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Stranger Things: um fenômeno nem um pouco estranho

Neste Stranger Things Day, conheça mais sobre uma das séries de maior sucesso da Netflix e que agora se prepara para sua última aventura
Por Clara Viterbo Nery (claravnery@usp.br) e Maria Eduarda Oliveira (mariaeduarda@usp.br)

Em 6 de novembro de 1983, Will Byers, um menino de 12 anos, desapareceu misteriosamente enquanto voltava para casa de bicicleta na pacata cidade de Hawkins, no interior do estado de Indiana. Enquanto a polícia se debruça sobre o caso, seus amigos, Mike, Dustin e Lucas, resolvem fazer investigações por conta própria. O que nenhum deles poderia imaginar é que o desaparecimento de Will viraria a cidade de cabeça para baixo — literalmente.

Stranger Things (2016-2026) é uma série original Netflix criada, dirigida e roteirizada pelos Irmãos Matt e Ross Duffer. Inspirada em teorias da conspiração e construída a partir de milhares de referências clássicas dos anos 1980, como It (1986), E.T. O extraterrestre (E.T. the Extra-Terrestrial, 1982) e Conta Comigo (Stand by Me, 1986), a série tornou-se um verdadeiro divisor de águas, não só para o streaming, como também para a cultura pop. Afinal, desde 2016, ninguém viu luzes piscarem sem pensar na chegada de criaturas sinistras. 

Neste dia 6 de novembro, celebrado anualmente como Stranger Things Day — dia comemorativo para fãs da série —, a Netflix realiza, em Los Angeles, a premiere da quinta e última temporada da produção, que estreia ainda este mês, dividida em 3 partes durante datas comemorativas: 26 de novembro, 25 de dezembro e 31 de dezembro. Mas, além de comemorar o início do fim dessa história, também é o momento de revisitar os 10 anos de história deste vasto universo e o legado que a produção deixa na história das séries.  

O nariz sangrando da personagem Eleven também se tornou uma famosa referência da série [Imagem: Divulgação/Netflix] 

O começo

Observando o sucesso estrondoso de Stranger Things, é quase impossível acreditar que a proposta da série foi negada por diversos canais de televisão até chegar às mãos de Shawn Levy, dono da produtora 21 Laps Entertainment. Foi o produtor que apresentou a ideia para a Netflix, em uma época em que o streaming ainda não dominava o mercado como hoje. 

Inicialmente, a produção se chamaria Montauk, em referência à teoria da conspiração que afirmava que o governo estadunidense mantinha um programa de experimentos em pessoas para desenvolverem poderes psíquicos e outras pesquisas inusitadas, como tentativa de viagem no tempo, durante a guerra fria. A série, então, levaria o nome da cidade onde se passava o enredo.

Durante a apresentação, diversas emissoras recusaram o projeto, pois consideravam arriscado demais combinar personagens infantis com temas mais sombrios. Mas, ao invés de abandonar a ideia original completamente, os Irmãos Duffer resolveram adaptar a trama e incluir mais da aventura e mitologia de fantasia à série. A inspiração, então, veio de um elemento dos anos 1980 de muita estima dos criadores: Dungeons and Dragons.

O jogo não é apenas de referência, como também instrumento essencial para a mitologia da série. Ao criar o universo fictício de Stranger Things, personagens do jogo deram nome às criaturas que conhecemos nas telas, como o Demogorgon e o Devorador de Mentes, e a própria dimensão sombria que permeia os acontecimentos de todas as temporadas: O Mundo Invertido, que, no RPG, é conhecido como Vale das Sombras, termo também referenciado na primeira temporada.

Grande parte do marketing da primeira temporada foi vinculado ao retorno da atriz Winona Ryder à Hollywood, depois de ficar afastada das produções por mais de uma década [Imagem: Divulgação/Netflix]

O resultado da nova versão, então, foi apresentado e aprovado pela Netflix em 2015, inicialmente como uma minissérie. Em 15 de julho do ano seguinte, o projeto chegou ao streaming ainda tímido, sem carregar o nome de uma grande emissora e um elenco quase inteiramente novato. Ainda assim, rapidamente conquistou o público com suas referências claras à cultura pop dos anos 1980, uma mistura de sci-fi com sobrenatural e a reconstrução de uma década de pura nostalgia. 

A recepção positiva da crítica foi imediata. A série, além de deter recordes de visualização na plataforma no ano de lançamento, foi indicada a diversos prêmios, como o Globo de Ouro e Emmys. Dentre eles, ganhou o SAG Award de Melhor Elenco em Série Dramática, em 2017. O destaque do elenco, com a presença de personagens com idades distintas, que era motivo de temor para os executivos, acabou tornando-se um dos grandes diferenciais da produção. 

Aprendendo com os novatos

A Netflix, atualmente, é o serviço de streaming com maior número de assinantes no mundo, mas é claro que, para chegar onde chegou, ele precisou começar de baixo. A plataforma lançou a sua primeira obra original, Lilyhammer (2012-2015), no começo da década de 2010 e começou a ganhar relevância depois do lançamento de séries como House of Cards (2013-2018), Orange is the New Black (2013-2019) e Bojack Horseman (2014-2020).

Essas produções, embora de grande sucesso, ainda seguiam o padrão clássico de produções das grandes emissoras estadunidenses: maior número de episódios, narrativas episódicas e grande elenco. Quando Stranger Things chega ao catálogo em 2016 com seus oito episódios, o formato de minissérie parecia adequado à ela. Mesmo com a enorme audiência e a renovação para uma segunda temporada ainda no mesmo ano, os criadores resolveram manter o mesmo número de episódios para as temporadas seguintes, o que chamou a atenção da plataforma.

É errado dizer que não existiam outras produções nesses padrões anteriores a 2016. O que é inegável, no entanto, é a influência do número de episódios da série nas produções posteriores da plataforma. Antes do lançamento de Stranger Things, as produções originais da Netflix tinham uma média de 13 a 10 episódios por temporada. Depois de 2016, esse padrão mudou para 8 a 6 episódios, o que hoje levanta críticas por parte do público. 

Apesar da pouca experiência, o talento e conexão do elenco infantil se tornou uma ferramenta central no sucesso da produção [Imagem: Divulgação/Netflix]

De volta aos anos 80

O sucesso da série, no entanto, não é por acaso. Além de ser muito elogiada por suas qualidades técnicas, Stranger Things chamou muita atenção pela sua narrativa oitentista. Não apenas sendo ambientado na década de 1980, o enredo se inspira em diversos materiais cinematográficos da época, trazendo músicas, roupas, jogos e, principalmente, mergulhando na nostalgia.

Em entrevista à Jornalismo Júnior, o professor e pós-doutor em Meios e Processos Audiovisuais, Silvio Anaz, fala sobre a criação de um sentimento nostálgico na série e por que o público se sente atraído pela vivência, sem mesmo tê-la vivido. “A maior parte do público é de pessoas que não viveram os anos 80. O aspecto nostálgico é, sim, muito importante para atrair um público mais diverso. Mas, mais do que isso, ele atrai o público que não teve aquela experiência, mas que quer ter essa sensação através do audiovisual”, diz.

O sentimento de nostalgia, nesse caso, é atribuído a uma sensação semelhante à descrita pelo psicanalista e escritor italiano Contardo Calligaris: “a nostalgia é a saudade do que não foi”. Ao mergulhar seus personagens em uma narrativa fantástica, mas ainda tão amparada com as referências culturais da época, a sensação de quem acompanha é que também vive conectado àquele momento.

A segunda temporada se passa no Halloween de 1984, em que os personagens usam fantasias de clássicos que inspiram a série como Os Caça Fantasmas e Michael Myers, do filme Halloween [Imagem: Divulgação/Netflix]

O uso da estética e de referências de outras épocas não é exclusivo da série. “Esse fenômeno é uma constante na história do cinema e da televisão. Sempre existiu uma ideia de reviver décadas no audiovisual. Nos anos 80/90, a volta dos anos 1960 e 1970 era muito forte. E o passar das décadas vai trazendo esse retorno”, explica Anaz. 

O que chama a atenção na série é como ela não se restringe à recriação da época, mas torna aquilo mais um elemento que funciona em meio à sua narrativa. Por exemplo, filmes que inspiram a série, como A Hora do Pesadelo (A Nightmare on Elm Street, 1984), Alien, o Oitavo Passageiro (Alien, 1979) e O Exterminador do Futuro (The Terminator, 1984), não são apenas referenciados, mas também homenageados pela série, seja através de recriação das cenas ou easter eggs — referências escondidas — ao longo das temporadas.

O mesmo acontece com a trilha sonora, que, ao reviver hits clássicos dos anos 1980, também apresenta esses para um novo público. Os exemplos mais clássicos são as canções Should I Stay or Should I Go, do The Clash, da primeira temporada, e Running Up That Hill, de Kate Bush, durante a quarta temporada, que, depois de décadas, voltaram às músicas mais ouvidas do mundo em datas próximas de lançamento da série

A quarta temporada da série usa muitas músicas como parte da sua narrativa, como Dream a Little Dream of Me, de Louis Armstrong e Ella Fitzgerald, e California Dreamin’, dos Beach Boys [Imagem: Divulgação/Netflix]

Para além do mundo invertido 

O fenômeno da série não é sentido apenas pelo público, mas também pelos números. Segundo dados da Netflix, só durante 2025, pré-chegada da última parte da história, todas as temporadas somaram 404,10 milhões de horas de exibição no primeiro semestre do ano. Anteriormente, em 2022, a quarta temporada acumulou 7,2 bilhões de minutos assistidos em uma única semana, tornando-a a série mais assistida da história no período. Ao todo, a audiência de Stranger Things soma mais de 1,26 bilhão de horas assistidas em todos os seus lançamentos.

O sucesso iminente trouxe a continuação da série e a ampliação para outros formatos. Em 2018, a série recebia a sua primeira história em quadrinhos intitulada Stranger Things: Tales from Hawkins. Hoje, o universo da série já tem mais de 10 livros e HQs complementares. Nos palcos, a série recebeu Stranger Things: The First Shadow, peça que conta a história de Vecna e está em cartaz desde 2023. A obra traz ainda personagens conhecidos da série: os jovens Jim Hopper e Joyce Byers. O espetáculo chegou aos palcos da Broadway no primeiro semestre de 2025. 

E o aumento da popularidade também trouxe um orçamento milionário. A quinta e última temporada da série teve, confirmado pelos próprios criadores, um orçamento de mais de 400 milhões de dólares. Com isso, Stranger Things se torna a série mais cara da Netflix e segunda série mais cara da história, ficando atrás apenas de O Senhor dos Anéis: Os Anéis de Poder (2022-hoje), com custo médio de 58 milhões de dólares por episódio.

Os temas das HQs da série narram eventos que acontecem antes de 1983 até no espaço entre temporadas e servem de complemento ao público [Imagem: Divulgação/Dark Horse Comics]

Ainda em 2022, foi anunciado que a série teria um spin-off, mas não foram revelados mais detalhes da produção desde então. Em entrevista à Variety , em outubro deste ano, os Irmãos Duffer comentaram que a produção não seguirá contando a história dos mesmos personagens, mas a ideia não é expandir a mitologia além do que já foi apresentado pelo original para não tornar as coisas “complexas demais”.

Outro produto vinculado que deve estrear em breve é a sua primeira animação, Stranger Things: Tales from ’85. Com estreia prevista para 2026, a série trará histórias inéditas que ocorreram entre a segunda e o início da terceira temporada. A ideia é que a série tenha traços de animações clássicas da década de 1980 e explore ações que não seriam possíveis de gravar com os atores. O trailer já foi divulgado, mas ainda não há uma data para o lançamento.

A quinta e última temporada da série terá os seus primeiros quatro episódios liberados no dia 26 de novembro e o episódio final, no dia 31 de dezembro, será transmitido nos cinemas, evento inédito para séries da Netflix. Com mais de 10 anos de história e muitas histórias ainda a serem contadas, uma coisa é certa: Stranger Things se encerra, mas deixa um legado de outro mundo. 

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