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Ciência Cidadã pela democratização do saber

Abordagem participativa propõe interação profunda entre ciência e sociedade
Por Débora van Pütten (deboravp@usp.br)

A ciência cidadã (CC) é um modelo colaborativo de produção de conhecimento científico. Ela une pessoas dos meios acadêmico e não acadêmico que compartilham um mesmo objetivo relacionado a um determinado projeto. Aqueles que colaboram com a pesquisa, sendo do meio não acadêmico, são chamados de cientistas cidadãos.

Assim como nas metodologias tradicionais de pesquisa, a ciência cidadã envolve extenso planejamento. Algumas etapas extras são adicionadas nesse planejamento devido à participação de outros envolvidos, como treinamento, testagem de protocolos que serão difundidos e estratégias de comunicação com o público. 

Quanto aos recursos, o financiamento precisa ser suficiente para a duração do programa, afirma Sheina Koffler, coordenadora da iniciativa de ciência cidadã BeeKeep e cofundadora da Rede Brasileira de Ciência Cidadã (RBCC).

De acordo com Koffler, a atuação de um cientista cidadão pode variar conforme a estrutura e a área do projeto de pesquisa do qual participa. Ele pode contribuir com a coleta de dados (atividade que se mostra a mais comum), com a análise de resultados e até mesmo com a elaboração das perguntas que originarão um projeto. 

Pessoas envolvidas com ciência cidadã analisando plantas em um projeto na Floresta Nacional de Bridger-Teton, nos EUA
Projeto de ciência cidadã reúne pesquisadores e curiosos na Floresta Nacional de Bridger-Teton, nos Estados Unidos. [Imagem: Bridger-Teton NF/Wikimedia Commons]

Valorização do conhecimento empírico

A palavra-chave que guia a construção de um projeto de ciência cidadã e que também guia o trabalho dos cientistas cidadãos é o interesse. A percepção de que membros da sociedade civil possam se interessar pelo fazer científico e por seus resultados pode levar cientistas a propor a integração deles a projetos. Além disso, o interesse dos cidadãos nos temas da pesquisa e em seus objetivos determina a participação dessas pessoas nas iniciativas.

A ciência cidadã é, ainda, uma forma de valorizar conhecimentos que não foram produzidos dentro da academia. O saber adquirido pela experiência e pela proximidade com determinado tema é reconhecido como valioso  e  útil para o andamento das pesquisas.

“Minha pesquisa envolvia ecologia de abelhas, então estive próxima de criadores, pessoas interessadas em conservação. Percebi que havia muito interesse  nas pesquisas e que essas pessoas  tinham também bastante conhecimento sobre o tema por meio de suas práticas. Fazia bastante sentido unir esses interesses e diferentes formas de estudar as abelhas. Assim, a Ciência Cidadã surgiu como um caminho para fazer isso acontecer”, diz Koffler.

Gustavo Veronesi, coordenador da causa Água Limpa na Fundação SOS Mata Atlântica, justifica a participação da população no projeto de ciência cidadã “Observando os Rios” com o argumento de que a água é uma questão que atinge a todos. Segundo ele, estão envolvidos na iniciativa diversos grupos da sociedade, porque a água diz respeito a todas as pessoas. Por isso,  quem se interessar em participar do projeto será bem-vindo.

Contudo, o fator interesse sozinho não é suficiente. Além de querer colaborar com o projeto, é fundamental que os cientistas cidadãos passem por treinamentos que os capacitem a contribuir com a parte do projeto na qual estão envolvidos. Os treinamentos são cruciais, de acordo com Koffler, porque promovem o aprendizado dos participantes e contribuem para que a coleta de dados siga um protocolo, o que é relevante para a qualidade e padronização dos dados obtidos.

“Por um fator principalmente de segurança,  realizamos a escolha desse ponto [onde será coletada água para análise de qualidade], treinamos como usar o kit [de coleta e de análise da água], como armazenar o kit, como limpar as vidrarias, além do cadastro desses resultados no site. Tudo isso é feito antes de  integrar, de fato, [a pessoa] ao projeto”, diz Veronesi.

Essa abordagem participativa da ciência é fundamental para sua democratização. “Durante minha formação, sentia falta de aproximar o meio acadêmico do restante da sociedade. Embora existam as atividades de extensão, ainda há uma grande separação entre esses dois ambientes, e a Ciência Cidadã pode contribuir de forma significativa  para essa aproximação”, afirma Sheina.

O processo científico, de forma geral, pode ser  difícil compreender para aqueles que não estão incluídos nele. Propor um projeto, construir uma metodologia, produzir e, principalmente, analisar dados são momentos desafiadores inclusive para pesquisadores já experientes. Nesse sentido, metodologias bem planejadas que insiram a população nessas etapas trazem resultados benéficos. 

Duas cientistas realizando trabalho em laboratório, utilizando amostras e microscópio óptico
Pesquisa como trabalho coletivo para o bom funcionamento de um laboratório 
[Imagem: Redrodução/Wikimedia Commons]

Desafios da ciência cidadã

Quando questionados sobre pontos positivos e negativos da ciência cidadã, Koffler e Veronesi apresentaram apontamentos interessantes.

 A coordenadora da iniciativa de ciência cidadã BeeKeep e cofundadora da RBCC explicou que os pesquisadores aprendem ao atuar de maneira coletiva, considerando interesses de diferentes setores da sociedade. Além disso, há ainda a grande quantidade de dados produzidos ou coletados, o que dificilmente poderia ser feito por uma pessoa sozinha ou por uma equipe pequena. É possível também fazer essa coleta de informações de maneira mais espaçada geograficamente, ao obter dados de diferentes localizações, inclusive áreas menos pesquisadas.

Por sua vez, Veronesi afirma que os participantes têm a oportunidade não só de gerar os dados, mas também de entendê-los, o que os aproxima  do objeto de pesquisa e do próprio fazer científico. O contato com a geração de dados é direto. Ao participarem, as pessoas adquirem voz ativa no processo científico, o que pode resultar em incidência política e participação nas decisões futuras sobre os territórios que ocupam.

Dentre as possíveis desvantagens, Sheina Koffler menciona a taxação da ciência cidadã como uma atividade que, necessariamente, precisa gerar grandes volumes de dados. “No entanto, é importante ressaltar que nem todos os projetos produzem dados em larga escala e que o foco não está apenas na produção de dados, pois isso pode levar a ideias exploratórias para a CC.” 

Gustavo Veronesi também falou sobre algo que, segundo ele, não é uma desvantagem, mas sim um aspecto que exige atenção: como se trabalha com pessoas que não são especialistas, é necessário sempre reforçar os treinamentos realizados a fim de preparar os participantes para a realização dos projetos e acompanhar o que está sendo produzido, a fim de evitar transtornos, como erros que podem prejudicar a coleta e registro de dados.

Como qualquer abordagem científica, a ciência cidadã enfrenta seus próprios desafios. De acordo com a cofundadora da RBCC, “enfrentamos a falta de conhecimento sobre a CC, o que dificulta a inserção dessa abordagem nos meios de pesquisa, em diferentes instituições. O financiamento é outro obstáculo, pois é necessário obter verbas para manter os projetos a longo prazo, realizar atividades de divulgação e comunicação e manter uma equipe multidisciplinar envolvida. Por ser um campo recente, também há um desafio de poucas pessoas com conhecimento na área e poucas oportunidades de formação, como cursos e livros”.

Projetos já existentes

É comum encontrar a abordagem participativa em pesquisas nas diversas áreas da Biologia e na Astronomia. Alguns exemplos de projetos que se alinham à ciência cidadã são o próprio Observando os Rios da Fundação SOS Mata Atlântica; o projeto Do Pasto ao Prato, uma iniciativa da UCLouvain, do Stockholm Environment Institute e do  Global Canopy, além do Caça Asteroides, uma iniciativa do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação em parceria com o International Astronomical Search Collaboration (IASC) e com a NASA.

No Brasil, há diferentes organizações que fazem pesquisas sobre a ciência cidadã. Um exemplo é a Rede Brasileira de Ciência Cidadã, criada em 2021. Koffler, uma das fundadoras, diz que o objetivo da rede é expandir a ciência cidadã no país como campo de pesquisa e prática. Os grupos de pesquisa a ela vinculados produzem debates, guias, estudos e eventos científicos.

Existe também a plataforma de ciência cidadã Civis, que permite o cadastro de projetos que utilizam essa metodologia. Outra iniciativa é o Instituto Nacional de Ciência Cidadã (INCC), projeto aprovado em 2023. De acordo com  informações do site do Instituto, a ação visa promover o avanço do conhecimento científico e tecnológico, de caráter inter e transdisciplinar, para o desenvolvimento, inovação e a disseminação de conceitos, práticas, metodologias e usos da Ciência Cidadã no Brasil. 

A ciência cidadã integra as iniciativas de Ciência Aberta e promove a participação ativa das pessoas no processo científico e, consequentemente, permite a democratização científica. Essa aproximação entre a ciência e a sociedade é fundamental para que, com base em informações qualificadas, cidadãos possam ter posicionamentos e decisões políticas e pessoais conscientes.

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