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Metal é música clássica na guitarra elétrica?

Gênero possui inspirações técnicas da música barroca, segundo ex-guitarrista do Ultraje a Rigor, Heraldo Paarmann
Por Rachel M. Mendes ( rachelmmendes@usp.br )

Intensidade, fraseados complexos, escalas, sofisticação e… guitarras elétricas? Diferente dos conceitos perpetuados pelo senso comum, o gênero musical metal não é apenas barulho. Pelo contrário, o estilo compartilha semelhanças com a música erudita e encanta ouvintes em sua riqueza musical, de acordo com informações concedidas pelo ex-guitarrista da banda Ultraje a Rigor, professor da Faculdade Santa Marcelina e pesquisador de música, Heraldo Paarmann, em entrevista ao Sala 33.

Uma breve história da guitarra elétrica

Nem tudo o que é conhecido como “música clássica” é clássico. Ainda que a expressão seja popularmente utilizada para designar música erudita, o termo “clássico” corresponde a um período na história da música, assim como o período Barroco, por exemplo.

Para Paarmann, a guitarra, em sua construção, é uma resposta a um problema que passava a ser notado: o som emitido pelo violão, em big bands, era muito baixo. O vigor do sons de metais e instrumentos de sopro ofuscava o som de suas cordas. Assim, nos Estados Unidos, por volta da década de 1930, a criação da guitarra aparece como uma necessidade no âmbito musical para que se pudesse, enfim, ouvir as cordas. 

Com o tempo, as técnicas relacionadas ao novo instrumento seriam desenvolvidas. Os guitarristas passaram a incrementar elementos característicos do violão clássico e até mesmo do violino para tocar na guitarra elétrica. O diálogo técnico entre clássico e metal continuaria: até Jimmy Page, do Led Zeppelin tocava o Bourrée, de Johann Sebastian Bach, na guitarra. A banda de rock progressivo Jethro Tull também gravou a peça.

Eleanor Rigby, dos Beatles, foi lançada em 1966. Tocada ao lado de um quarteto de cordas, teve sua composição feita por Paul McCartney e John Lennon, e arranjo de partitura pelo produtor George Martin. Ainda que não hajam guitarras na faixa, ela revela a inspiração erudita que já aparecia no mainstream e no rock britânico.

Em 1969, a banda britânica Deep Purple destaca-se ao gravar o filme e álbum Concerto For Group and Orchestra, tocando, ao lado da Orquestra Filarmônica Real londrina, uma peça composta pelo tecladista Jon Lord contendo letras do vocalista Ian Gillian. O concerto de hard rock foi regido pelo maestro Malcolm Arnold e gravado no Royal Albert Hall. 

No ano seguinte, em 1970, fundou-se a banda de rock inglesa Queen. Sua proximidade com a música erudita é notável para Paarmann, considerando que o guitarrista Brian May tirava sua inspiração técnica do violino e o vocalista Freddie Mercury trazia influência clássica no piano e no canto, muito baseado no canto lírico. “A música Bohemian Rhapsody é uma rapsódia, então ela tem todas as características de uma peça de música clássica” diz.

O rock, enquanto gênero musical, extravasa os limites do som e torna-se criador de comportamentos culturais. No metal, as características de uma “cultura do metal” foram popularizadas pela banda Black Sabbath, que promoveu a ideia do gênero como uma estética sombria. Nesse contexto, o vocalista Ozzy Osbourne, falecido em julho de 2025, saiu em carreira solo no início dos anos 80 e contratou o guitarrista e violonista clássico Randy Rhoads, que incorpora características eruditas em suas músicas. O trabalho foi interrompido abruptamente em 1982, após o falecimento de Randy, em um acidente de avião.

Ainda nos anos 80 que o diálogo entre rock e música erudita recebe algo que Heraldo Paarmann chama de “uma iluminação incrível”. As inspirações eruditas ficaram mais fortes quando a música do sueco Yngwie Malmsteen se popularizou, ao criar uma sonoridade inspirada no virtuoso violinista italiano Paganini, e fraseados semelhantes à música barroca de Bach. 

Com o sucesso mundial de Malmsteen, as bandas passaram a incorporar essas técnicas virtuosísticas em suas composições. Heraldo afirma que é raro ver bandas de heavy metal clássico que incluíam elementos expressivos da música do século 19. Além disso,  nota que “é interessante que tudo isso fique muito voltado para o período barroco. Com muitas notas, tocando rápido e baseando-se em técnicas de violino.”.

No Brasil , uma banda de power metal se destaca pela comunicação direta com vertentes da música erudita: o Angra, em atividade desde 1991. O guitarrista, Rafael Bittencourt, é bacharel em Composição Musical e Regência. Além disso, a banda contou com a presença do super virtuose Kiko Loureiro, o qual incrementa características técnicas de violino na guitarra em uma virtuosidade marcante.

A inspiração erudita se apresenta, então, como parte da história da guitarra elétrica enquanto instrumento, e da história do rock e do metal enquanto gêneros. 

Metal e música clássica: é a mesma coisa?

Se em sua história a guitarra elétrica conta com inspiração erudita, o metal esbanja essas características, vindas  sobretudo do  período barroco, com fraseados virtuosos e vigor musical e lírico, com letras épicas, por vezes, narrando guerras e acontecimentos históricos. Um exemplo do virtuosismo do Metal levado ao extremo é a banda americana de metal progressivo Dream Theater, formada por músicos considerados hiper virtuoses.

Entretanto, ainda que haja semelhanças e inspirações, Paarmann conclui que não é possível afirmar que o metal seja música clássica na guitarra. “É uma adaptação de técnicas e conceitos de música tocadas na guitarra com distorção. “Tem uma intenção de música clássica, mas acaba tendo categoria de rock, que depois vira a subcategoria heavy metal.”. O metal, afinal, se apresenta com diferenças estruturais, apesar da similaridade e herança técnica. 

Algumas bandas podem, sim, trazer características de música erudita mais explicitamente revivalistas de certos períodos musicais, mas não é uma obrigação para toda composição de metal. Segundo Paarmann, o próprio Dream Theater, apesar das técnicas inspiradas em violino, piano, cravo e alta virtuosidade, com integrantes formados pela Berklee — faculdade referência no ramo musical, de Boston, Massachusetts —, não é estruturalmente semelhante às composições de períodos da música clássica, mas sim ao rock progressivo.

A história, a estrutura do metal enquanto gênero e o estudo de suas técnicas é uma discussão extensa. Durante a apuração desta reportagem, procurou-se por mais material de pesquisa acadêmica acerca do tema. Não foi encontrado. A razão para a escassez de resultados de pesquisa a esse respeito foi perguntada a Paarmann pelo Sala 33. O motivo? O preconceito na Academia. “Há um problema muito sério que é o eurocentrismo. A Academia só valoriza como ‘música de verdade’ a música de concerto, erudita, da  tradição. Então quando se fala do heavy metal ou do rock, não entra.’’ disse.

“[Heitor] Villa-Lobos sofreu preconceito porque misturava muita coisa da música brasileira com a música clássica e muitas instituições o negavam. Hoje ele é aceito. Mas não foi bem visto [na época].”

Heraldo Paarmann

O professor também destaca a perda que esse preconceito confere ao universo da pesquisa musical. “A guitarra elétrica na sua maior expressão, que é o rock, o drive, o heavy metal, todas as suas variantes, não tem pesquisa nisso porque a Academia não se interessa. É uma luta, uma causa muito complicada de conseguir reverter” afirma.

Quadrivium e Quarteto Kroma: música erudita na guitarra elétrica

Ao considerar diálogos entre guitarra elétrica e música erudita, há outro possível: tocar música erudita na guitarra. Não com distorções ou influência e técnica de rock ou metal, mas puramente como música de câmara. No Brasil, o primeiro grupo a explorar essa possibilidade foi o quarteto Quadrivium, do qual Heraldo Paarmann foi parte. Ao sair do quarteto, Heraldo fundou o Quarteto Kroma. O objetivo era entender como fazer a sonoridade das guitarras se parecer legitimamente como a música erudita para aquele contexto. Como fazer isso soar como um quarteto de cordas, formato já existente desde o século 18? “Para as guitarras ainda não existia isso, existia quarteto para violões. Foi um trabalho de pesquisa muito grande e trabalhoso, mas não menos prazeroso, de tentar entender como se toca essa sonoridade, como se produz esse som, não adaptando para o rock.” disse em entrevista ao Sala 33.

O Quarteto Kroma já está em atividade há vinte e seis anos e passa, atualmente,  por um processo de reformulação e preparação de novos projetos, incluindo um documentário e um songbook em andamento. 

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