Após o sucesso de Corra! (2017), de Jordan Peele, aclama-se uma nova forma de contar histórias de terror: a que denuncia os horrores do racismo. Antebellum – A Escolhida (Antebellum, 2020) é o misterioso suspense que estreia a direção coaduna de Gerard Bush e Christopher Renz e retrata a ligação entre duas personagens de contextos discrepantemente diferentes.
O filme é centrado na atriz e cantora Janelle Monáe, de Estrelas Além do Tempo (2016). Ela desempenha seu papel sob dois nomes: o de Éden, uma mulher submetida a trabalho escravo em uma lavoura de algodão por debaixo da sombra de bandeiras dos estados confederados estadunidenses; e Veronica Henley, socióloga e ativista negra referência em estudos sobre a influência de raça, classe e gênero na exclusão social. Há, portanto, uma dicotomia evidente entre essas mulheres que tem raiz em um único conceito: seus direitos.
A Guerra da Secessão (1861-1865) ditou os rumos que a escravidão teria para o que viria a ser os Estados Unidos da América e, até hoje, os símbolos dos estados do sul escravista figuram no imaginário neonazista e racista americano. O quanto dessa sociedade eugenista secretamente, mas em ascensão, ainda detém poder na atualidade?
Em um modelo ao revés de O Nascimento de uma Nação (The Birth of a Nation, 1915), de D. W. Griffith, Antebellum associa o homem branco à vilania, construída, entretanto, a partir da demonstração sadisticamente excessiva do sofrimento de pessoas negras. Numa tentativa de reconstruir com uma fidelidade fictícia a barbárie daquele modelo de vida, em alguns momentos a obra se aproxima a uma pornografia direcionada a supremacistas brancos.
Testemunhar toda a violência discrepante de Antebellum recorda o tópico levantado pelo artigo da crítica e roteirista Haaniyah Angus que, traduzido, se chama “Recomendar filmes de trauma negro não é a atitude anti-racista que você pensa que é”.
Ainda que carente de um desenvolvimento aprofundado, Antebellum chega em tempo oportuno: o movimento Vidas Negras Importam e o atual revisionismo histórico de monumentos e símbolos que ocupam espaços públicos são das discussões mais relevantes do momento.
Co-direcionado e co-roteirizado por um homem negro (Bush), há no filme pretextos bem trabalhados. A personagem forte e destemida de Henley, por exemplo, é um destaque positivo ao ser bem construída e humanizada, caráter reforçado pela primazia da atuação de Monáe. Mas o protagonismo da atriz é um dos únicos pontos positivos mencionáveis.
O plot twist que tange todo o longa é o ponto áureo da trama, mas ele não só desgasta sua eficiência enquanto fator choque após subsequentes estupros, suicídios, torturas e mortes, como acrescenta novas camadas de desconforto ao espectador em testemunhar esse tipo de conteúdo. Houve uma tentativa de se passar uma importante reflexão sobre a realidade vigente das populações afroamericanas, mas ela se rarefaz em meio a tanta espetacularização da violência racial.
O polêmico termo que intitula o longa estrelava o nome da banda Lady A, mas foi retirado após um pedido de desculpas oficial devido à sua conotação racista. O termo significa “antes de uma guerra” e é utilizado para se referir a situação dos estados do sul antes da Guerra da Secessão. Antebellum é o agora, pois o passado nunca está morto, ele sequer é o passado. Mas ele também é o agora porque ao menos metade do filme se propõe apenas à martirização de corpos negros. Infelizmente, é uma escolha excelente àqueles que gostam de testemunhar a brutalização de pessoas negras, o completo oposto de seu público alvo.
O longa foi lançado diretamente para os assinantes da Amazon Prime nos Estados Unidos, mas ainda não tem data de estreia no streaming brasileiro. Confira o trailer:
*Imagem de capa: Reprodução/Lionsgate.