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A autonomia da realidade trabalhista

Instabilidades do trabalho formal e informal no Brasil resultam na precarização das condições trabalhistas, segundo pesquisadores
Por Ana Santos (anacferreira@usp.br)

Segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNADC), o número de trabalhadores autônomos no Brasil ultrapassou 25 milhões, sendo apenas 25,4% registrados no Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica (CNPJ). A modalidade de quem trabalha por conta própria abrange atividades realizadas por pessoas sem vínculo empregatício, podendo ser uma pessoa física ou jurídica. Profissões como escritor, pedreiro, vendedor, motorista de aplicativo e costureiros se encaixam nesse grupo.

Ao trabalhar de maneira autônoma, não só o serviço prestado está sob a responsabilidade e organização do indivíduo, como também a ausência de alguns direitos atribuídos a quem possui carteira assinada. A respeito disso, é necessário analisar a realidade de cada contribuinte: o que os leva à autonomia e como agem nesse modo de trabalho.

Conseguindo a independência

Durante o período da pandemia, o Brasil apresentou um aumento no número de trabalhadores independentes, juntamente com aumento do desemprego. O ato do trabalhador se tornar autônomo ocorre por duas razões: necessidade de renda ou opção em explorar o próprio negócio. Segundo pesquisa do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (Ibre/FGV), o desemprego é a principal motivação para quem decide trabalhar por conta própria (32,1%), seguido por independência (22,9%) e flexibilidade de horário (13,6%).

Aqueles que optam por trabalhar de maneira autônoma são responsáveis pelo próprio serviço ofertado. Dessa forma, a organização de horários, de gastos e ganhos, contato com clientes  e a seleção de metas – a depender da atividade exercida – está, em tese, sob o controle do indivíduo. Em entrevista à Jornalismo Júnior, Atenásia Brito Ferreira, que atua como MEI numa oficina de costura, compartilha que visualiza como positivo o fato de “fazer o próprio salário”, tendo em vista que isso depende da quantidade de peças que decide produzir e a entrega no prazo dessas produções. “O ruim é que você não tem dia e nem hora para acabar”, completa em contraponto.

Antes de abrir a própria oficina, Atenásia trabalhava para uma empresa no ramo de costura. A decisão de atuar de maneira autônoma veio ao descobrir que o encarregado da firma também entregava serviços para serem feitos fora da empresa. “Comecei a trabalhar na empresa e em casa. Depois não consegui manter os dois, e passei a trabalhar só em casa.”

Costureira trabalha na modalidade de trabalho autônomo
Segundo pesquisa da coalizão de parceiros de Moda Justa Sustentável da Aliança Empreendedora, 62% das costureiras autônomas trabalham sem registro formal [Imagem: Reprodução/Bel Lins/Flickr]

Diferentes realidades

Ainda assim, entre  condições que levam o indivíduo a optar por trabalhar de forma autônoma está a dificuldade de conseguir um emprego formal ou ainda pelas próprias condições desfavoráveis do regime CLT. “O mercado de trabalho formal também é marcado pela instabilidade, por baixos salários e por relações que são, em muitos casos, despóticas”, comenta Bruna Cavati Rossi, graduanda em Ciências Econômicas na Universidade Federal do Espírito Santo (UFES).

O trabalho autônomo abrange diversas possibilidades de atuação, de modo que alguns negócios precisam de registro formal e abertura de empresa, enquanto outros funcionam informalmente. Entre os trabalhadores regulamentados, há os que trabalham por conta própria como profissionais liberais e como Microempreendedor Individual (MEI). 

Os profissionais liberais prestam serviços para empresas ou governo, podendo atuar como pessoa física ou como pessoa jurídica. Eles se diferenciam dos trabalhadores autônomos por precisarem de uma formação na área para exercerem suas atividades, que são fiscalizadas por Conselhos Profissionais, como a Ordem de Advogados do Brasil (OAB).

O profissional liberal pode optar em atuar como pessoa física ou por meio de um CNPJ. O indivíduo possui direitos previdenciários, como aposentadoria e pensão por morte. Ao trabalhar como empregado, ele ainda tem acesso aos direitos previstos na CLT: salário mensal, férias, décimo terceiro, folga, seguro-desemprego, entre outros. Caso a pessoa preste serviço, também precisa pagar Imposto de Renda, (Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), Imposto Sobre Serviço (ISS) e o Programa de Integração Social (PIS).

Já o MEI é um modelo pelo qual o trabalhador autônomo pode formalizar a sua atuação no mercado de trabalho por meio de um CNPJ. Ele foi instituído em 2008 pela legislação brasileira. Porém, quem deseja se cadastrar, necessita atender a alguns requisitos, como  o limite de faturamento, que é R$ 81 mil em 2024; e o limite de 1 funcionário cadastrado na empresa, a qual pode atuar dentro da própria residência do indivíduo. 

Quem é MEI tem acesso a direitos que também estão previstos na carteira de trabalho como aposentadoria e auxílio doença. O indivíduo também pode contribuir com porcentagem ao INSS, ainda tem que declarar imposto de renda e tem direito a redução de impostos.

Segundo levantamento do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 60,7% dos que viraram MEI agiram por necessidade ao serem desligados da empresa. De acordo com o texto, muitos seguiram na área que já tinham experiência anterior. No segmento de construção, mais de 76% atuavam como pedreiros.

Entretanto, ainda que a modalidade MEI tenha crescido no Brasil, a ausência de um planejamento pode acarretar em desafios para se manter no mercado. Durante a entrevista à J.Press, Bruna levantou dados referente ao fato de 45,34% dos MEIs estarem inadimplentes, o que limita as contribuições e o acesso a benefícios pelo trabalhador. 

“Quase sempre tem uma estratégia que passa pelo arranjo familiar. Então, você tem, na família, alguém que permanece CLT para servir de âncora, para ter um suporte” completa Vinicius Tomaz Fernandes, doutor em Ciências Sociais pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Esse fator ainda faz refletir sobre quem trabalha numa empresa e como autônomo ao mesmo tempo, o que os pesquisadores apontam como um dos fatores de se tornar autônomo por necessidade, seja para ter uma renda maior ou completar a renda fixa.

Quem trabalha informal, assim como o Microempreendedor Individual, não possui direitos garantidos pela carteira assinada, porém ele pode contribuir ao INSS para ter acesso a uma aposentadoria futuramente.

Processo de mudanças

Segundo Sondagem de Mercado de Trabalho do FGV IBRE, quase 68% dos trabalhadores autônomos gostariam de migrar para a CLT. A pesquisa ainda ressalta que esses indivíduos enfrentam maior incerteza por não saberem a sua renda seguinte.

Ainda que a carteira de trabalho determine condições sociais formais para o empregado, ela não serve de garantia a todas as realidades de trabalhadores brasileiros. Bruna aponta a realidade do trabalho intermitente, em que o indivíduo recebe de acordo com o serviço prestado, ainda que seja formalizado por meio de um contrato e com vínculo empregatício. Além disso, o trabalhador pode realizar acordos com mais de uma empresa.

Com a Reforma Trabalhista de 2017, as condições dos trabalhadores formais e informais se escancarou ainda mais no cenário brasileiro. Com as mudanças propostas, alguns direitos garantidos pela CLT foram modificados, assim como houve uma abertura ao incentivo do trabalho autônomo ao ser possível a contratação de seu serviço pelas empresas. Apesar de não estabelecer vínculo de emprego, há possibilidade de contratação exclusiva por um período.

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