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A Pedra da Paciência – o desabafo de uma mulher afegã

por Paula Lepinskipaulalepinski.usp@gmail.com Os créditos do filme correm pela tela, mas todos permanecem sentados. Era o fim de A Pedra de Paciência (Syngué Sabour, 2012), um drama inconvencional baseado no romance homônimo do afegão Atiq Rahimi. O público deixa o cinema aos poucos, alguns atônitos, todos envolvidos no silêncio de seus próprios pensamentos. Hipnotizante e envolvente, …

A Pedra da Paciência – o desabafo de uma mulher afegã Leia mais »

por Paula Lepinski
paulalepinski.usp@gmail.com

pedra da paciencia estreia
Os créditos do filme correm pela tela, mas todos permanecem sentados. Era o fim de A Pedra de Paciência (Syngué Sabour, 2012), um drama inconvencional baseado no romance homônimo do afegão Atiq Rahimi. O público deixa o cinema aos poucos, alguns atônitos, todos envolvidos no silêncio de seus próprios pensamentos. Hipnotizante e envolvente, o longa é um daqueles poucos que te obrigam a pensar e refletir durante cada minuto de filme, e, quem sabe, um pouco depois também.

Na mitologia persa, existe uma pedra chamada Syngué Sabour (do persa, “syngué” significa pedra e “sabour”, paciência). Para esta pedra uma pessoa pode contar suas infelicidades, seus sofrimentos e misérias, pode lhe confiar até os segredos mais obscuros que não ousaria revelar a ninguém. E a pedra escuta, absorve cada palavra e cada segredo. Até que um dia, quando tudo já lhe foi dito, ela se quebra e a pessoa finalmente se torna livre. É a partir dessa simples história que o filme A Pedra de Paciência revela com delicadeza e sensibilidade a vida de alguém com a oportunidade rara de falar todos os segredos que guardava para si.

O drama conta a história de uma mulher afegã (Golshifth Farahani) que cuida de seu marido doente (Hamid Djavdan) em um quarto velho e muito gasto. Ele é um ex combatente do Jihad, ferido na nuca durante uma briga de rua, e agora se encontra em estado vegetativo. Após ser abandonada por familiares e pelos irmãos de guerra, a mulher doce e devota se esforça para cuidar do marido e das duas filhas enquanto o combate se alastra do lado de fora. Ela começa a pensar em deixá-lo, mas em certo momento  lhe conta um segredo, algo simples, porém guardado desde menina. Então decide se arriscar para mantê-lo vivo, apenas para que ele possa continuar a ouvir tudo que ela guardara no silêncio de seus dez anos de casamento – ele se torna a sua pedra de paciência.

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Atiq Rahimi, autor do romance, foi também o diretor do filme, o que torna A Pedra de Paciência interessante sob outro viés: o de passar para as telas exatamente aquilo que o autor imaginou enquanto escrevia o livro. Formado na França em Letras e Cinema, Rahimi contou com a ajuda do veterano Jean-Claude Carrière (premiado roteirista, escritor, diretor e ator francês) para transformar uma história bela e simples em um longa único e arrebatador. O filme é quase uma ode às mulheres afegãs, condenadas ao silêncio, ao menosprezo e a uma vida vazia de amor, carinho e compreensão.

Por ser centrado em apenas uma única personagem, o longa é quase um monólogo, o que pode soar monótono para muitas pessoas. Mas não demora para o público se envolver com a trama delicada e cheia de confissões sussurradas pela personagem de Golshifth Farahani. A interpretação da atriz é impressionante, o que lhe rendeu o prêmio de melhor atriz no Festival Internacional de Abu Dhabi. Golshifth entrega com incrível sensibilidade uma personagem doce,  que cresce a cada cena e a cada segredo revelado através de flashblacks. Atuando sozinha, ela mostra como a personagem se comunica mais com seu marido quando ele está quase morto, e como ela recebe mais amor e atenção quando finge ser protistuta para se manter viva.

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Observar o crescimento da personagem talvez seja o mais interessante do longa. Os segredos sussurados passam a ser ditos com a voz forte, sem pudores. No início, ela conversa com o marido como se ainda tivesse que pedir permissão para tudo, acreditando ser errado falar sobre o que nenhuma mulher muçulmana ousaria. Depois, encorajada, xinga-o e amaldiçoa a guerra. As cores do figurino dela acompanham essa mudança, passando de tons opacos para tons mais vibrantes que contrastam com a paisagem bege e destruída. É também importante notar que a história não cita nomes – é “uma mulher”, “um marido”, “um soldado”, “uma tia” – dando a ideia de que a história podia ser sobre qualquer família em situações parecidas.

A trilha sonora é discreta. No final, momento clímax do longa, a música desaparece e deixa o público com o silêncio que transmite muito mais emoção do que qualquer som de fundo. A Pedra de Paciência, com sua história tão simples, deixa muito em que pensar.

 

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