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Paulista: a saga de um clube desnorteado

Por Henrique Votto Doze anos depois de surpreender o país e conquistar a Copa do Brasil, o Paulista Futebol Clube vive um inferno sem fim. Vítima do amadorismo e da falta de recursos, o time de Jundiaí luta pela sobrevivência diante de um cenário bastante complicado: somando dívidas que ultrapassam a marca dos R$ 30 …

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Por Henrique Votto

A triste realidade do Galo do Japi: sonhando com o passado, sofrendo com o presente (Imagem:Giovana Christ/Comunicação Visual – Jornalismo Júnior)

Doze anos depois de surpreender o país e conquistar a Copa do Brasil, o Paulista Futebol Clube vive um inferno sem fim. Vítima do amadorismo e da falta de recursos, o time de Jundiaí luta pela sobrevivência diante de um cenário bastante complicado: somando dívidas que ultrapassam a marca dos R$ 30 milhões e resistindo contra o leilão do seu estádio, o Galo do Japi enfrenta seu terceiro rebaixamento em apenas quatro anos, chegando ao fundo do poço nas divisões estaduais.

Anos de parcerias

O Paulista foi um dos primeiros clubes brasileiros a praticar o modelo de cogestão no futebol. Em busca de saídas para uma grave crise financeira que o atingia na década de 1990, o Galo assinou contrato com a Lousano, empresa de fios e cabos elétricos, em 1995. Sob o nome de Lousano Paulista, conquistou o acesso à Série A2 do Campeonato Paulista ainda naquele ano, com o veterano Toninho Cerezo no elenco, e a Copa São Paulo de Futebol Júnior em 1997, derrotando o Corinthians na decisão.

Com o fim da parceria, em 1998, a italiana Parmalat assumiu as rédeas do clube. O acordo de 30 anos com a multinacional de laticínios, também parceira do Palmeiras na época, consistia na fixação de um clube-empresa, no qual o grupo tivesse plenos poderes para desenvolver seus projetos no futebol, e calculava sucesso a médio e longo prazo.

Os largos investimentos vieram, no entanto, a um custo muito caro: a alteração das cores – de tricolor para bicolor – e do escudo do time, além da mudança do nome Paulista (homônimo de uma marca concorrente da Parmalat) para Etti Jundiaí, no intuito de estampar a marca de molhos e condimentos da empresa. Nem mesmo os uniformes foram poupados: “o uniforme era todo vermelhão. Até tinha uma brincadeira que era o uniforme ‘extrato de tomate'”, relata Thiago Batista, torcedor e jornalista da rede Esporte Jundiaí.

Como era de se esperar, a insensibilidade dos gestores com as tradições do Galo do Japi desagradou profundamente os torcedores, principalmente porque a parceria demorou a render bons frutos dentro das quatro linhas. “O lado negativo das parcerias foi a perda da identidade com a cidade. As mudanças de nomes, escudos e até de uniformes não agradaram os torcedores mais antigos e muitos deles deixaram de acompanhar o clube”, relata o fanático torcedor Ivan Gottardo.

Os grandes resultados começaram a aparecer somente em 2001, com os títulos da Série A2 do estadual e da Série C do Campeonato Brasileiro. Porém, antes mesmo que pudesse desfrutar da visibilidade do Etti, a Parmalat se retirou do clube sem aviso prévio, em maio de 2002, uma vez que enfrentava escândalos financeiros na Itália. Por um curto período de transição, que contou com aporte financeiro da ex-parceira, o Paulista jogou com o nome de Jundiaí, até retomar o antigo nome através de um plebiscito feito em uma loja de departamento na cidade.

Anos de glórias

Nos anos seguintes, o Galo se beneficiou do legado deixado pela Parmalat não só no aspecto financeiro, que permitiu ao clube um reinício com as dívidas praticamente sanadas, como também na estrutura do futebol, principalmente com o trabalho nas categorias de base.

A primeira da série de gratas surpresas para o torcedor foi o vice-campeonato paulista de 2004, perdendo na decisão para a lendária equipe do São Caetano. Da campanha memorável, destaque para a goleada sobre o Santos de Robinho por 4 a 0, a vitória em cima da rival Ponte Preta nas quartas de final, em um jogo épico decidido na prorrogação (com direito a confusão fora do estádio), além da eliminação improvável do Palmeiras na semifinal.

A Copa do Brasil de 2005 é o capítulo inesquecível dos anos áureos do time jundiaiense. O Paulista, comandado pelo então iniciante treinador Vágner Mancini, chegou à competição em virtude da campanha histórica no Paulistão. Ninguém nem sequer cogitava que o Galo pudesse chegar tão longe, porém, depois de despachar o Botafogo em pleno Maracanã, a torcida passou a acreditar.

Após perder por apenas 1 a 0 para o Internacional, no Beira-Rio, no primeiro jogo das oitavas de final, a diretoria abriu um convênio com a rede de supermercados Russi para a partida da volta, fornecendo ingressos nas compras acima de 50 reais. O resultado: vitória do Paulista e classificação nos pênaltis com atuação brilhante do goleiro herói Rafael Bracali.

Ao superar o Figueirense nas quartas, em um jogo duro decidido novamente nas penalidades, e desbancar o gigante Cruzeiro nas semifinais, com direito a dois golaços de falta do volante Cristian no Mineirão, o Paulista chegou à final contra o Fluminense. Na decisão, os gols de Mossoró e Léo garantiram um incrível 2 a 0 no Jayme Cintra lotado, com 15 mil torcedores, e um 0 a 0 em São Januário assegurou a taça inédita.

(Veja a seguir o documentário da TV Jundiaí sobre a conquista da Copa do Brasil de 2005)

http://www.youtube.com/watch?v=j1BQl1H24F0&t=2039s

O time era predominantemente formado por jogadores da base. Além dos já citados meias Márcio Mossoró e Cristian e a muralha Rafael Bracali, o banco de reservas contava com Victor e Réver, campeões da Libertadores de 2013 pelo Galo Mineiro. “Para se ter uma ideia, nove jogadores que jogaram a final em São Januário eram formados em Jayme Cintra e aquilo trouxe um sentimento ainda mais de representatividade para os torcedores e para a cidade”, relata Ivan.

O torcedor também não esquece da imagem do dia do título: “O momento mais fantástico da comemoração foi quando os jogadores chegaram a Jundiaí e desfilaram no carro do Corpo de Bombeiros. A cidade literalmente parou para receber seus campeões. Foi uma festa inesquecível, que está eternizada na história da cidade”.

Comemoração dos jogadores em cima do carro de bombeiros (Imagem: Ivan Gottardo)

Queda livre

Apenas um ponto separou o Galo do Japi do acesso à elite do futebol nacional. Entre o quase e o nada, fato é que a quinta colocação na Série B do Campeonato Brasileiro de 2006 representou a última grande participação do Paulista em competições de peso. De 2007 a 2010, três rebaixamentos seguidos transformaram uma potência do interior de São Paulo em mais um clube sem calendário nacional. Apesar dos suspiros de felicidade com o bicampeonato da Copa Paulista (2010 e 2011), o rebaixamento da Série A1 do estadual veio em 2014, fruto de uma campanha pífia: sem nenhuma vitória em quinze jogos.

Junto ao desastre esportivo, os problemas financeiros ressurgiram em massa. O acúmulo de dívidas trabalhistas com atletas e ex-funcionários levou a diretoria a recorrer novamente às parcerias, que, dessa vez, apresentaram resultados trágicos.

Em 2007, o clube se encantou com o promissor projeto do Campus Pelé, que envolvia o rei e o Banco Fator e visava transformar o Paulista em um celeiro de jovens atletas, prometendo uma revolução no futebol nacional. Sem interferir no trabalho da direção do clube jundiaiense, diferentemente da Parmalat, a parceria contava com um fundo de investimento de US$ 30 milhões, direcionado para a construção de um centro de treinamento de base. Tudo se baseava em uma fórmula perfeita: para o clube, estrutura para seguir pelas próprias pernas; para os investidores, dinheiro com a venda dos jogadores.

Com o tempo, o acordo se mostrou uma roubada. O CT não saiu do papel e o Campus Pelé, aos poucos, se aproximou do futebol profissional do clube, participando ativamente em sua derrocada. A situação catastrófica levou o polêmico presidente Eduardo Palhares, há doze anos à frente da agremiação, a renunciar do cargo em 2010. Com o encerramento oficial da parceria em 2011, o Banco Fator levou seus jogadores e deixou dívidas milionárias nas mãos da diretoria, até hoje questionadas na Justiça. Não à toa, muitos culpam o projeto visionário pelo momento atual do clube.

O Movimento Novo Paulista, de 2015, foi a última grande tentativa de reparar os erros primários do passado. A proposta do grupo de torcedores e empresários locais era de trabalhar em conjunto com a diretoria, dispondo de uma conta alternativa para gerir o setor financeiro do clube e captar recursos para a formação da equipe e pagamento das despesas. A meta: reverter o quadro de descrédito, atrair patrocínios na região e zerar as dívidas em dois anos. “Infelizmente essa ideia foi negligenciada por pessoas amadoras que comandam o clube, mas que não deveriam estar lá”, relata Ivan Gottardo.

Novamente, a falta de planejamento da diretoria conduziu o Paulista a uma parceria terrível, com investidores europeus. O grupo comprometeu-se a ajudar financeiramente o clube para a disputa da Série A2 de 2016, e exigiu, em troca, a integração do técnico português Paulo Fernandes ao elenco. Resultado: o dinheiro não veio, o elenco rachou e o treinador deixou o comando após uma partida apenas.

O planejamento falho levou a uma nova queda, para a Série A3, e resultou no desmonte do Novo Paulista. “Fizeram uma parceria com um cara que não era treinador. A gente da imprensa descobriu todas as falcatruas deles, a diretoria do Paulista não acreditou e depois a gente viu o resultado dentro de campo”, afirma o jornalista Thiago Batista, que desmascarou o grupo em reportagem do Esporte Jundiaí.

O presente e o futuro

Na opinião do economista Fernando Fleury, “tanto o grupo Lousano quanto o grupo Etti acabaram por não fazer um modelo que desse possibilidade do Paulista continuar”. De fato, o clube não aproveitou a oportunidade para se reconstruir pelas próprias pernas e profissionalizar sua gestão, tornando-se vítima do conforto das parcerias e da perpetuação de mentes ultrapassadas no poder. Até por isso, neste ano, o Paulista chegou literalmente ao fundo do poço.

O mais recente rebaixamento para a quarta divisão estadual – o terceiro em apenas quatro anos – é o retrato de um 2017 melancólico. Além do novo revés em sua história, o clube também se viu próximo de perder seu próprio estádio. O Jayme Cintra, que já estava penhorado desde 2013, quando foi entregue à Justiça do Trabalho como garantia do pagamento de dívidas trabalhistas no valor de R$ 3,5 milhões, foi colocado a leilão no dia 27 de abril.

A fim de contornar a situação, o clube moveu tratativas para tombá-lo como patrimônio histórico de Jundiaí e obteve êxito, assegurando a proteção física do terreno. Com isso, o leilão terminou sem compradores e foi legalmente cancelado no mês de maio. Os débitos, por outro lado, ainda perduram.

O cenário naturalmente não inspira a confiança de que o Galo do Japi conseguirá, em um futuro próximo, se reerguer e retomar o caminho vitorioso de outrora. “Hoje o Paulista é um clube profissional administrado de forma amadora por pessoas que acreditam que gerir o clube como há 20 ou 30 anos é o jeito certo. Infelizmente os times pequenos são reféns de más administrações e do descaso da Federação com os seus afiliados”, diz Ivan.

Ele acredita, no entanto, que a queda para a quarta divisão estadual não deverá significar o fim do clube, e sim a gota d’água para mudanças radicais na sua estrutura: “a abertura passa pela mudança no estatuto do clube, que precisa ser feita urgentemente, para que novas pessoas possam ser sócias e agreguem em prol do clube, acima dos interesses pessoais”. A verdade é que, continuando assim, o futuro não guarda boas surpresas para a machucada torcida de Jundiaí.

Torcida jundiaiense deseja recuperar o otimismo dos anos áureos (Imagem: Ivan Gottardo)

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