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A evolução do monitoramento menstrual como potencializadora do desempenho no esporte

O acompanhamento do ciclo menstrual pode ser um aliado de mulheres fisicamente ativas e, principalmente, de atletas

Conforme a medicina e a fisiologia do esporte avançam na busca por melhorias de performance, o acompanhamento individualizado ganha a atenção dos especialistas. No caso das mulheres, o monitoramento das fases do ciclo menstrual passa a ser analisado não só no que diz respeito a aspectos relacionados à saúde e à qualidade de vida, mas também ao seu impacto no desempenho de atletas de alto rendimento. A variação hormonal que ocorre durante o ciclo, apesar de estar majoritariamente relacionada com a reprodução, também resulta em uma série de alterações em outros sistemas, como o cardiovascular, o respiratório, o metabólico e o neuromuscular, o que pode interferir no desempenho nas atividades físicas. Se antes esse assunto era negligenciado pela ciência do esporte, hoje alguns estudos tentam explicar como a variação de concentrações de estrogênio e progesterona podem ser utilizados em prol da performance, por exemplo.

Como funciona o ciclo menstrual 

Durante o ciclo menstrual, algumas fases apresentam especificidades. Ainda assim, cada indivíduo reage de uma forma às mudanças pelas quais o organismo passa. No que diz respeito aos hormônios, cada um age de uma forma: o estrogênio possui características anabólicas e  influencia o metabolismo. Nesse processo, ele favorece à captação de glicose e poupa os estoques de glicogênio, o que potencializa a utilização de gorduras como fonte de energia. Ele ainda apresenta propriedades antioxidantes que podem proteger contra microtraumas musculares e processos inflamatórios desencadeados pelo exercício. A progesterona, por sua vez, reduz o procedimento metabólico do corpo.

O ciclo menstrual inicia na fase folicular, na qual ocorre o sangramento. Devido ao descolamento do endométrio, o estrogênio e a progesterona ficam em baixas quantidades, o que leva à produção do hormônio folículo estimulante (FSH) pela hipófise. O FSH age no estímulo ao desenvolvimento de folículos nos ovários. 

Níveis hormonais durante o ciclo menstrual [Imagem: Medicina Diagnóstica]

A fase seguinte é a ovulatória, que começa a partir do aumento súbito do hormônio luteinizante (LH), também produzido na hipófise. Esse hormônio estimula o rompimento do folículo ovariano para que o óvulo seja liberado. Embora essa fase seja muito curta (dura cerca de 16 a 32 horas), o período fértil é o mais longo, já que os espermatozóides podem ficar viáveis por dias no trato genital da mulher, enquanto o óvulo tem uma vida média de 24 horas. Essa fase termina quando o óvulo é liberado.

Após esse período, inicia-se a fase lútea, que ocorre quando o folículo rompido forma um tecido, o lúteo. Este, por sua vez, produz estrogênio e uma grande quantidade de progesterona. A alta taxa desse hormônio é responsável por provocar modificações no endométrio que favorecem a manutenção de uma possível gravidez até a placenta se desenvolver. Quando não há gestação, o corpo lúteo regride, interrompe a produção de hormônios e é absorvido. Os níveis de estrogênio e progesterona diminuem e o endométrio, sem conseguir se manter, descama, o que dá início à menstruação. No final desse período, ocorre a tensão pré-menstrual (TPM) em muitas mulheres. A TPM por vezes causa uma série de sintomas desagradáveis, como dores e inchaço nas mamas e no abdômen, dores de cabeça e nas pernas e cansaço, além de sintomas psicológicos, como irritabilidade, ansiedade e tristeza. Podem ocorrer, ainda, alterações no sono e no apetite Os sinais da TPM surgem na fase lútea e duram, no máximo, até o quarto dia da menstruação — já na fase folicular.

Os efeitos causados pelo ciclo menstrual no desempenho esportivo

Tendo em vista esses aspectos, a principal dificuldade dos profissionais e das entidades esportivas que trabalham com atletas de alta performance está no acompanhamento individual de cada atleta, já que nem todas atravessam o período menstrual da mesma maneira.

A médica do esporte Taline Costa, que teve longa passagem pela equipe de futebol feminino do SC Corinthians Paulista, afirma que, com o avanço da medicina, um cuidado diferenciado dos clubes deve ser voltado para este olhar personalizado visando entender cada atleta. 

Entender como cada atleta reage e a individualização é primordial. Há mulheres que o ciclo irá atrapalhar, seja pela dismenorreia, que é a dor menstrual, seja pelas mudanças de humor, e isso pode prejudicar o desempenho. Por outro lado, existem mulheres que não sentem alterações e performam naturalmente

Taline Costa, médica do esporte

Atleta de polo aquático do Esporte Clube Pinheiros, Lara Novacov relata que apesar do acompanhamento individualizado que o clube proporciona em diversas frentes, sente falta de ajustes para ter o amparo necessário e atingir seu ápice esportivo.

Sinto que eles (profissionais) não dão tanta relevância para o período menstrual no geral, apenas quando apontamos os sintomas. Penso que ajudaria bastante ter uma equipe médica especializada no assunto, formada por mulheres, que nos entendem melhor, visando a diminuir os sintomas e à preparação psicológica no período

Lara Novacov, atleta de polo aquático do Esporte Clube Pinheiros

Lara Novacov atuando pelo Esporte Clube Pinheiros [Imagem: Divulgação/ Acervo pessoal Lara Novacov]

A jogadora de polo aquático também ressalta que os sintomas do período menstrual não são um impeditivo para sua dedicação no dia a dia: “Minha rotina não muda, apenas minha força de vontade fica prejudica. Por fazer polo aquático há dez anos,  desenvolvi o costume de treinar mesmo estando muito cansada, dando o meu melhor”. 

A busca por metodologias efetivas

Muitas entidades esportivas e clubes profissionais têm mudado seu olhar no que diz respeito ao acompanhamento do ciclo menstrual das suas atletas visando à melhora do seu desempenho. Em alguns casos, o apoio, ou não,  nesta questão é um fator determinante para o resultado final.

Casos no futebol são os mais comentados.  Na Copa do Mundo Feminina de 2019, na França, que foi vencida pela seleção dos Estados Unidos, a estratégia utilizada ultrapassou os gramados: os profissionais  que acompanharam a seleção norte-americana monitoraram os ciclos menstruais das jogadoras, adaptando as carga de treino, a dieta e o controle dos sintomas individualmente. “Acho que foi uma das iniciativas que nos ajudaram a ganhar”, afirmou a então técnica Dawn Scott ao programa de TV americano Good Morning America.

Outro caso que se tornou referência foi o da equipe feminina do Chelsea, da Inglaterra. A treinadora Emma Hayes se tornou pioneira ao implementar um sistema de monitoramento do ciclo menstrual das atletas para avaliar como a condição natural pode afetar o rendimento delas. O sistema consiste em avaliar a condição física das jogadoras durante o período menstrual e, a partir disso, adequar suas dietas e sugerir treinos específicos no momento de ovulação.

Emma Hayes, treinadora da equipe feminina do Chelsea, com as taças da WSL (Campeonato Inglês) e da FA Cup (Copa da Inglaterra) [Imagem: Divulgação/ Instagram @chelseafcw]

No Brasil, algumas equipes de futebol já adotam esse cuidado. Pioneiro no futebol feminino nacional, o Santos acompanha as mudanças hormonais e físicas de suas atletas. O Bahia, por sua vez, conta com um software que permite que as atletas regulem a intensidade dos seus treinos, a recuperação, o peso, o sono e o ciclo menstrual.

O Corinthians, time sul-americano de maior destaque no cenário do futebol feminino nos últimos  anos, também rastreia o histórico menstrual das jogadoras e cria uma ficha para cada. Taline relata que, enquanto trabalhou no time da capital paulista, o clube sempre se comprometeu a acompanhar as atletas de maneira individual, o que aumentou conforme as mulheres ganharam. Ela também conta que, apesar da complexidade do assunto, o tempo fez com que alguns tabus caíssem. As dificuldades encontradas sempre foram em função do avanço medicinal, e não social, devido a preconceitos.

“Sempre levei muitos instrumentos de informação dos locais onde estive e fui respeitada. Nunca tive dificuldades de falar e de ser ouvida, pude levar as informações a respeito da saúde da mulher e o assunto nunca foi um tabu. No Corinthians, antes de chegar, já havia controle da importância no ciclo menstrual, sabiam sobre sua variação, e da individualização de cada atleta no ciclo”, conta.

Taline Costa (à esquerda), médica do esporte, com a atleta Gabi Zanotti (à direita), do Corinthians [Imagem: Divulgação/ Instagram @talinecostta]

Os riscos

Mas existem os casos de atletas que não conseguem atingir sua melhor performance devido à falta de cuidado e de atenção aos sintomas do ciclo menstrual. Isso fica mais evidente em esportes individuais, nos quais a atleta depende unicamente da própria performance e, por vezes, um dia ruim pode custar o trabalho de um longo período. 

Foi o caso da velocista britânica Dina Asher-Smith no Campeonato Europeu de Atletismo de 2022. Após sofrer com cãibras causadas pelas menstruação, ela não conseguiu defender o seu título nos 100 metros rasos. Após o ocorrido, ela pediu um maior comprometimento com os estudos para a causa.

“É uma pena porque estou em muito boa forma, queria fazer o meu melhor aqui, mas às vezes não é assim que acontece. Penso que mais pessoas precisam realmente pesquisar do ponto de vista da ciência do esporte, porque essa questão é absolutamente impactante”, declarou Dina logo após o desempenho abaixo do esperado.

Dina Asher-Smith em competição no Circuito Continental de Atletismo, realizado em Manchester, em maio de 2023 [Imagem: Divulgação/ Instagram @dinaashersmith]

Existem alguns mecanismos que já são utilizados normalmente e diminuem os sintomas na maioria das atletas. Eles são regulamentados pela WADA (World Anti-Doping Agency) e auxiliam na reprogramação do ciclo menstrual. Além disso, há o DIU hormonal, que faz com que a menstruação cesse. Taline destaca que o acompanhamento da equipe é sempre essencial e faz a diferença para as atletas.

“Existe uma lista extensa de medicamentos permitidos e poucos, como a gestrinona, não são liberados. Inclusive outros métodos que não são os anticoncepcionais orais, como o DIU (Dispositivo Intrauterino) e os anéis vaginais, que são liberados pela WADA. Claro que com acompanhamento dos médicos de cada atleta para que não seja utilizado em excesso”, explica.

Perspectivas futuras, avanços da medicina e tabus a serem quebrados

Com o sarrafo esportivo subindo cada vez mais, a medicina do esporte entra com o objetivo de romper cada vez mais barreiras e tentar alcançar o inalcançável, e a velocidade com que isso vem acontecendo pode impulsionar a busca por mais estudos no campo do ciclo menstrual. 

Antes mesmo da análise da performance de uma mulher, é válido reiterar que o avanço da medicina deve ir além dessa vertente. Para isso, o foco na qualidade de vida é primordial. Para Taline, as adaptações tendem a visar ao tratamento dos sintomas das cólicas menstruais, à redução e ao controle do fluxo sanguíneo e, fundamentalmente, à redução dos efeitos psicológicos,que, por vezes, são os mais difíceis de serem abordados devido à sua complexidade. Com isso, a performance pode melhorar gradativamente.

Outro fator importante visando às próximas gerações é a educação. A inclusão do ginecologista do esporte em diversas modalidades, por exemplo, já apresenta essa evolução e é um grande passo para a saúde das atletas no Brasil, independentemente da modalidade. Porém, para corroborar com esse crescimento, é preciso que haja estímulo à ciência e que as atletas tenham abertura e liberdade para falar dos seus corpos, o que é um assunto íntimo e pessoal. É o que reitera Lara Novacov: “Muitas atletas não têm o conhecimento do seu próprio corpo, por conta de tabus, então é necessária essa comunicação com os profissionais responsáveis. [Isso] sem contar a conscientização dos técnicos, eles precisam saber como cada atleta se sente para ter essa troca”.

Para além dos tabus e das questões estruturais em relação aos investimentos na medicina esportiva, especialistas da área afirmam que cada caso ainda deve ser tratado individualmente. Então, mesmo que sejam encontradas informações padronizadas, elas não devem servir como diretrizes exatas para dar continuidade a tratamentos em qualquer indivíduo de forma homogênea, principalmente em se tratando de atletas de alto rendimento.

“A questão da individualização é o [fator] mais importante. A atleta deve procurar o médico do esporte para entender o seu ciclo menstrual de forma personalizada. Assim, a equipe, que irá trabalhar de forma específica, poderá contribuir na performance desta atleta em equipe. Quando falamos de ciclo menstrual, falamos da particularidade de cada mulher”, conclui Taline.

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