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40ª Mostra Internacional de SP: Sangue do Meu Sangue

Este filme faz parte da 40ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo. Para mais resenhas do festival, clique aqui. Real ou fantasia? Sagrado ou Profano? Presente ou passado? Sangue do Meu Sangue (Sangue del mio sangue, 2016), filme dirigido por Marco Bellochio, encanta e repele o espectador ao construir pontes entre o improvável, entre …

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Este filme faz parte da 40ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo. Para mais resenhas do festival, clique aqui.

Real ou fantasia? Sagrado ou Profano? Presente ou passado? Sangue do Meu Sangue (Sangue del mio sangue, 2016), filme dirigido por Marco Bellochio, encanta e repele o espectador ao construir pontes entre o improvável, entre o século XVII e o XXI, da tortura da Inquisição ao fantasmas sonegadores de impostos. Somos conduzidos por uma obra cinematográfica pronta para mexer com as nossas sensações e emoções.

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Alguém bate na porta, uma freira desce as escadas, todo o cenário está escuro e o único ponto de iluminação é o rosto de Don Frederico (Pier Giorgio Bellocchio). O cavaleiro medieval de cabelos longos, morenos e cavanhaque à la mosqueteiro dirige-se ao convento Santa Chiaro, após seu irmão Fabrizio ter sido enterrado num espaço renegado a criminosos. Segundo as leis cristãs, o padre Fabrizio não poderia ir aos reinos do céu, pois havia cometido um duplo pecado: quebrou o voto de castidade e cometeu suicídio.

O frei Cacciapuoti (Fausto Russo Alesi), no entanto, tinha uma outra suposição. Acreditava que o irmão de Frederico teria sido enfeitiçado pela irmã Benedetta (Lidiya Liberman). A freira é, então, submetida a três testes para que confesse seu pacto com o diabo. Todo o lado negro da Igreja Católica aflora-se na tortura inquisitiva em regrar a verdade, em disciplinar corpos. Freiras mudas, vestidas de branco, suas vozes só se expressam em cantos líricos, os freis a regem.

Em um filme cuja força comunicativa são expressões faciais, rostos enquadrados, Lidiya interpretando Benedetta se expressa pelo seu olhar penetrante. Em cada momento de tortura sentimos sua dor, embora a personagem jamais se despe de seu mistério interior, quase inteligível. Corta-se seus cabelos esperando sua confissão. Silêncio.  Rondam-a esperando sua lágrima arrependida. Silêncio seco.

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Além de explicitar o abuso do poder da Igreja, a constituidora do poder supranacional na Idade Média, o diretor também confronta os ditos tabus do século XVII. Frederico, hospedado na casa de duas irmãs castas, católicas e ruivas, não possui amarras para seduzi-las em um menage à trois. As consideradas inocentes mulheres devotas, admiram sua beleza no meio da noite e deitam-se do seu lado da cama. O purismo católico é novamente ironizado.

A tortura persiste mediante o silêncio. Não lhe bastou queimar a mão com a cruz. O grito ensurdecedor de dor não revela a verdade. Considerada uma bruxa, como uma das muitas que foram queimadas pelas chamas da Inquisição, Bennedetta tem outro fim, será emparedada. Bellochio constrói uma cena sufocante, claustrofóbica. Por uma fresta, Bennedetta olha Don Frederico. Assim no momento em que seu destino está declarado, o filme muda radicalmente, até de gênero.

Com maestria Bellochio nos conduz do drama para uma comédia que beira a chanchada. Sentimos uma repulsa inicial diante de uma paleta de cores vivas, vestimentas estampadas, uma comicidade tão dissonante da primeira parte do filme, que incomoda propositalmente o espectador, ainda impactado com a cena anterior ressoando em seu inconsciente.

O sub-trama, ambientado no século XXI, começa novamente com alguém batendo na porta do antigo convento, mas dessa vez é um inspetor fiscal, Frederico Mai (Pier Giorgio Bellocchio – em dose dupla) e Rikalkov (Ivan Franek), milionário russo que gostaria de comprar o local. São impedidos de visitar o local pelo seu “guardião”  Angelo (Bruno Cariello), que alega risco de desabamento do local e pede para que voltem amanhã.

O misticismo do século XVII ecoa agora na segunda parte como vampirismo social.  No ex-convento prisional, o Conde Basta (Roberto Herlizta) considerado desaparecido por 8 anos mantém-se recluso, fugindo do pagamento de impostos. Só é visto a noite, considerado um vampiro de idade avançada.

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A suposta presença de um fiscal de finanças assusta os moradores da cidade de Bobbio: loucos, sonegadores de impostos, falsos inválidos recebendo pensão por invalidez. Um retrato corruptível da crise financeira italiana. O suposto fiscal é apenas mais um corrupto, um vigarista tentando ludibriar o milionário russo.

Mesmo que a condição de vampiro requeira uma certa dose de reclusão, o Conde sai às ruas para desmascarar Frederico Mai e acaba ludibriado pela sua irmã Elena (Elena Bellochio). Observa-a com seu olhar dúbio, cantando com as outras garçonetes de branco em volta do piano. Essa cena nos remete imediatamente às freiras de branco cantando na primeira parte. Num eterno jogo de permanências e mudanças.

Os desígnios do desejo e a Luxúria são elementos imprescindíveis ao clima do filme,  fios unificadores da obra. Sob o véu da irrealidade, o Conde Basta segue Elena e seu amante pelos corredores do mesmo convento onde Benedetta foi emparedada.

Voltamos ao século XVII e mais uma pessoa bate na porta, novamente é Don Frederico. Porém agora é cardeal da Igreja Católica, o homem barroco santificou-se. Benedetta suplicou seu perdão antes de morrer. Tijolo por tijolo é retirado. Derruba-se a claustrofóbica parede. Poeira preenche a tela, não enxergamos, ficamos cegos diante de Benedetta. Nua, com toda sua beleza pária aniquila a hipocrisia pueril da Igreja. Revelando a sacrosantidade da pecadora. Um orgasmo visual rugindo na mente do espectador.

Bellochio, diretor italiano homenageado da mostra, constrói um folclore da cidade de Bobbio, onde nasceu. Instigado pelo que persevera une as duas histórias por meio do desejo, da sedução, o pecado, do mistério, do catolicismo e da liturgia. Sendo o espaço prisional a personificação da Itália, do sangue italiano inquisitivo, ontem, e corruptível, hoje.

 

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