Por Beatriz Cristina (beatrizcristina.sg2000@gmail.com)
Qual é o preço que se paga pela inteligência? Esse questionamento é corriqueiro. Precisamos provar a nossa capacidade intelectual a todo momento em provas e desafios, sendo exigidos o tempo todo pela sociedade e punidos pelo “fracasso” daquilo que não alcançamos. Quando não se possui o tal do quociente de inteligência exigido, a sociedade trata o indivíduo como incapaz, dependente, burro e completamente idiota. Mas e se o desejo da inteligência fosse possível de ser alcançado através de um experimento científico, mas envolvendo questões éticas e nunca testado antes? Qual é o limite para atingir um nível intelectual para ser respeitado na sociedade? Lançado em 2018 pela Editora Aleph, Flores para Algernon, de Daniel Keyes narra a hipótese de um processo experimental capaz de elevar a inteligência e suas possíveis implicações em uma narração provocativa de reflexões ao leitor.
Logo nas primeiras páginas, obtemos uma explicação dos editores sobre a inspiração do autor para o romance, inicialmente como um conto em 1959, mas que apresenta certa atemporalidade. Keyes teve a ideia inicial da publicação quando trabalhava escrevendo roteiros para Stan Lee, porém, seu gatilho final só ocorreu quando lecionava inglês para uma turma especial de alunos com baixo Q.I. Um aluno lhe procurou perguntando se tornaria-se inteligente caso se esforçasse muito. Sua força de vontade envolvida deixou-o totalmente comovido e incentivado a publicar a ficção, que aborda questionamentos perturbadores e duradouros.
A publicação fez tanto sucesso nos Estados Unidos que tornou-se leitura obrigatória em diversas escolas, foi adaptada em uma peça musical da Broadway (Charlie and Algernon,1978) e nos cinemas (Os dois mundos de Charly, 1968), rendendo um Oscar de Melhor Ator para Cliff Robertson.
Algernon é um ratinho branco e também a primeira cobaia animal a passar pelo experimento, mas não é o personagem principal da obra. Com o enredo divido em 16 relatórios de progresso, somos apresentados à Charlie Gordon, mas um padeiro de 32 anos com deficiência intelectual severa, e selecionado para ser a cobaia humana de um experimento liderado pelos doutores Strauss e Nemur, da Universidade de Beekman. Antes do procedimento, era humilhado no serviço pelos colegas de trabalho, sendo terrivelmente chamado de burro, imbecil e inocente, com poucas lembranças de seu passado e vencido por Algernon nos testes de habilidades. Depois do experimento, sua inteligência aumenta tanto que ultrapassa o que os médicos planejaram, passando a ter novas percepções da realidade, a volta de seu passado nas memórias e sonhos, além de uma nova reflexão sobre suas relações sociais e até o papel de sua existência.
Inicialmente, o leitor pode ficar um pouco desconfortável na leitura dos relatos de Charlie devido à sua forma de escrever, cheia de erros ortográficos e marcas de oralidade. A escrita, porém, não compromete o entendimento e narração, ganhando mais agilidade conforme sua inteligência intelectual vai se desenvolvendo. O contraponto entre inteligência intelectual versus emocional é bastante discutido, junto com outros assuntos do campo científico e experimental de atual importância, como a questão ética envolvendo seres vivos e as consequências psicológicas dos traumas de infância.
Conforme sua inteligência vai se desenvolvendo, Charlie adquire um domínio de línguas, raciocínios e teorias, mas nem tudo são flores em sua vida: o passado volta atormentando sua mente, aqueles que eram considerados seus amigos apenas humilhavam-no, junto com o surgimento de sentimentos nunca experimentados. A construção dos personagens também vai ganhando uma complexidade nas ações da família de Charlie quando era uma criança e na sua relação com as personagens femininas. Elas são tão complexas e profundas quanto Algernon e Charlie Gordon, cujo o sonho era provar sua inteligência para o mundo.
“Como eles me parecem diferentes agora. E quão tolo fui de algum dia pensar que professores eram gigantes intelectuais. Eles são pessoas, e sentem medo de que o resto do mundo descubra.”