Este filme faz parte do 22º Festival Internacional de Documentários É Tudo Verdade. Para mais resenhas do festival, clique aqui.
O Holocausto é tido como um dos acontecimentos mais emblemáticos do século XX: a desumanização de uma população inteira e seu subsequente genocídio tornou-se uma referência tão grande do mal que é tema de discussões éticas até hoje. O documentário Uma Vida Alemã (Ein Deutsches Leben, 2016) se propõe a trazer uma visão geralmente ignorada desse episódio da história: a de uma alemã que, como muitas outras, seguiu o comportamento proposto pelo regime e trabalhou em seu Departamento de Propaganda como secretária de Joseph Goebbels.
Brunhilde Pomsel, ali com 103 anos de idade, concede uma entrevista anormalmente franca aos diretores. Ela traça a história da ascensão de Hitler por meio de sua experiência pessoal com o regime, explicitando a alienação do cidadão médio alemão acerca das reais implicações da ideologia nazista. O filme intercala os depoimentos de Brunhilde com filmagens da época provenientes de vídeos de propaganda produzidos tanto pelo regime nazista como pelo exército americano, além de imagens jornalísticas de alguns acontecimentos-chave, tal qual passeatas no pré-eleições e a abertura dos campos de concentração ao fim da guerra.
A figura-chave do documentário demonstra muita autoconsciência acerca do seu lugar naquela narrativa, e sobre como a maioria das pessoas a vê. “Olham pra mim e pensam que certamente teriam feito algo diferente naquela situação.” ela diz “não teriam.” Sua honestidade força o espectador a confrontar as nuances de um contexto que as perdeu em seu retrato histórico: o que motivou os alemães a votarem no Partido Nazista? Como reagimos frente a uma ideologia hegemônica que nos concede benefícios às custas da demonização e assassinato de uma população inteira?
A construção simples e, em alguns momentos, até cansativa do documentário contrasta com a complexidade de sua mensagem. As falas de Brunhilde exploram a área cinza da moralidade em tempos de desespero, alienação e autoritarismo: fica claro o quão simples é manipular as massas com base em preconceitos já existentes, principalmente quando a sentença para aqueles que se recusam a se filiar ao Partido é fome e miséria. E, mais do que tudo, como a culpa nem sempre é só daqueles que realizam ações conscientemente — a omissão é igualmente danosa; mas o enfrentamento também é muito mais assustador do que julgamos ao olhar de fora.
O feito mais impressionante de Uma Vida Alemã é trazer algo novo e indispensável à memória tida da Segunda Guerra Mundial. Enxergar as pessoas comuns envolvidas do lado “errado” desse episódio histórico e entendê-las é, em tempos de instabilidade e mobilização de ódio xenofóbico, essencial para identificar — e combater — os sinais de um novo processo de desumanização.
Trailer com legendas em inglês:
https://www.youtube.com/watch?v=PvLL6LP41YY
Bárbara Reis
barbara.rrreis@gmail.com