Por Laura Roson (lauraroson@usp.br), Pedro Lukas Costa (pedrolcosta@usp.br) e Sofia Colasanto (sofiacolasanto2@usp.br)
O Partido Liberal (PL), ao qual o ex-presidente Jair Bolsonaro é filiado, propôs um projeto de anistia para os envolvidos na invasão às sedes dos Três Poderes em Brasília em 8 de janeiro de 2023 e na trama golpista. O texto, elaborado e apresentado pelo líder do PL na Câmara, Sóstenes Cavalcante (PL-RJ), foi enviado ao Congresso Nacional e defende uma anistia ampla, geral e irrestrita, que inclui os líderes da tentativa de golpe de estado após as eleições presidenciais de 2022. Entre eles está Bolsonaro, condenado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) na última quinta-feira (11) por organização criminosa armada, tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, golpe de Estado, dano qualificado pela violência e ameaça grave e deterioração de patrimônio tombado.
A minuta de Sóstenes se aplicaria a atos ocorridos entre 14 de março de 2019 e a data de sua entrada em vigor — o que inclui infrações que ainda podem vir a acontecer. Ela especifica o perdão a investigados, processados ou condenados por: manifestações consideradas como ofensa ou ataque a instituições públicas ou seus integrantes; descrédito ao processo eleitoral ou aos Poderes da República; reforço à polarização política e geração de animosidade na sociedade brasileira. Também estariam incluídos danos ao patrimônio público, incitação ao crime, organização criminosa e apologia de criminosos. O projeto de lei ainda anularia processos ligados à desinformação eleitoral, a atos de apoio logístico ou financeiro a manifestações como as de 8 de janeiro de 2023.
O professor de Direito Público da Universidade Estadual Paulista (Unesp) Murilo Gaspardo explica que o projeto é inconstitucional, ou seja, fere princípios da Constituição Federal: “Esse projeto tem uma característica mais perigosa ainda, porque a ideia é anistiar situações que não foram definitivamente caracterizadas como crime, e uma das suas versões prevê não só retroceder a 2019, como ter uma perspectiva de anistia para crimes futuros”, afirma. Segundo o professor, uma possível aprovação desse projeto abriria brechas para novos ataques à democracia.
“Se o Congresso Nacional tentar reverter essa situação, ainda que posteriormente o STF declare a sua inconstitucionalidade, haveria o reconhecimento por uma parte significativa dos representantes eleitos pelos cidadãos brasileiras de que o golpe de Estado é tolerável.”
Murilo Gaspardo

Enquanto a ala mais radical do bolsonarismo, representada pelo PL de Bolsonaro, se empenha para pautar uma anistia ampla, geral e irrestrita no Congresso. O presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP), defende uma versão mais contida, que exclui o ex-presidente Jair Bolsonaro e os outros sete condenados pelo STF (Supremo Tribunal Federal) na última quinta-feira (11).
Além disso, ao invés de conceder perdão aos envolvidos no 8 de janeiro, Alcolumbre tem se mostrado a favor apenas de uma recalibragem do tempo de punição aplicado àqueles que participaram do ataque à sede dos Três Poderes.
Congresso em foco
Já na Câmara dos Deputados, mesmo com a pressão exercida por grupos da oposição, o presidente Hugo Motta (Republicanos-PB) tem evitado pautar a anistia. O projeto possui um requerimento de urgência para ser levado diretamente ao plenário. No entanto, para ser votado, o presidente da Câmara precisa incluir o requerimento na pauta de votações.
A oposição, portanto, vê na câmara baixa do Congresso sua melhor oportunidade de conseguir pautar a anistia para o chamado “núcleo crucial do golpe” e, em segundo plano, para os demais envolvidos nos ataques à Praça dos Três Poderes. Sóstenes Cavalcante acredita que uma votação maciça levaria o projeto a ser aprovado também pelo Senado: “Passou na Câmara, no Senado ninguém segura”, afirmou o deputado, de acordo com a revista Veja.

Fôlego após o final do julgamento
Na última quinta-feira (11), o STF condenou, por 4 votos a 1, o ex-presidente Jair Messias Bolsonaro, Alexandre Ramagem, Almir Garnier, Anderson Torres, Augusto Heleno, Mauro Cid, Paulo Nogueira e Walter Braga Netto, integrantes do chamado “Núcleo Crucial”, pela tentativa de golpe de Estado ocorrida no final de 2022. É a primeira vez na história que o Brasil condena oficiais da mais alta patente das Forças Armadas por crimes desse tipo.
No julgamento, os ministros afirmaram que o plenário do Supremo já decidiu que os crimes contra a democracia não podem ser alcançados por perdões: “Esses crimes já foram declarados pelo plenário do Supremo Tribunal Federal como insuscetíveis de indulto e anistia”, defendeu Flávio Dino.
Além dele, o ministro Alexandre de Moraes, relator do caso, enfatizou que ataques contra a ordem constitucional não podem ser tratados como delitos comuns, porque a Constituição deve se proteger de agressões contra ela mesma: “Não cabe indulto pelo presidente, não cabe anistia pelo Congresso e não cabe perdão judicial pelo Poder Judiciário em crimes contra a democracia, crimes que atentem contra o Estado Democrático de Direito, crimes que atentem contra as cláusulas pétreas da Constituição”, reforçou Moraes.
Horas antes do último dia do julgamento, o presidente Lula (PT) afirmou que o governo federal vai trabalhar contra os projetos de anistia que estão sendo costurados no Congresso Nacional. Para isso, a equipe do presidente acionou ministros da Frente Ampla — que engloba políticos do chamado “Centrão” — para segurar a votação na Câmara dos Deputados.
Mas a decisão do STF pela condenação dos sete réus não foi unânime: no segundo dia do julgamento, em um voto que durou por mais de 13 horas, o ministro Luiz Fux optou por absolver Bolsonaro de todos os crimes. Fux votou para condenar Mauro Cid e Braga Netto por apenas um dos cinco crimes dos quais os réus eram acusados, o de abolição violenta do Estado democrático de direito.

Nesse sentido, o voto de Fux pode ser usado por parlamentares da oposição como argumento para alavancar o projeto de anistia no Congresso Nacional, conforme evidenciado pelo deputado Sóstenes Cavalcante, em entrevista para a GloboNews: “Juridicamente, o ministro ‘deixa uma avenida’, além de nos ajudar muito para pavimentar a anistia, agora, inclusive, por erros processuais.”
De acordo com o professor Murilo, embora as discussões em torno dos projetos de anistia tendam a buscar fundamentos jurídicos no voto de Fux, que considerou como “falacioso em sua argumentação” e “contraditório”, a ofensiva da oposição enfrentará pressões contrárias de parte da sociedade — segundo uma pesquisa Datafolha divulgada no sábado (13), 54% rejeitam anistia a Bolsonaro — e do governo federal. “Eu acredito que governadores e lideranças partidárias tendem a continuar se mobilizando, o que vai gerar um novo tensionamento com o Supremo Tribunal Federal que, mais cedo ou mais tarde, será chamado a se manifestar também sobre o assunto”, completou.
Tarcísio entra em campo
Outra peça importante da articulação do projeto de anistia é Tarcísio de Freitas (Republicanos). No início de setembro, o governador de São Paulo reuniu-se com Marcos Pereira, presidente do Republicanos, para discutir o apoio do partido na Câmara para a aprovação do projeto encabeçado pelo PL. Na mesma semana, Tarcísio viajou a Brasília e se encontrou com Hugo Motta, na tentativa de que a proposta seja pautada no Congresso.
Em ato na Avenida Paulista no dia 7 de setembro, o governador foi às ruas junto aos apoiadores de Jair Bolsonaro. No evento, Tarcísio descreveu o ministro Alexandre de Moraes como “tirano”, provocou Motta para que paute o projeto que, de acordo com ele, já teria maioria na Câmara e disse que “É fundamental que tenhamos Bolsonaro na eleição do ano que vem. Só existe um candidato: é Jair Messias Bolsonaro”. Com a condenação do ex-presidente, é esperado que o governador retorne à Brasília em busca de que o projeto de anistia ampla avance na Câmara.

De acordo com Lucas Monteiro de Oliveira, mestre em História Social pela Universidade de São Paulo (USP) e especialista em ditadura no Brasil, a intenção por trás das ações de Tarcísio é clara: colocar-se como sucessor de Bolsonaro para o eleitorado que agora está órfão de candidato para a eleição presidencial de 2026.
O historiador avalia que tais atitudes podem ser perigosas para a aprovação do governador como futuro presidente, pois apesar de agradar a ala bolsonarista, “Existe um apoio empresarial forte ali vinculado à produção exportadora, que foi muito prejudicada com as tarifas, as quais são atribuídas à ação de Bolsonaro. E por isso é possível que, ao se alinhar plenamente com isso, ele tenha um desgaste com essa parte do setor e isso pode fazer, de fato, ele perder o eleitorado.”
O histórico da anistia no Brasil
A anistia é uma das formas de extinção de punibilidade descritas no Código Penal em 1940. O benefício só pode ser concedido pelo Congresso Nacional e aprovado pelo Presidente da República. Porém, o perdão não pode ser cedido para crimes hediondos, como tortura, terrorismo e tráfico de drogas.
A mais conhecida anistia promulgada no Brasil é a Lei Nº 6.683, de agosto de 1979, em que o então presidente João Figueiredo concedeu perdão àqueles que cometeram crimes políticos durante a Ditadura Militar. Portanto, a lei anistiou tanto os perseguidos e exilados pelo regime como também militares que cometeram crimes não hediondos, mas também de natureza política.

Bruno Konder Comparato, doutor e mestre em Ciências Políticas pela USP , reconhece que a anistia deve ser utilizada como um recurso de reconciliação, a partir do entendimento de que o perdão é necessário para que a convivência retorne. Portanto, ele aponta que, se aprovada, a anistia para os participantes do 8 de janeiro terá “efeito contrário do que seria esperado de uma anistia, vai acirrar ainda mais os ânimos”.
[Imagem de capa: Reprodução/Lula Marques/Agência Brasil]






