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Observatório | Crise de professores: Por que a USP parou?

Mobilizações estudantis na USP reivindicaram normalização do quadro de contratações de professores

A Universidade de São Paulo (USP) estava em greve estudantil desde quinta-feira (21) devido à falta de professores em diversas disciplinas, o que impede o cumprimento dos créditos-aula necessários para a conclusão de cursos. Professores opostos à greve na USP optaram pelo ambiente online para ministrar suas aulas por conta do bloqueio com cadeiras empilhadas em piquetes nos edifícios das faculdades, mas enfrentaram críticas. 

<QUADRO FALTA DE PROFS – @adusp_oficial>

Falta de professores

Por conta de pressões orçamentárias, a Universidade apresenta desfalques no seu quadro docente desde 2014, quando aprovou um plano de demissão voluntária de funcionários. Até fevereiro de 2018, essa perda somava 499 docentes efetivos. De acordo com dados agregados pela Associação de Docentes da Universidade de São Paulo (Adusp), houve uma redução de 17,56% no quadro de professores entre 2014 e 2023.

Os cursos de Obstetrícia e Artes Visuais estão entre os mais afetados. Para o primeiro, houve uma defasagem de 10 dos 24 professores necessários para a formação completa, o que gerou mobilizações logo no início do ano letivo. Já o curso de Artes Visuais teve 11 disciplinas canceladas durante o recesso de inverno por conta da falta de professores, o que representa 33% da grade curricular. Segundo Nike, estudante do curso, o contrato de três professores temporários foi subitamente encerrado. “Fomos pegos completamente de surpresa, de forma desrespeitosa com os professores, funcionários e estudantes, de maneira  autoritária e sem explicação do porquê do cancelamento desses contratos”. Nike terá a conclusão de seu curso adiada em um ano, porque ela precisa cursar uma disciplina que é oferecida apenas em semestres pares, o que não será possível ainda esse ano. “Não vou poder concluir minha formação por conta do cancelamento do contrato da professora Clara Figueiredo. Não há outro docente para repor porque os docentes já estão sobrecarregados”. 

Carlotti promete a reposição do número de professores perdidos desde 2014, mas considera o orçamento como uma barreira (Vídeo: Roda Viva/TV Cultura)

Na habilitação em Coreano do curso de Letras da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (FFLCH-USP), o sistema de ranqueamento estabelecido para a habilitação dos alunos foi suspenso  por conta da falta de professores. Portanto, não receberá novos alunos em 2024. O Centro Acadêmico de Estudos Linguísticos e Literários (CAELL) também agregou dados em um dossiê que retrata a situação do corpo docente na FFLCH.

Mobilizações

No dia 18 de setembro, em preparação para a assembleia geral de terça (19), uma mobilização contra o fechamento do prédio da FFLCH  resultou em ofensas entre os manifestantes e o diretor do instituto, Paulo Martins – que, em entrevista à Folha, expressou seu descontentamento. Em resposta, os estudantes de Letras decidiram adiantar a greve em um dia, paralisando suas atividades a partir da segunda-feira (18), porém, a paralisação foi efetivamente iniciada apenas na data previamente firmada (19).

<FECHAMENTO DA FFLCH SEG18 – @dceusp >

No dia 20 de setembro, foi convocada uma assembleia geral pelo Diretório Central dos Estudantes (DCE Livre da USP) – entidade representativa dos estudantes – com a presença de representantes das organizações estudantis. Em votação por contraste, a Assembleia Geral da USP aprovou a deflagração de greve por tempo indeterminado

A votação contou com duas horas de informes e inscrições, além de representantes do poder público. (Imagem: Jônatas Fuentes/Jornalismo Júnior)

Para ampliar o alcance da greve à cidade, o DCE organizou também uma manifestação pública na terça (26), uma semana após a assembleia geral. A mobilização saiu da principal entrada do Campus Butantã, ocupando parte das avenidas Rebouças e Faria Lima, encerrando no Largo da Batata, zona oeste da capital paulista. 

Posicionamento dos institutos da USP 

A adesão dos institutos ocorreu através de assembleias organizadas pelos alunos de seus respectivos cursos, de forma descentralizada. O foco foi atender às particularidades de cada faculdade, como na Escola de Comunicações e Artes (ECA-USP), que votou em pautas como a contratação de técnicos-administrativos e a livre circulação no espaço de vivência – conhecido como “Prainha” – além da adesão à greve. Particularmente na ECA, estudantes também promoveram atos independentes, como a derrubada das grades da Prainha, que limitavam a circulação de estudantes nos espaços da Escola. 

Segunda Assembleia Geral da ECA, que votou a continuidade do instituto na greve, dentre outras pautas. (Imagem: Jônatas Fuentes/Jornalismo Júnior)

Outros institutos expressaram uma maior oposição à decisão da Assembleia Geral do DCE, como a Escola Politécnica (EP) e a Faculdade de Economia, Administração, Contabilidade e Atuária (FEA). Em nota à Jornalismo Júnior, alunos da FEA também se mostraram contrários à greve e propuseram a não interrupção das aulas durante as mobilizações. “Lembrem-se, todos concordam que é necessário haver professores, apenas discordamos dos meios”. O grupo Poliberty – associação de estudantes liberais da EP – também expressou sua oposição. Apesar da posição contrária, a Escola Politécnica entrou em greve após 21 anos sem paralisações. No dia 28 de setembro, foi a vez da FEA aderir ao movimento.

<POST DE ADESÃO À GREVE – @poliuspemgreve>

Alunos da FEA realizam votação com cédulas e resultado é a favor da adesão do instituto à greve. (Imagem: Diego Coppio/Jornalismo Júnior)

O professor Lincoln Secco, do Departamento de História da FFLCH-USP, entende que faculdades sem costume recente de mobilização trazem um ineditismo para a greve de 2023. “Unidades sem tradição de greve, como Poli, Medicina e Direito, dessa vez fizeram grandes assembleias. Na greve de 2002, quando a USP contratou muitos professores, ou na ocupação da reitoria de 2007, quem liderou essas vitórias? O movimento estudantil”, valoriza o professor ao ressaltar a dificuldade de mobilização dos funcionários e docentes. “Cada greve é única. Essa geração de estudantes surge depois da pandemia. Muitos fizeram boa parte do curso sem conhecer o espaço físico da USP. A greve tem uma dimensão de apropriação desse espaço. É um aprendizado. […] Quem sempre age em defesa da universidade pública são os estudantes. Eles têm a juventude e a esperança ao seu lado”.

A greve, em geral, objetivou a paralisação das aulas e atividades acadêmicas como principal ato da mobilização. Através de piquetes, o acesso às salas de aula ficou obstruído. Para Lincoln Secco, a obstrução física dos prédios é a única forma de fazer com que os estudantes sejam ouvidos. “Ninguém quer violência, mas é um absurdo comparar uma pichação ou cadeiras empilhadas com violência física. A greve só terá consequências negativas se a insensibilidade do governo levar a alguma repressão”, defendeu Secco.

A circulação através dos piquetes permanece possível, apesar da dificuldade, mas as barreiras fortalecem o simbolismo do ato. (Imagem: Jônatas Fuentes/Jornalismo Júnior)

Apesar da não adesão à greve, a Associação de Docentes da Universidade de São Paulo (Adusp) resolveu paralisar suas atividades do dia 26 até 02 de outubro. Parte dos professores concordaram em paralisar suas ministrações antes do posicionamento da Associação no dia 26. Nos institutos com maior oposição à greve, professores que optaram por seguir com suas atividades presenciais tiveram suas aulas interrompidas pelas baterias pró-greve. A Adusp aprovou em assembleia, no dia 05 de outubro, a continuidade da paralisação até terça (10).

Confira a relação de adesão dos institutos paralisados até a data de publicação desta matéria:

SiglaInstitutoData da adesão à greve 
FFLCHFaculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas14
GEODepartamento de Geografia15
FEFaculdade de Educação18
IO*Instituto de Oceanografia18
EACHEscola de Artes, Ciências e Humanidades (USP Leste)19
IRIInstituto de Relações Internacionais19
IPInstituto de Psicologia19
ECAEscola de Comunicações e Artes20
IFInstituto de Física20
EEEscola de Enfermagem20
IBInstituto de Biologia20
IGCInstituto de Geociências20
FOFaculdade Odontologia20
FAUDFaculdade de Arquitetura, Urbanismo e Design21
FoFiToFaculdade de Fonoaudiologia, Fisioterapia e Terapia Ocupacional21
IMEInstituto de Matemática e Estatística21
ICBInstituto de Ciências Biomédicas22
IQInstituto de Química24
POLIEscola Politécnica25
FD (SanFran)Faculdade de Direito do Largo São Francisco25
FCFFaculdade de Ciências Farmacêuticas26
EEFEEscola de Educação Física e Esporte27
APGPós Graduação27
QSDQuadrilátero da Saúde27
FEAFaculdade de Economia e Administração28
EELEscola de Engenharia de Lorena28
FMFaculdade de Medicina28
FFCLRPFaculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto28
ICMInstituto de Ciências MolecularesNão informado

* Em assembleia realizada no dia 29/09, o IO votou por sair da greve

Posição da reitoria

Em entrevista ao Estadão, Carlos Gilberto Carlotti Junior – atual Reitor da Universidade de São Paulo – afirma que o número de docentes perdidos é insignificante e discorda com a intensidade imposta à greve pelos estudantes. “O número de disciplinas que não tiveram docentes, que foram canceladas, é muito baixo. […] não seria motivo para tanta reivindicação.” Em nota, a Reitoria afirma estar em processo de contratação escalonada para 879 vagas, com 238 já preenchidas. 

Questionada pela Jornalismo Júnior sobre os recentes protestos e o status dos concursos e contratações já em curso, o Gabinete da Reitoria reenviou a mesma nota, em que trata sobre o aumento nas políticas de permanência estudantil e que “o quadro atual de arrecadação do ICMS impõe responsabilidade e atenção” ao orçamento, ou seja, que a contratação de professores está condicionada ao orçamento da Universidade. Além disso, ainda afirma que as manifestações “têm prejudicado as atividades acadêmicas na Universidade” e “lamenta as atitudes desrespeitosas que têm ocorrido”. No dia 27 de setembro, Carlotti viajou para a Europa para assinar convênios de cooperação acadêmica e designou Maria Arminda do Nascimento Arruda, vice-reitora, para coordenar as reuniões de negociação com os estudantes. 

(Imagem de capa: Jônatas Fuentes/Jornalismo Júnior)

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