Fruto de um trabalho de sete anos, Alana Waksman apresenta em Assim Queimamos (We Burn Like This, 2021) parte de suas experiências pessoais como neta de sobreviventes poloneses do Holocausto. O objetivo é discutir o crescimento do antissemitismo nos Estados Unidos desde a eleição presidencial do republicano Donald Trump, em 2016, especialmente em áreas rurais, como no estado de Montana, onde o filme se passa.
Acompanhamos em Assim Queimamos a jovem Rae (Madeleine Coghlan), descendente de judeus sobreviventes do Holocausto, vivendo a cultura norte-americana num festival, até que, no fim da noite, um grupo de homens brancos a ataca verbalmente, dizendo-a para “voltar ao seu país”. Com nome em homenagem ao apelido de Rachela Waksman, a quem a diretora dedica o filme, o que também inclui Sam Waksman, Rae passa a notar as ameaças neonazistas em sua cidade, um ambiente que antes ela considerava seguro e seu.
Em seus relacionamentos interpessoais, Rae tenta lidar com o constante lembrete de seu lugar de diferença diante das microagressões — aquelas mais sutis, como a insistência de cristãs que querem que ela conheça a “palavra de Deus”, desconsiderando o judaísmo a que ela adere — e macroagressões que enfrenta.
Waksman trabalha o amadurecimento da protagonista enquanto ela digere essa realidade: de início, Rae se perde em drogas e outras distrações efêmeras num processo de autodestruição com Wolf (Angelo Rizzo), homem mais velho que lhe apresenta os entorpecentes por acreditar que eles “libertam as pessoas”. Depois, ela tenta se reconectar à mãe (Casidee Riley) para entender o lugar que ocupa e a história que carrega de seus ancestrais.
O fogo, que queimou muitos judeus durante o nazismo, é o elemento metafórico do título do filme que acompanha toda a vida de Rae, desde um acidente na infância com uma vela, que lhe deixou uma cicatriz, a cenas mais abstratas envolvendo a protagonista — uma tomada mais artística de um tema social complexo como o antissemitismo.
E a arte também envolve Rae, que pinta seus sentimentos e consegue expô-los ao final da película Assim Queimamos sob o nome “Queimando”, condizente com a intensidade de suas emoções durante esse processo doloroso que é conhecer e aceitar a profundidade de sua identidade.
Em seu primeiro longa solo, Waksman reflete em Rae seu desejo por “organizar meus pensamentos sobre a minha identidade, os efeitos herdados de um trauma histórico e o que é a autoaceitação e o amor próprio”, em relato no site oficial do filme. O cuidado que ela dedicou a trabalhar esses temas também se expressa na escolha dos atores: Coghlan é descendente de sobreviventes do Holocausto; Devery Jacobs tem raízes originárias, assim como sua personagem, a amiga e colega de quarto da protagonista, filha dos povos nativos; dentre outros atores que nasceram e foram criados em Montana.
Assim Queimamos traz novas perspectivas para o legado judeu — e, numa lente maior, para todas as minorias discriminadas — e finaliza destacando a importância da resistência coletiva por um futuro mais humano. Baseando-se em pesquisas e nas vivências de outras pessoas, a diretora nos entrega esse filme torcendo para que “encontremos um modo de perdoar, aceitar e amar nós mesmos e os outros”.
De que modo? Discutindo essas questões. “Eu espero que o público reflita sobre qualquer tipo de ódio que virmos direcionado a qualquer grupo, e que esteja atento e pronto para ser um bom aliado para o outro”, diz Waksman.
Esse filme faz parte da 45ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo. Para mais resenhas do festival, clique na tag no final do texto. Confira o trailer: https://vimeo.com/404122016
*Imagem da capa: Divulgação/We Burn Like This