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Skate Olímpico: uma afronta à contracultura?

Com a chegada do skate às Olimpíadas, um complexo debate veio à tona: seriam os jogos a derradeira decadência da contracultura presente no skate?

Teria o skateboard perdido sua essência? Mesmo com sua repercussão positiva e crescente no engajamento, seria a Olimpíada um evento contraditório a respeito de tudo o que o skate cultivou, por anos, desde os Z-Boys até as margens de Tóquio? Ainda resta contracultura no que se chama de skate? Antes de iniciarmos efetivamente, cabe uma breve contextualização do que as Olimpíadas representam, culturalmente, para o skate. O maior evento esportivo do planeta, nos últimos anos, tem buscado se aproximar das camadas mais jovens da população mundial — questão básica de audiência e capitalização por meio das transmissões. No seu último esforço, o Comitê Olímpico Internacional (COI) conseguiu anunciar — ao lado do surfe, karatê, escalada, beisebol e softbol — o skate como a mais nova modalidade olímpica. Essa decisão resgatou uma série de declarações polêmicas que envolveram alguns astros do skateboard mundial.

Skate confirmado como o mais novo esporte olímpico. [Imagem: Reprodução/André Durão]
Skate confirmado como o mais novo esporte olímpico. [Imagem: Reprodução/André Durão]
Dentre eles, é obrigatório destacar o pronunciamento da lenda viva, Tony Hawk. Em 2011, ainda antes da decisão por parte do COI, Tony, em entrevista, manifestou-se dizendo que “a Olimpíada precisa mais do skate do que o skate precisa da Olimpíada”. O estadunidense justificou seu argumento afirmando que as Olimpíadas de verão são chatas e que precisariam da modalidade para rejuvenescer, assim como ocorreu com a adição do snowboard nos Jogos de Inverno. No ano seguinte, Bob Burnquist adotou o discurso de seu amigo e, com as mesmas palavras, declarou que quem precisava de uma ajudinha era o evento.

No entanto, o tempo passou, Tóquio foi confirmada como sede dos Jogos de 2020 e, no dia 3 de agosto de 2016, por unanimidade, o skate foi adicionado ao cronograma olímpico. E tem mais. Apenas um ano após a confirmação do skateboard como novidade em Tóquio, Bob Burnquist foi eleito presidente da Confederação Brasileira de Skate (CBSk). Seis anos foram o suficiente para separar o polêmico discurso de Bob da sua assunção no cargo responsável por traçar o caminho do ramo brasileiro até a Olimpíada. De lá pra cá, as proposições de Burnquist a respeito dos Jogos se adaptaram. Em 2018, adotou uma postura defensiva e prometeu que “a Olimpíada não vai tirar a nossa identidade”. Um ano depois, já alterava um pouco sua ótica. Agora, “a Olimpíada é oportunidade de crescer”, ela começava a ser interpretada como uma vitrine para a exposição do skateboard em âmbito global.

Bob Burnquist é eleito presidente da CBSk, em 2017. [Imagem: Reprodução/CBSk]
Meses depois, Burnquist anunciou sua retirada da diretoria da CBSk. Segundo ele, gostaria de trabalhar no ramo do skate somente pelo amor, não para receber salários. Fato é que, conforme o passar dos anos, Bob não se calou. No ano estipulado para a ocorrência dos jogos, 2020, o multicampeão já havia se rendido à ideia de haver um skate olímpico e não escondia sua expectativa por medalhas para o Brasil. Com a chegada da Olimpíada de Tóquio, Bob fechou contrato com a Globo e passou a fazer parte do time de comentaristas do canal.

Outra polêmica quanto à Olimpíada são as roupas que teriam “uniformizado o skate”. Através da pré-atribuição de roupas para os skatistas de cada delegação, o COI sufocou a expressão individual tão característica no skateboard. Restaram, para contar história, somente a traseira dos shapes, a base dos skates, que se mantém personalizadas e cheias de vida. Em termos gerais, foi a padronização do skate como esporte pelo Comitê Olímpico que tanto assustou e revoltou skatistas Brasil afora.

Membros das delegações estadunidense, brasileira e francesa de skate uniformizados para os Jogos Olímpicos. [Imagem: Reprodução/Divulgação/Nike]
Membros das delegações estadunidense, brasileira e francesa de skate uniformizados para os Jogos Olímpicos. [Imagem: Reprodução/Divulgação/Nike]
Vale a consideração de que as opiniões obtidas por meio das entrevistas contrariam — em parte — o caráter unânime que a aprovação do skate como esporte olímpico recebeu. Até mesmo skatistas que adentraram na cena do skateboard na mesma época apresentaram respostas adversas. Tudo isso é apenas a consolidação para o argumento de que o skate é algo subjetivo. É um fenômeno complexo. Cada um o experiencia de maneira distinta. É simplesmente impossível atribuir um só signo para descrevê-lo. Por isso, por certas vezes, um único indivíduo apresenta duas opiniões quase que contraditórias sobre esse mesmo assunto. 

O ilustrador, designer gráfico e amante do skate Everaldo “Ratones” Marques enxerga como inevitável que o skate chegasse à margem de uma Olimpíada. No entanto, ele busca destacar que “não é o meu skate, não o que eu conheci”. Ele  destaca que “o skate cresceu muito justamente por ser fora de qualquer padrão”, algo contrariado pelas imposições do COI. Entretanto, quando perguntado se a presença do skate nas Olimpíadas contrariava a essência do mesmo, Ratones prontamente negou. Sua justificativa apoia-se no argumento de que gerações diferentes o enxergam de maneira assimétrica. Logo, não seria justo comparar o pensamento de alguém que iniciou sua caminhada há mais de 30 anos com o de um garoto que nasceu num contexto onde existem pistas para todo lado, material acessível, skate na tv e diversas referências no cenário competitivo. O inegável é dizer que o skate mudou. 

O ilustrador e designer gráfico, Everaldo “Ratones”. [Imagem: Reprodução/Ratones Art]
O ilustrador e designer gráfico, Everaldo “Ratones”. [Imagem: Reprodução/Ratones Art]
Todavia, mesmo que não o empolgue muito, o ilustrador também consegue enxergar alguns benefícios nesse movimento. Segundo ele, “as Olimpíadas trazem para o skate a maior exposição do ‘esporte’ — destaque às aspas —, fortalece a indústria e atrai grandes patrocinadores”. Contudo, ressalva: “se não tivesse nada disso o skate continuaria a ser skate de uma forma ou outra”. Sem dúvidas, é uma opinião forte e concisa de quem leva o skate como estilo de vida há mais de 30 anos e nunca quis abandonar esta abordagem. Entretanto, esse comportamento está longe de ser via de regra.

O fundador do site e programa Grito da Rua, Badeco Dardenne, é outro exemplo de skatista old-school que manobra nessa estrada há mais de 30 anos. Como Burnquist, ele também alterou seu ponto de vista conforme o passar dos anos. O antigo apresentador confirma, sem hesitar, que a maneira como o skate é tratado realmente mudou muito da sua juventude de surfe e muita calçada no Leblon (Rio de Janeiro) aos olimpianos dias de hoje. Um destaque na entrevista foi a interpretação de Badeco quanto à reação daqueles que enxergam as Olimpíadas como o ponto final na história do skate. O carioca entende essa atitude totalmente exagerada, como um ato de egoísmo. Segundo ele, essas pessoas erram ao repetir que “acabaram com o skate delas”. O skate é algo universal. Portanto, não há necessidade de chorar por isso. O skate de cada pessoa continuará vivo, com ou sem Olimpíada. 

Fundador do programa Grito da Rua, o jornalista Badeco Dardenne. [Imagem: Reprodução/Twitter]
Fundador do programa Grito da Rua, o jornalista Badeco Dardenne. [Imagem: Reprodução/Twitter]
Quanto à questão da padronização através dos uniformes, Dardenne, antes do evento ocorrer, mostrou-se totalmente desacreditado na possibilidade de skatistas competirem sob alguma norma do gênero — acabou errando. Ele é mais um dos que enxergam a presença do skate nos Jogos como uma plataforma para o desenvolvimento e proliferação desse — segundo definição própria — esporte. Um bom exemplo dessa positividade foi uma mensagem que o apresentador enviou logo após o pódio do skate street femino — que contava com a maranhense de apenas 13 anos, Rayssa Leal. Na mensagem ele dizia que “o skate continua a revolucionar o mundo”. Dessa forma, o shape com rodinhas pode até ter se desgarrado um pouco da contracultura, no entanto, a essência revolucionária permanece acesa atravessando gerações.

Uma das precursoras do skateboard feminino no Brasil, Monica Polistchuk é mais uma das que escolhe a palavra “esporte” para definir o curioso skate. É, também, uma que enxerga o destino olímpico do skate como algo inevitável e necessário. Segundo a skatista, “nada fica parado, logo, seria energia perdida caso o skate não progredisse em direção ao seu engrandecimento”, que é olímpico. Ademais, Monica busca explorar a questão do tempo. O contexto que se vive o skate hoje “é muito diferente de quando tudo foi criado“. Há muito mais investimento, apoio e competitividade. O skateboard nas Olimpíadas chegou no tempo certo para ampliar o leque de oportunidades que poderão, com esse advento, ser atingidas pelos skatistas. 

A experiente skatista, Monica Polistchuk. [Imagem: Reprodução/Twitter]
A experiente skatista, Monica Polistchuk. [Imagem: Reprodução/Twitter]
Quanto à preocupação com a origem e o significado do skate para as novas gerações, Monica pontua que caberá à escolha de cada um se identificar — ou não — com a cultura do skate. É uma questão pessoal devido à subjetividade do “esporte” — que possui seu estilo de vida. No âmbito geral, trata-se de mais uma opinião positiva vinda de quem já andou na marginalidade, experimentou a contracultura, mas entende que a nova geração do skate, devido ao cenário sociopolítico tão distinto e, até, favorável — pode acabar por colocar outros propósitos acima da sua própria cultura.

O colunista e fundador do site Trocando Manobras, Filipe Maia, gosta de definir o skate como “só um pretexto”, ou seja, não como o agente, mas sim como um meio pelo qual praticantes se relacionam. Sua opinião é interessante para quem defende tanto o skate em sua “essência”. Para ele, “o skate olímpico não despadroniza ou descaracteriza o skateboard”. Como justificativa, Filipe recorre à moda e dá o exemplo do skatista e snowboarder Trevor Andrew, que aliou-se à alta costura e lançou, junto a Gucci, uma linha de roupas e acessórios.

O colunista e fundador do site Trocando Manobras, Filipe Maia. [Imagem: Reprodução/YouTube] 
O colunista e fundador do site Trocando Manobras, Filipe Maia. [Imagem: Reprodução/YouTube]
A partir do exemplo, surge, pela primeira vez na conversa, o termo “vertente”. Para o skatista, o ramo olímpico que o skate está tomando trata, somente, de uma dentre as vertentes que o skateboard possui. Segundo ele, inclusive, “é uma vertente aceitável, não a que eu mais gosto, mas é uma vertente super possível que o skate pode tomar”. Dessa forma, cada uma das vertentes, que juntas compõem um imaginário coletivo do skate, sobrevive de maneira independente e, mais importante — atesta Filipe Maia —, sem destruir a outra. Trata-se, igualmente a um dos principais valores do estilo de vida, de uma relação de cooperação e vínculo entre as partes. O skate olímpico não mata o skateboard contracultura — que é aquele nascido na rua, transgressor. Pelo contrário, ele apenas o complementa.

Para consolidar estes argumentos, Filipe tratou um pouco sobre sua relação afetiva com o shape e dispôs de alguns benefícios que o skate nos Jogos Olímpicos traz para sua própria cultura. Quanto ao vínculo com o skateboard, o colunista destaca o sentimento que alguns skatistas de rua tiveram logo após o anúncio do cronograma olímpico para Tóquio 2020. “Quando foi confirmado como esporte olímpico, a gente ficou com medo das pessoas começarem a tratar o skate somente como esporte, e não como qualquer outra coisa”. 

Esse misto de medo e indignação fez com que Filipe, tempos depois, com o anúncio oficial dos uniformes para a competição olímpica, escrevesse uma matéria — que hoje não concorda mais — intitulada “A morte da individualidade no skate”. O título, um pouco exagerado, fazia algum sentido, visto que, para o colunista, o skatista deve ser retratado como um ser único e expressivo. Por essa série de fatores, Filipe Maia afirmou concordar com a polêmica frase de Tony Hawk — repetida por Bob Burnquist — de que “a Olimpíada precisa mais do skate do que o skate precisa da Olimpíada”. Todavia, assim como fez Bob, Filipe conseguiu enxergar o sentido por trás do advento da modalidade nas Olimpíadas.

A popularidade e respeito ao skate apenas cresceu após as grandes performances na Olimpíada, como a prata de Rayssa Leal. [Imagem Reprodução/CBSk] 
A popularidade e respeito ao skate apenas cresceu após as grandes performances na Olimpíada, como a prata de Rayssa Leal. [Imagem Reprodução/CBSk]
Segundo ele, este novo passo pode ser “benéfico para quem está alí” e para o modo como o skate é visto no mundo. Benéfico pois serve como vitrine dos atletas para chamar atenção das grandes marcas, o que, a depender do resultado, pode render contratos e patrocínios. Além de contribuir para o modo como o skate é visto no mundo, pois um medalhista olímpico não será enxergado como um “vagabundo”, “desleixado”, ou qualquer outro falso estereótipo criado contra os skatistas.

No final das contas, Filipe prefere concordar com o ponto de vista do skatista canadense e agora atleta olímpico, Andy Anderson, que justifica sua presença nos Jogos Olímpicos como uma maneira de promover o progresso do skate, para mostrar ao mundo todo o mérito de quem anda e respira o shape. O que restou foi dizer que as preocupações que envolveram o anúncio do skate olímpico não avançaram com o passar dos anos. O skate ainda é enxergado como um fenômeno complexo. O skateboard de rua sobrevive. A individualidade não está perdida.

O skatista olímpico canadense, Andy Anderson, em frente ao bowl de Tóquio. [Imagem Reprodução/COC]
O skatista olímpico canadense, Andy Anderson, em frente ao bowl de Tóquio. [Imagem Reprodução/COC]
Após tantas histórias, opiniões e análises é muito difícil encaixar a palavra “conclusão” no mesmo parágrafo que “skate”. No entanto, há certas proposições que, ao fim de tudo, são possíveis de serem afirmadas. A mais clara e evidente é dizer que o skate é subjetivo. Não se trata de algo homogêneo. Pessoas distintas não utilizam os mesmos vocábulos para definir esse complexo fenômeno cultural. Nem mesmo o tempo, que tanto transformou a antiga caixa de madeira com rodinhas, foi capaz de impor regras à maneira como se entende e se trata o skate. 

Há quem o ama como esporte. Há quem o ama como estilo de vida. Há quem o ama como tudo o que representa. E há quem o ama como só um pretexto para que então se possa curtir a vida. Certo é dizer que há muita gente que o ama. Por isso essa preocupação olímpica. Não haveria desespero, raiva, frustração ou alegria caso o skateboard não fosse uma cultura, acima de tudo, agregadora e apaixonante. A transformação assusta. E quando falamos sobre skate, estamos nos referindo à mais transparente transformação. Trata-se de um elemento que transgrediu, revolucionou, marginalizou-se, expandiu e hoje chegou ao Olimpo. Se for possível encaixar as palavras “conclusão” e “skate” na mesma sentença, diria que se conclui que o skate chegou às Olimpíadas.

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