Este filme faz parte da 41ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo. Para mais resenhas do festival, clique aqui.
“Em Júpiter há 67 luas e se acredita que uma delas exista vida, cujo o nome é Europa”
Com um pequeno texto similar a este se inicia Lua de Júpiter (Jupiter Holdja, 2017). O filme é dirigido pelo húngaro Kornél Mundruczó, mesmo diretor de Deus Branco (White God, 2014), e retrata com um aspecto diferente a crise de refugiados que se alastrou pelo território europeu durante os últimos anos. O longa-metragem sem dúvidas traz um grande teor crítico sobre como essas pessoas estão sendo recebidas e vistas pelos europeus. Vale destacar a presença de ideais cristãos (religião predominante na europa), durante todo o enredo, usados na tentativa de causar uma reflexão em meio a esse grande movimento migratório. Movimento este que ocorre em países do Oriente Médio, dentre eles a Síria – país do protagonista do longa, Aryan Dashni (Zsombor Jéger) -, e fez com que um grande contingente de pessoas, temendo o pior, decidissem migrar para o velho continente em busca de uma nova “vida”. Essa, é incerta, já que não se sabe se realmente há oportunidades de melhora de vida para os refugiados que, conforme representado no filme, têm os portões fechados para adentrar em território europeu – mais especificamente a Hungria, no caso do longa. Da mesma forma, há a possibilidade – porém também a incerteza – de existir vida em uma das luas de Júpiter denominada Europa – daí, o título do longa.
O filme foi produzido e se passa na Hungria. As primeiras cenas mostram o momento em que o imigrante sírio Aryan, junto ao seu pai e outros conterrâneos, tentando cruzar a fronteira húngara. Todos são surpreendidos, entretanto, pelo exército húngaro, que tenta os impedir agressivamente. Nessa rebuliço, Aryan se separa de seu pai e, isolado, torna-se um alvo fácil e é atingido por tiros do policial László (György Cserhalmi). Surpreendentemente, ele consegue sobreviver, regenerar-se e desenvolver a técnica de levitar. Observando isso de perto, Gabor Stern (Merab Ninidze) um médico húngaro assumidamente ateu, que atua em um acampamento de deportação, fecha um acordo com Aryan no qual seus poderes seriam usados para fins pessoais. Em troca, o imigrante teria sua ajuda para encontrar seu pai e se manter na Hungria. Porém, é visto que o médico possui outros interesses – entre eles, usar o sírio como cobaia para alcançar seus objetivos que ficam mais claros no decorrer do longa. No decorrer do filme, László descobre o poder de Aryan e, assim, inicia-se uma perseguição.
Por trás do enredo de Lua de Júpiter, nota-se a forte referência de Aryan à maior figura do cristianismo, Jesus Cristo. E não é à toa. Fazer com que um refugiado sírio tenha características próximas ao filho do deus cristão faz questionar se Jesus seria bem recebido caso retornasse à Terra – algo que a religião crê que acontecerá. A metáfora é válida uma vez que, pelo que se sabe, Jesus fora um rapaz muito humilde e que poderia ser comparado a qualquer pessoa que, aos olhos da sociedade contemporânea, seria invisível. Partindo por esse lado, até mesmo a visão ateia de mundo de Dr. Stern muda após o contato com Aryan: ele passa a chamar o sírio de “anjo”, reforçando ainda mais a subjetividade religiosa que a trama passa.
A forma com a qual os atores vestem a personalidade dos personagens também convence. O que pode ser problemático, no entanto, é a representação do protagonista sírio por um ator ocidental, o húngaro Zsombor Jéger. Mas, de fato, o ator conseguiu realizar um resultado admirável ao interpretar Aryan. Por outro lado, mesmo que seja crítica a não representação étnica no longa, pode-se ver um lado positivo, já que o diretor quis buscar uma reflexão do espectador. Além disso, o autor de um ataque terrorista, que ocorre no longa, é retratado de forma a não seguir os estereótipos que se têm quanto a eles – barba, Kandoora e outros acessórios que muitas vezes são relacionados a figura de um terrorista. A aproximação do público alvo das personagens, que é a população europeia, às vezes têm um efeito muito mais abrangente e tem maior chance de criar certa empatia do que se houvesse uma estereotipação, que ocorre em todos os tipos de arte relacionando às sociedades do Oriente Médio.
O filme consegue fazer uma boa crítica e transmitir a sua mensagem, além de mesclar muito bem as cenas de ação, suspense e drama por toda sua duração. Poderia ter explorado mais um pouco os poderes de Aryan, mas talvez não fora essa a intenção do diretor. Os efeitos especiais, no entanto, foram os maiores pecados de toda essa produção, isso porque a maximização e a falta de verossimilhança foram notados em alguns momentos. Um deles é a cena da perseguição, em que: o carro bate no mínimo duas vezes com força na traseira do carro da frente e, mesmo assim, a parte de trás do veículo perseguido ficou intacta, porém pode-se observar que a dianteira, que não teve nenhum contato com o choque, ficou amassada. Esses erros, contudo, não fizeram com que o filme perdesse seu objetivo maior.
Após finalizado, ainda não se sabe se na Europa há realmente vida para aqueles que foram forçados a deixar as suas em sua terra natal. Confira, a seguir, o trailer de Lua de Júpiter:
por Jonas Santana
jonasribeirodesantana@usp.br