para bons jornalistas. A pauta é criativa, tem gancho, recorre a diferentes personagens (jogador com Down, mãe do atleta e técnico), mas carece de algumas informações. Quando o texto diz que a equipe passou “11 anos sem perder uma partida”, senti falta de dados como quantos jogos disputou, de quais torneios o time participa, quem são as outras equipes de futsal down no Brasil etc. Não são números imprescindíveis, é verdade, mas ajudariam a dar dimensão à história.

Outro lado

Ao ombudsman, a editoria Cinéfilos afirmou “não considerar que a entrevista ou os tópicos abordados pela fonte fugiram da proposta do texto”. Segundo os editores, o intuito foi relacionar temas presentes no filme Ratatouille com a gastronomia e a realidade dos chefs franceses, e que, por isso, “apresentar a relevância do Guia Michelin e a questão da saúde mental desses profissionais foi essencial para a interligação entre o filme e a temática abordada”. O Cinéfilos também declarou que a Jornalismo Júnior é um “espaço único de grande liberdade editorial” e que a editoria não se restringe a pautas quentes ou que envolvem apenas filmes recém-lançados. “Porém estimulamos a escolha de pautas com aproveitamento de ganchos para a publicação, como foi o caso do texto analisado, que foi postado na semana em que a animação completava 14 anos”, disse.

 

Pecados do texto: imagem de rosto de Guilherme Caetano — autor desta coluna — em rua urbana

*Guilherme Caetano é repórter de política do jornal O Globo e da revista Época. Também passou pela Folha de S.Paulo, onde foi trainee e redator. Presidiu a Jornalismo Júnior em 2015.

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