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‘A Última Sessão de Freud’: uma ode ao diálogo

Em cartaz no Teatro Vivo, a peça reúne Freud e C. S. Lewis em uma discução sobre ciência e fé, sob direção de Elias Andreato

O palco do Teatro Vivo apresenta, de maio até 26 de junho de 2022, a peça A Última Sessão de Freud, dirigida por Elias Andreato. O roteiro é uma adaptação do livro Deus em questão (Ultimato, 2005), de Armand Nicholi, que, após estrear na Europa e nos Estados Unidos, chega, enfim, aos teatros de São Paulo. Em um encontro fictício, a peça junta Freud e C. S. Lewis, duas grandes personalidades do século XX, para discutir um dos temas mais polêmicos e sangrentos da história da humanidade: a religião.

 

O enredo

Em cartaz oficial divulgado pelo Itaú Cultural, a imagem traz os atores dos respectivos personagens, Freud e C. S. Lewis em foco, com o que aparenta ser o escritório de Freud, tema do diálogo, no fundo.
Com o contraponto entre C. S. Lewis e Freud, a peça traz importantes questionamentos sem deixar de lado a sátira. [Imagem: Reprodução/Site/Itaú Cultural]
Às vésperas da Segunda Guerra Mundial, em setembro de 1939, Sigmund Freud (Odilon Wagner) — psicanalista e ateu fervoroso — convida o escritor e intelectual cristão C. S. Lewis (Cláudio Fontana) para um embate filosófico. O assunto do confronto, entretanto, não é (e nunca foi) leviano. Os dois intelectuais se debruçam sobre a fé e a religião sem, contudo, deixar de lado a racionalidade. A peça também diáloga com diversos outros assuntos  caros à psicanálise, como o sexo; a moral; o desejo; e, destacadamente, a morte. Tal tópico concerne, especialmente, ao pai da psicanálise, o qual, com um câncer avançado na boca, se vê diante de seus últimos dias de vida.

 

Um apelo à razão

O que mais chama atenção no espetáculo, é o cunho racional da discussão. Não é incomum que debates sobre a fé recaiam em um apelo emocional, contra o qual argumentos racionais parecem se tornar irrelevantes; e as opiniões, imutáveis. A Última Sessão de Freud explora, por sua vez, uma outra forma de se encarar a questão religiosa, na qual a racionalidade prevalece e o diálogo é priorizado. Não surpreende que Freud opte por uma argumentação com viés mais racional — e o faz de forma bastante adequada —, mas Lewis, em seu papel de defensor da religião, rompe com certas expectativas ao defendê-la de modo bastante lógico; o que destoa do apelo emocional presente na maioria dos discursos religiosos.

 

Caracterização

Tanto o cenário, impecavelmente montado e repleto de detalhes, como a atuação de Odilon Wagner e Cláudio Fontana, contribuem para a impressão de se estar realmente na companhia dos dois intelectuais. A caracterização dos atores parece muito contundente, com atenção especial aos pequenos detalhes, como o famoso relógio de bolso de Freud e seus charutos. Percebe-se, também, na cenografia, uma preocupação em manter-se fiel ao consultório original do psicanalista — o que é perceptível pelo conjunto de estátuas míticas, as estantes de madeira repletas de livros e a tapeçaria que recobre o divã. A sensação de pertencer à cena é reforçada, ainda, pelo caráter intimista do Teatro Vivo, que comporta somente 274 assentos — pouco, se comparado a teatros como o Teatro Paulo Autran, no Sesc Pinheiros,  que possui 1010 cadeiras.

Em um fundo escuro, os atores Odilon Wagner e Cláudio Fontana, os quais fazem o papel de Freud e C. S. Lewis, estão sentados no que parece um banco, com C. S. Lewis olhando para Freud, como se esperasse sua resposta.
A apresentação dinâmica, no Teatro Vivo, consegue envolver o espectador com a atuação de Odilon Wagner e Cláudio Fontana. [Imagem: Reprodução/Site/Itaú Cultural]

A iniciativa de realizar uma peça sem grandes estímulos visuais e atravessada por conceitos psicanalíticos complexos é, no mínimo, ousada. Um espectador desprevenido poderia muito bem se perder em devaneios distantes e ceder ao sono, mas encontrará dificuldades. As principais reviravoltas e conflitos da peça ocorrem somente no âmbito da fala, mas esta é permeada por um humor satírico e por momentos íntimos de emoção, na forma de breves sessões de análise conduzidas intercaladamente entre os personagens. Tal apelo emocional consegue cativar o espectador e faz um contrapeso impecável das falas mais intelectuais, reforçando o caráter dinâmico da peça. No que tange aos conceitos psicanalíticos, o texto se propõe a abordá-los de forma extremamente acessível para o público leigo sem, contudo, reduzi-los em seu significado. Os conceitos mencionados na peça — como o desenvolvimento sexual infantil, o ato falho e o próprio Complexo de Édipo — agregam ao espectador e são perfeitamente contextualizados na peça, passando a ser, inclusive, alvo de piadas e de ironias.  

 

Os personagens, apesar de divergirem fundamentalmente durante toda a peça, parecem chegar à conclusão de que o importante — mais do que estar certo ou errado, do que convencer ou ser convencido — é o diálogo; a troca de ideias. Para o país que não discute “política, religião e futebol”, como prega o ditado, A Última Sessão de Freud é uma lição de casa obrigatória.

 

[Imagem: Reprodução/Site/Teatro Vivo]

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