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“Parece mentira, né?” – Impressões sobre o prêmio Vladimir Herzog

A entrega das estatuetas ocorreu no dia 25 de outubro, aniversário de morte do jornalista.   Por Tainah Ramos (tainahramos@usp.br) e Renan Sousa (renan.sansou97@usp.br) Sentamos nas cadeiras, olhamos para um lado, para o outro. As pessoas conversam, algumas tiram fotos, pacientemente, até o sinal tocar.  Era complicado anotar as coisas à meia luz, ainda mais com personalidades …

“Parece mentira, né?” – Impressões sobre o prêmio Vladimir Herzog Leia mais »

A entrega das estatuetas ocorreu no dia 25 de outubro, aniversário de morte do jornalista.

 

Por Tainah Ramos (tainahramos@usp.br) e Renan Sousa (renan.sansou97@usp.br)

Sentamos nas cadeiras, olhamos para um lado, para o outro. As pessoas conversam, algumas tiram fotos, pacientemente, até o sinal tocar. 

Era complicado anotar as coisas à meia luz, ainda mais com personalidades que eu admirava tão próximas. “Eu” me distraía com seus discursos e esquecia de anotar. Mesmo lado a lado, assumimos postura distinta, o outro “eu” não queria anotar, nem tentava, nem mesmo havia levado algo para escrever, apenas uma câmera na mão, em uma tentativa fracassada de tentar me concentrar em filmar algo, tudo o que tenho desse dia são as memórias que me saltam à mente o tempo todo.

Sobe no palco Juca Kfouri. Lembro-me de sua voz no rádio. Ele começa uma breve fala, antes de introduzir o hino nacional. Olho para um lado, para o outro. Não encontro bandeira para saudar enquanto toca o hino. No lugar dela, ao centro do telão, cenas de violência policial, pessoas passando fome, miséria, todo o tipo de violação… Dos direitos humanos.

Com voz trêmula, Juca diz: “Eu prometi pro Adalio [Dantas] que ia fazer uma homenagem toda a vez que estivesse aqui na premiação. Hoje, infelizmente, ele não está mais entre nós. Eu peço um minuto de silêncio.” Para que pudesse se recompor e limpar o rosto do choro contido, o minuto foi respeitado, seguido por uma salva de palmas da plateia.

A celebração foi inteira marcada por quebras de protocolo. A mais marcante foi a subida ao palco dos alunos da ECA, devido a uma invasão, naquele exato momento, da polícia militar no espaço de convivência da faculdade. A fala foi breve, porém gerou um mal estar nos presentes.

Juca lembra outro momento. Ele, que ia constantemente à Assossiação Brasileira de Comunicação Empresarial (Aberje), mesmo na época da ditadura, nunca havia visto tal cena. “Nem na ditadura você via polícia na porta. Por que agora? Por que milícias do lado de fora podiam ir ali pra provocar. Parece mentira, né?”.

Sobe ao palco um sujeito com quem eu havia esbarrado no corredor, antes do prêmio. Ivo Herzog, uma mão no bolso, outra no microfone, começa a falar. Ele mesmo assume que a entrega do prêmio no dia do aniversário de morte do pai é uma situação difícil. Aponta sua escolha de candidato de maneira didática, ao explicar como funcionam seus valores em “caixinhas invioláveis”. “Valores como vida, dignidade humana… São invioláveis. Dali pra fora, a gente discute liberalismo ou o que for. Dali pra dentro, não. É indiscutível”. Engenheiro, valoriza o fazer jornalístico, apontando cada um de nós ali como um agente político. Dito isso, completa: “É a eleição mais fácil de votar”.

O homenageado da noite foi Bernardo Kucinski, um senhor de idade avançada, de voz firme, que foi consagrado com o prêmio e um “parabéns pra você”, devido ao seu aniversário de 81 anos. Entretanto, o clima de festa logo sucumbiu à tensão política. Lembrando o caso de jornalistas da Folha de São Paulo ameaçados, Bernardo comenta: “Não há clima para festas. Publicar e assinar uma matéria de interesse do público virou um ato de coragem perigoso. Ela [Patrícia Campos Mello, que denunciou o caixa 2 de Jair Bolsonaro] está sendo punida tão somente porque publica não notícias falsas, mas verdades”.

O vice presidente da Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj) também fez sua homenagem a Bernardo. A família Kucinski não pôde nem enterrar a desaparecida Ana Rosa Kucinski, irmã de Bernardo, tampouco receber a indenização por crimes cometidos na ditadura. A revolta fica ainda maior quando é lembrado que Carlos Alberto Brilhante Ustra foi homenageado pelo candidato à presidência (agora, eleito) e, além disso, negou a acusação de que ele  participava de atos de tortura durante o Regime Militar. Os ânimos voltam a se exaltar na plateia. Gritos de “justiça” e “cretino” escapam das bocas do público.

Os méritos e prêmios oferecidos durante a noite nos lembraram o tempo todo do porquê devemos lutar: não se pode fechar os olhos para a violência policial nas periferias, paras as dificuldades de pessoas LGBT+ e crimes contra elas, por exemplo. Em um deles, o de “produção jornalística em vídeo”, a dor de uma ferida aberta gritou. Era sobre Marielle Franco, vereadora do Rio de Janeiro (RJ), brutalmente executada.

Na plateia, uma voz gritou “Quem matou Marielle?” e uma outra, em mesmo tom, prosseguiu “Quem mandou matar Marielle?”. Parecia humanamente impossível não ser tocado por aquele momento e não reviver a ferida dessas perguntas sem resposta.

A fala final de Juca, um apelo. “Eu não enxergo nosso futuro. Estamos sendo massacrados, devemos resistir. O simples ato de nomear os fatos de forma correta já é um ato revolucionário”. Uma faixa carregada por estudantes de diversas faculdades de jornalismo ao som do hino de proclamação da república encerra a celebração com a mensagem:

 

Liberdade! Liberdade!

Abre as asas sobre nós!

Das lutas na tempestade

Dá que ouçamos tua voz!

 

Dos mais jovens aos mais velhos. Dos que viram e dos que não viram. Todos estavam ali procurando um último fôlego para dar às esperanças. A luta iria continuar. Pelas nossas liberdades, pelo nosso direito de ser e fazer. Nós fomos, somos e seremos resistência.

Atravessando o presente, passando pelo passado, ecoa o grito: Liberdade! Liberdade!

Foto: Tainah Ramos e Renan Sousa / Jornalismo Júnior

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