Por Bernardo Medeiros (bernardo10medeiros@usp.br), Hellen Indrigo (hellenindrigoperez@usp.br) e Pedro Lukas Costa (pedrolcosta@usp.br)
O ex-presidente Fernando Collor de Mello foi preso no dia 25 de abril, acusado de envolvimento em um esquema de corrupção e lavagem de dinheiro na BR Distribuidora, subsidiária da Petrobrás. O processo teve início em 2015, e foi encerrado recentemente, quando Alexandre de Moraes – ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) – determinou a prisão imediata do político. Apesar de ter sido levado para um presídio em Maceió, Collor foi autorizado a cumprir a pena no próprio domicílio, por conta de sua idade avançada e problemas de saúde.
Crime e antecedentes da prisão
A denúncia inicial ocorreu pela Procuradoria Geral da República (PGR) em 2015, por Rodrigo Janot, quando o Brasil era governado por Dilma Rousseff. A acusação é resultado de um desdobramento da Operação Lava Jato, conjunto de investigações feitas pela Polícia Federal (PF) desde 2014 para apurar crimes de corrupção, lavagem de dinheiro, entre outros.
Durante as investigações, foi descoberto que o ex-presidente, durante seu período como senador do estado de Alagoas pelo Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), entre 2010 e 2014, recebeu cerca de R$ 20 milhões em propina da UTC Engenharia em troca de utilizar sua influência política para firmar contratos com a BR Distribuidora, de acordo com a denúncia da PGR.
Daniele Cassucci, coordenadora do curso de direito do Centro Universitário da Fundação de Ensino Octávio Bastos (UNIFEOB), explica que durante seu mandato como senador de Alagoas, Fernando Collor possuía ligação com a empresa BR Distribuidora. À época, a empresa ligada à extração de petróleo precisava construir distribuidoras de combustíveis em diferentes regiões do país, o que era realizado por meio de licitações, processos por meio dos quais diversas empresas concorrem com intuito de garantir transparência e o melhor uso dos recursos públicos, conta.

De acordo com Cassucci, o ex-presidente Collor, graças a seu cargo político e contatos com a distribuidora, possuía informações privilegiadas e as vendia às empresas que concorriam nesse processo. “Ele fornecia essas informações e [a empresa] ia para a licitação munida de todas as informações privilegiadas. Então, existia essa disputa licitatória com vantagens”, explica. Ela também conta que a OCP Engenharia pagou R$ 20 milhões para receber as informações, valor que foi descoberto por meio de provas como mensagens trocadas e depósitos entre contas pessoais e de empresas : “Existia um conjunto muito robusto de provas nesse contexto”, destaca ela.
“A empresa com a chance de se sair melhor nas licitações é aquela que tem informações privilegiadas.”
Daniele Cassucci
Dez anos de trâmite
Após a denúncia inicial pela PGR, o caso foi parar no tribunal em 2017, dois anos depois, quando Collor se tornou réu no processo, que ainda perdurou por meia década. A denúncia foi acatada pelo ministro Edson Fachin, do STF, e por voto unânime da Segunda Turma do Supremo, apesar de diversos recursos terem sido apresentados com o objetivo de adiar a decisão. Seis anos depois de seu indiciamento, Fernando Collor foi julgado pelo plenário do STF e considerado culpado, a votação foi unânime para a acusação dos crimes de lavagem de dinheiro e corrupção passiva. Posteriormente, a acusação de associação criminosa foi retirada em razão da idade do Collor, então com 74 anos.
A demora de seis anos até a votação final se deu devido à lentidão do sistema judiciário. Para evitar a prescrição do caso – isto é, para que as acusações não fossem retiradas pela inércia no julgamento –, os ministros da Segunda Turma apresentaram diversos pedidos para o adiamento da votação. Esse tipo de recurso é comum no STF, uma vez que a instituição costuma estar sobrecarregada com diferentes casos, que demandam maior ou menor grau de urgência.
A advogada Giulia Andrade afirma que a demora no Supremo é comum: “O judiciário é moroso, ele demora. São raros os processos em que a gente vê a celeridade que tanto prezamos”. Ela ainda acrescenta que o julgamento do ex-presidente Collor foi considerado rápido para o padrão da justiça brasileira: “O Collor tem o tratamento preferencial, em razão da idade. Se você for maior de 60 [anos], ou portador de doença grave, o seu processo tende a ser julgado mais rápido”.

“O judiciário é moroso, ele demora. São raros os processos em que a gente vê a celeridade que tanto prezamos.“
Giulia Andrade
Embora Collor tenha sido considerado culpado em 2023, sua prisão apenas se deu mês passado, em abril de 2025. Dessa vez, a demora foi consequência de diversos recursos apresentados pela defesa do ex-presidente. Os recursos foram negados e, em 24 de abril, o ministro Alexandre de Moraes, revisor do processo de corrupção e relator dos recursos, ordenou a prisão de Collor, estabelecendo a pena final em oito anos e dez meses de reclusão.
Últimos desdobramentos do processo
A prisão ocorreu por volta das quatro horas da manhã do dia 25 de abril, no aeroporto de Maceió, enquanto o ex-presidente se preparava para embarcar em um voo com destino a Brasília. Segundo sua defesa, Collor tinha a intenção de se apresentar voluntariamente para o cumprimento do mandado de prisão.
O político foi então encaminhado para o presídio Baldomero Cavalcanti de Oliveira, o mais próximo da localidade. Segundo Daniele Cassucci, Collor conta com diversos benefícios vitalícios devido à sua condição de ex-presidente, o que possibilitou a sua permanência em uma ala especial do presídio, além de garantir o direito a uma cela individual.
O plenário do STF realizou, no dia 28 de abril, um julgamento para decidir se a prisão do político deveria ser mantida. Daniele explica que, nesse momento, cada ministro votante teve a oportunidade de apresentar seus argumentos e se posicionar contra ou a favor da medida. Ao fim da votação, por seis votos a quatro, o Supremo confirmou a prisão de Collor.
Após o encarceramento, a defesa julgou cabível fazer um pedido de concessão de prisão domiciliar humanitária, com base na idade avançada e nos problemas de saúde do ex-presidente. De acordo com Daniele, o político apresentou 106 exames a fim de comprovar a existência de condições de saúde adversas. Entre os diagnósticos informados estão a doença de Parkinson, apneia do sono grave e transtorno afetivo bipolar.

A Procuradoria Geral da República se manifestou a favor do pedido da defesa e, no dia primeiro de maio, a prisão domiciliar humanitária foi concedida pelo ministro Alexandre de Morais. Com a decisão, Collor foi liberado do presídio e transferido para o seu apartamento em Maceió, onde passou a cumprir a pena em regime domiciliar.
A prisão domiciliar, no entanto, impõe determinações ao ex-presidente: além do uso obrigatório de tornozeleira eletrônica e da suspensão de seu passaporte, Collor deverá comunicar previamente qualquer intenção de receber visitas, bem como informar possíveis deslocamentos — seja para consultas médicas ou outros compromissos autorizados. Daniele afirma que, além dos efeitos jurídicos, a transgressão a essas exigências pode causar ainda mais impactos negativos à imagem pública de Collor.
“Nós não queremos trancar uma pessoa na prisão para que ela morra. Queremos que ela viva a execução da pena, pagando pelo crime que cometeu. É uma retribuição e uma prevenção que o Estado dá.”
Daniele Cassuci
Segundo ela, os próximos desdobramentos podem envolver uma progressão ou uma regressão do regime, a depender do cumprimento das condições impostas ao ex-presidente. Caso descumpra essas exigências, há o risco de que a prisão domiciliar seja cassada e Collor precise retornar ao presídio. Em caso de bom comportamento, o ex-presidente poderá, gradualmente, progredir para um regime mais brando.
Ainda na sexta-feira, 9 de maio, a defesa de Collor protocolou um pedido de revisão do caso. O objetivo é anular a condenação pelo crime de corrupção passiva, o que diminuiria em quatro anos a duração da pena. A solicitação se baseia na prescrição do crime, que ocorreu em 2009. O pedido será analisado pelo ministro Alexandre de Moraes, relator do caso.
[Imagem de capa: Reprodução/Jefferson Rudy/Agência Senado]