Por Alex Teruel (alexteruel@usp.br) e Giulia Polizeli (giulia.polizeli@usp.br)
Apelidada pelos torcedores como “Flecha de Prata”, a Mercedes-Benz, ou como é conhecida no automobilismo, Mercedes-AMG Petronas Formula One, é uma das equipes mais bem sucedidas da história da Fórmula 1, acumulando vitórias e recordes em massa. Apenas 70 anos após a sua estreia, a equipe alemã já possui 125 vitórias, oito Campeonatos de Construtores e nove Campeonatos de Pilotos, além de ser a responsável por um dos maiores legados de dominância já vistos na Fórmula 1.
Desde o início do automobilismo, a Mercedes, de alguma forma, se fez presente no caminho que criou as bases para a sua entrada na Fórmula 1. A própria invenção do automóvel criado por Karl Benz e Gottlieb Daimler, patenteado em 1886 pela marca que carrega o nome de Benz até os dias atuais, é considerado o primeiro veículo que mais se assemelha aos carros a combustão que conhecemos hoje.
Valtteri Bottas fotografado correndo nos dias de teste antes da temporada de 2019 [Reprodução: Wikimedia Commons]
No caminho das competições, a Mercedes se formou como equipe no Campeonato Europeu de Automobilismo, vencendo em 1935, 1937 e 1938, com carros conhecidos como “Flechas de Prata”. Com a interrupção causada pela Segunda Guerra Mundial, a equipe só voltou a competir em 1952 nas 24 Horas de Le Mans, onde seus pilotos preencheram a primeira e a segunda posição. Dois anos depois, os carros prateados começaram a competir na atual Fórmula 1.
Início na Fórmula 1 e primeira vitória
Mostrando todo seu potencial para ser campeã desde o primeiro momento, o histórico de vitórias da Mercedes começou logo na sua estreia. Em 1954, a equipe realizou sua estreia na Fórmula 1 durante o GP da França, quarta etapa do campeonato daquele ano, com os pilotos Juan Manuel Fangio, argentino campeão mundial, e o alemão Karl Kling. A primeira dupla a dirigir sob o símbolo prateado conquistou a admiração do público e marcou o dia 4 de julho na história para sempre ao conquistar a primeira vitória mercedista em sua corrida de estreia, com Fangio em primeiro lugar.
As vitórias, no entanto, não pararam por aí. Após vencer 4 corridas, Fangio terminou o Campeonato de Pilotos de 1954 em primeiro lugar, com Kling logo atrás, ocupando a segunda posição. No ano seguinte, a dupla repetiu o feito no Campeonato de 1955 e Juan Fangio conquistou seu tricampeonato na categoria. Apesar de, na época, o Campeonato de Construtores ainda não ser disputado, a vitória de Fangio em anos seguintes transformou a Mercedes em uma grande promessa para o futuro do automobilismo e colocou a equipe alemã no mais alto patamar da Fórmula 1.
Em entrevista ao Arquibancada, Bradley Lord, assessor de imprensa da Mercedes na Fórmula 1, garantiu que nenhuma dessas vitórias foi “sorte de principiante”. “Quando a Mercedes começou a competir na Fórmula 1, ela já estava fabricando carros de corrida havia 60 anos. Esse período de tempo é quase tão longo quanto o que nos separa agora de 1954. Foi uma entrada no esporte muito bem preparada, com um programa cuidadosamente elaborado”, afirma.
Karl Kling fotografado durante um grande prêmio de 1954 [Reprodução: Wikimedia Commons]
A primeira experiência da Mercedes no automobilismo, no entanto, teve uma duração muito curta. Em 11 de junho de 1955, durante a 23ª edição da tradicional 24 Horas de Le Mans, mais de 300 mil espectadores assistiram o circuito de Sarthe se tornar o palco de uma das maiores tragédias da história do automobilismo.
Em uma época em que a velocidade era prioridade das comissões, garantir segurança dos pilotos não estava na lista de preocupações dos organizadores de corridas. Um claro exemplo do risco que pilotos e equipes corriam era a falta de um procedimento seguro para a entrada dos carros nos boxes, que não possuía divisão alguma com a pista, apenas uma curva para a direita.
Após três horas de corrida, na volta 35, Mike Hawthorn, piloto da Jaguar Cars, é chamado pela equipe para reabastecer e, em uma tentativa de direcionar-se aos boxes, começa a diminuir a velocidade de seu carro. Para evitar uma colisão com o inglês Lance Macklin, da equipe Austin-Healey, ele desvia bruscamente para a esquerda da pista e é atingido pela Mercedes do francês Pierre Levegh, que vinha logo em seguida.
A colisão entre os dois causou um forte estrondo, jogando o carro de Levegh por cima do Jaguar até atingir as barreiras de proteção, onde começou um incêndio. A estrutura do veículo, na época feita de magnésio, facilitou com que o fogo se espalhasse pelo local. Pierre Levegh faleceu na hora e pedaços do seu carro atingiram parte do público que estava presente assistindo a corrida atrás do muro atingido. Apesar disso, a direção de prova não interrompeu a corrida, alegando que a ação poderia causar tumultos.
Preocupados com uma possível mancha no nome da empresa, a diretoria da Mercedes, que já trabalhava para limpar sua imagem em solo francês após a Segunda Guerra Mundial, convocou uma reunião de emergência em Stuttgart, na Alemanha, local sede da empresa. Após seis horas de corrida, a diretoria da equipe, que se encontrava na liderança da prova, apresentou a decisão de abandonar a corrida de forma imediata, dando a vitória à dupla da Jaguar Cars, Mike Hawthorn e Ivor Bueb. Além do falecimento de Pierre Levegh, houve mais de 180 vítimas entre os espectadores presentes, sendo 80 mortes e mais de 100 feridos. Como consequência do acidente, o automobilismo foi proibido na Suíça, havendo uma mudança na lei somente em 2015.
Durante entrevista com o Arquibancada, o jornalista do Grande Prêmio, Gabriel Curty, falou sobre o legado do acidente e como o ocorrido afetou a questão da segurança no esporte: “A gente sabe que existe um esporte a motor antes do desastre de Le Mans e outro depois. Acredito que, com certeza, dá para dizer que esta tragédia mudou demais a segurança dos carros, mas também das pistas, a forma como as pistas foram protegidas, os traçados, as barreiras e pneus.” Na época, países como a França, Alemanha e Espanha também impediram realizações de provas de automobilismo em seus territórios, mas revogaram a decisão pouco tempo depois.
1956 – 2009: Os anos fora da F1
Após o abandono da prova de Le Mans em 1955, a Mercedes tomou a decisão de abandonar o automobilismo completamente, tirando a equipe das competições de endurance e Fórmula 1, para recuperar sua imagem que já vinha afetada pelas relações com financiamento do regime nazista antes da Segunda Guerra Mundial. Demorou mais de 30 anos até que a empresa alemã iniciasse seu retorno gradual ao mundo do automobilismo e à Fórmula 1.
Em 1985, a empresa passou a fornecer motores para os carros C8 e C9 da Sauber e, em 1989, retornou ao automobilismo, firmando uma parceria com um time suíço para correr no World Sportscar Championship (WSC), que viria a se tornar o atual Campeonato Mundial de Endurance da FIA (WEC).
O retorno para a Fórmula 1, no entanto, não aconteceria até 1994, quando a parceria com a Sauber se estendeu para além do WSC passando a incluir o fornecimento de motores para os carros de outras categorias, como a F1. No ano seguinte ao anúncio da parceria com a Sauber, a Mercedes fechou outro acordo de fornecimento de motores, dessa vez com a McLaren Racing. Essa parceria durou pelos próximos 19 anos, até 2014, ano em que ocorreu a troca da categoria para motores híbridos.
O interesse da equipe alemã em retornar à categoria como equipe surgiu em 2009, quando a Brawn GP Formula One Team, antiga Honda Racing F1 Team, agora sob o comando de Ross Brawn, conquistou o título de pilotos com Jenson Button e o título de construtores, utilizando motores Mercedes. No final da temporada de 2009, foi confirmado pela Brawn GP que a Mercedes-Benz, em parceria com Aabar Investments, havia comprado uma participação de 75% na equipe, que foi renomeada como Mercedes GP para a temporada de 2010.
A maior dominância da história: Os anos de ouro da Mercedes
Com a chegada da unidade de potência híbrida — combinação de motor de combustão interna com um motor elétrico — em 2014 e com a influência da contratação do campeão mundial de 2008, Lewis Hamilton, no ano anterior, o momento de maior hegemonia da equipe se instalou a partir da temporada de 2014. Naquele mesmo ano, a Mercedes venceu 16 das 19 corridas do calendário e registrou sua primeira vitória no Campeonato de Construtores, que era disputado desde 1958.
A dupla de pilotos dos primeiros três anos de dominância, o alemão Nico Rosberg e o inglês Lewis Hamilton, rendeu ao time três campeonatos de construtores, além dos campeonatos de pilotos, sendo dois para Hamilton em 2014 e 2015 e um para Rosberg em 2016, que decidiu encerrar sua carreira na Fórmula 1 depois daquele título.
A partir de 2017, a Mercedes contou com Valtteri Bottas, piloto finlandês, para preencher a vaga deixada em aberto. Com essa nova dupla, a equipe conseguiu mais quatro títulos — todos por Hamilton —, registrando sete consecutivos, e outros quatro campeonatos de pilotos. Em seus dois anos finais de hegemonia, 2019 e 2020, a dupla ainda fechou as temporadas com dobradinha, em que os dois pilotos do time ficaram em primeiro e segundo lugar na classificação geral.
Com as mudanças de regulamentação pela FIA, as inovações criadas pela equipe e a superioridade técnica do carro não se mantiveram nos anos seguintes e, em 2021, a continuidade da sequência impressionante de conquistas se encerrou. Mesmo vencendo o campeonato de construtores pela oitava vez na história, o oitavo título de Lewis Hamilton ficou a apenas oito pontos de distância em relação a Max Verstappen. Ainda assim, a Mercedes continua sendo a terceira maior vencedora de corridas — mesmo que, até o momento da publicação, esteja a apenas seis GP’s de ser ultrapassada pela Red Bull Racing — e a terceira maior vencedora nos Campeonatos de Construtores, empatada com a McLaren com 8 títulos.
Grandes pilotos, grandes marcos
Com tantas vitórias marcantes, a Mercedes já foi e ainda é a casa de grandes pilotos da categoria. Entre os nomes mais icônicos que vestiram o macacão da equipe, destacam-se os campeões Juan Manuel Fangio, Nico Rosberg e Lewis Hamilton. Além deles, Michael Schumacher também teve seu lugar na equipe, mas com uma passagem de menor destaque.
A história de cada um desses pilotos tem momentos marcantes. Fangio, conhecido como o “Maestro”, foi um dos maiores pilotos de todos os tempos, correndo pela Mercedes nas temporadas de 1954 e 1955 e conquistando dois campeonatos mundiais consecutivos. Seu domínio nas pistas, combinado com uma habilidade técnica incomparável, estabeleceu os padrões para todos os futuros pilotos da Mercedes. Fangio venceu oito das 12 corridas que disputou pela equipe.
Em 1990, Schumacher foi convidado a participar do programa de formação de jovens pilotos da Mercedes, situação que também aconteceu com George Russell anos depois. Schumacher passou os últimos anos de sua carreira na equipe, pilotando as “Flechas de Prata” entre 2010 e 2012. “Esse investimento em jovens talentos e em ajudar talentos excepcionais a se tornarem estrelas excepcionais é parte da tradição e do legado da empresa, e isso é algo muito especial também”, afirma Bradley.
Nico Rosberg, filho do campeão mundial de 1982 Keke Rosberg, entrou para a Mercedes em 2010, e foi parte integral do desenvolvimento da equipe até se tornar uma potência dominante. Seu auge chegou em 2016, quando conquistou o título mundial após uma intensa batalha com seu companheiro de equipe, Hamilton. A rivalidade entre os dois culminou com Rosberg se aposentando logo após conquistar seu sonho de ser campeão mundial.
Lewis Hamilton, o piloto mais vitorioso da história da Mercedes, se juntou à equipe em 2013, estabeleceu novos recordes e dominou a era híbrida da Fórmula 1. Com sete títulos mundiais, seis deles conquistados com a Mercedes, Hamilton redefiniu o que significa ser um piloto de Fórmula 1, não só acumulando vitórias e títulos, mas também se tornou um ícone global, promovendo diversidade e inclusão no esporte. No ano de 2020, a Mercedes, junto a Lewis, decidiu trazer uma pintura preta no carro, em homenagem a George Floyd, que tinha morrido naquele ano. Perguntado se o posicionamento da equipe fora das pistas influenciava a nova geração de torcedores, Bradley comentou: “Espero que sim. Não se trata de vencer a qualquer custo, mas de vencer da maneira correta. Não somos apenas sortudos de fazer parte da Fórmula 1 e de um esporte incrível, e de ter empregos com os quais muitas pessoas sonham, mas também, essa plataforma traz consigo uma responsabilidade”.
Lewis Hamilton fotografado correndo durante um grande prêmio de 2020 com a nova tintura preta [Reprodução: Wikimedia Commons]
Para além de pessoas marcantes, a equipe também registrou grandes feitos tecnológicos em seus carros. Os dois mais lembrados e aclamados foram descobertos e banidos nas temporadas seguintes, sendo eles o DRS Duplo e o sistema de Direção de Eixo Duplo, conhecido como DAS.
Introduzido em 2012, o DRS duplo era um duto aerodinâmico que diminuía o arrasto do carro. A solução, que se aproveitava do duto que resfriava o cockpit para aumentar a performance do carro, gerou uma onda de reclamações por parte das outras equipes naquele ano, que alegavam violação no regulamento. A decisão da FIA foi por autorizar o uso naquele ano, mas proibir no ano seguinte.
Já a história do DAS em 2020 seguiu os mesmos passos da tecnologia anterior. O sistema, que permitia utilizar o volante puxando e empurrando ao invés de apenas rotacionando, fazia com que as rodas dianteiras do carro sofressem mudanças na angulação, permitindo uma economia nos pneus, além de alguns décimos a menos no tempo de volta. O método não infringia o regulamento, mas também foi proibido para a temporada seguinte.
Bradley Lord contou que, para ele, a tecnologia mais divertida foi o DAS: “Tínhamos aquilo no carro e ninguém sabia que estava lá. E, de repente, em uma manhã de testes, alguém observando de perto online começou toda essa espécie de loucura de rumores. ‘Oh meu Deus, o volante está se movendo? O que eles estão fazendo? Está indo para frente e para trás’. E foi divertido porque obviamente não íamos revelar todos os detalhes disso, a FIA havia dito que era legal. Então sabíamos que estávamos okay usando”.
“Assistir a essa tempestade na mídia, a curiosidade e a empolgação dos fãs em relação à tecnologia foi realmente interessante. Muitas vezes pensamos que as pessoas só se empolgam com os pilotos e a história humana, mas aqui estava uma história tecnológica, uma história realmente nerd de tecnologia que as pessoas amaram”
Bradley Lord, assessor de imprensa da Mercedes
Temporada atual
Depois de uma das maiores dominâncias já vistas na história da Fórmula 1, em 2021 a Mercedes perdeu seu lugar no topo da categoria, sendo substituída pela Red Bull Racing, levada à vitória pelo piloto neerlandês, Max Verstappen.
No ano de 2022, estreou a primeira dupla totalmente britânica a correr pela Mercedes na Fórmula 1 — Lewis Hamilton e George Russell —, mas sem bons resultados. Com a troca do regulamento nesse ano, a adaptação do time não aconteceu da forma esperada e a equipe passou a demonstrar um desempenho muito diferente do estabelecido pelos antigos campeões. No Grande Prêmio de São Paulo, George Russell trouxe a única vitória da temporada para a Mercedes, seguido por Lewis Hamilton, que ficou em segundo lugar na corrida.
George Russel e Lewis Hamilton durante a tradicional comemoração com champanhe no pódio de Interlagos em 2022, após a vitória de Russell [Reprodução: mercedesamgf1/Instagram]
Em 2023, os problemas mecânicos continuaram a afetar o desempenho da equipe, que não conquistou nenhuma vitória na temporada. Apesar disso, os pilotos da Mercedes marcaram presença no pódio oito vezes e demonstraram bom desempenho durante as corridas. Hamilton terminou o Campeonato de Pilotos em terceiro lugar e garantiu a posição de “Vice-Campeã” para a Mercedes no Campeonato de Construtores.
A temporada de 2024, apesar de ainda estar na metade, já trouxe mudanças para a equipe e a perspectiva do seu futuro. No começo do ano, Lewis Hamilton anunciou que correrá pela Scuderia Ferrari ao lado de Charles Leclerc no campeonato de 2025. Por conta disso, George Russell assumiu o cargo de piloto número 1 da equipe alemã e novas possibilidades de pilotos para completarem a dupla da Mercedes têm sido discutidas. O nome mais promissor na competição, no entanto, vem da Mercedes Junior Team, academia de base da equipe. O jovem piloto italiano, e prodígio estrela de Toto Wolff, Kimi Antonelli, pulou a Fórmula 3 e, atualmente, corre na Fórmula 2 em busca de apressar sua promoção à Fórmula 1. Apesar de todas as especulações, a vaga de substituto deixada por Lewis Hamilton continua em aberto até o momento do fechamento desta matéria.