Cinco minutos haviam se passado e nenhum dos personagens havia dito uma única palavra. A desolação era demonstrada através de sons da natureza e da expressão de seus atores. O Farol (The Lighthouse, 2019) é um caso em que poucas palavras são necessárias para a mensagem ser transmitida.
Dirigido por Robert Eggers, de A Bruxa (The Witch, 2015), o longa representa uma continuação de elementos já vistos em seu primeiro filme, porém, com uma abordagem mais clássica e artística. Por meio de um terror psicológico em preto e branco, Eggers faz diversas referências e opta por caminhos não tão convencionais ao gênero, convergindo com elementos do expressionismo alemão, Kubrick, Tarkovsky e até componentes literários, tais como H. P. Lovecraft e o mito grego de Prometheus.
A história do longa é bem simples: Thomas Wake (Willem Dafoe) contrata Ephraim Winslow (Robert Pattinson) para trabalhar em uma ilha isolada e para cuidar do farol, elemento que ajuda os navegantes a se localizarem. O barulho contínuo feito pelo farol perturba não apenas o personagem Efraim Winslow, como também o espectador, que se vê angustiado ao ouvir esse som atonal e imponente.
Podemos ver o longa como um estudo antropológico sobre dois personagens isolados em uma região longínqua e como ambos perdem a sanidade com o passar do tempo. Se algumas pessoas acusaram A Bruxa de ser um filme feminista, O Farol é o contraponto masculino da mesma moeda: dois homens brigando, bebendo como dois alcoólatras, se abraçando quase a ponto de se beijarem e lembrarem quem são, se mastubando e especialmente ao disputarem um espaço de relevância.
O rumo de ambos os personagens à loucura se dá através do isolamento e da vastidão infinita do mar. Entre conversas, eles inclusive citam como a solidão do oceano pode causar a maior das loucuras em um marinheiro. A natureza se torna um personagem por si só no longa, mediante o mar e as aves que habitam o rochedo no local em que o farol se encontra.
Gravado em uma câmera de 35 mm e em uma proporção de 4:3, o formato de narrativa escolhido permite que o longa tenha características próprias. Em um debate feito após a exibição do longa, o diretor Robert Eggers comentou que “esse formato possibilita uma melhor exibição de itens na vertical”, ou seja, o farol fica mais monumental com essa dimensão. Além disso, ao escolher esse tamanho, o diretor comentou que close-ups por cima dos personagens ficam mais fáceis e dão mais destaque às expressões dos atores e isso é de fato perceptível ao longo do filme, como nas cenas envolvendo as escadarias do farol.
Eggers também comentou que “não se vê fazendo longas contemporâneos, que prefere fazer filmes que reproduzam o passado” e todas as escolhas envolvidas aqui reforçam essa ideia, das partes técnicas a partes conceituais.
O desempenho dos atores é algo a se considerar e é interessante que Williem Defoe escolheu trabalhar com Eggers a partir de A Bruxa, pelo menos de acordo com o que ele esclareceu no debate. A caracterização do dialeto usado no longa, quase piratesco, é realizado de forma magistral e às vezes soa de forma até poética, especialmente nas partes que Defoe faz premonições e joga insultos na cara de Winslow.
Por meio de uma construção com aspectos simbólicos e psicológicos, o longa tem diversas camadas e talvez exija uma maior atenção de quem está assistindo, se interligando e se transformando numa revelação que pode confundir o espectador. Entretanto, os mistérios e as resoluções criadas pela narrativa prendem a atenção até o final, concluindo a saga dos atores ao mesmo tempo que abre interpretações com relação ao significado do epílogo de ambos os personagens.
Confira o trailer:
https://www.youtube.com/watch?v=aJoGdiyvdYs