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47ª Mostra Internacional de Cinema de SP | ‘Afire’ é profundo em sua simplicidade 

Fogo faz as emoções entrarem em ebulição no novo filme do diretor alemão Petzold

Qual é o limite entre existir e, de fato, viver? Essa é uma das questões que ressoa nos corações de quem assiste Afire (Roter Himmel, 2023). Ambientado na Pomerânia, região entre a Polônia e a Alemanha, o longa acompanha dois amigos que vão passar as férias em uma casa litorânea no meio da floresta. Leon (Thomas Schubert) quer aproveitar o tempo para terminar de escrever seu livro, já o fotógrafo Felix (Lagston Uibel) pretende trabalhar em seu portfólio de arte. 

O caminho até o lugar é permeado por imprevistos e, ao alcançarem o destino, não é diferente. A dupla percebe que alguém chegou na casa antes deles: Nadja (Paula Beer) ocupa o barulhento quarto ao lado, junto com seu amante Devid (Enno Trebs). Os inconvenientes não param por aí: o ambiente em que estão é ameaçado por incêndios florestais que são inicialmente negligenciados pelos personagens. Porém, o fogo se torna urgente à medida que suas relações se intensificam.

Enquanto Nadja, Devid e Felix se divertem indo à praia e se conhecendo, Leon assume o papel de mero observador. Essa falta de habilidade social e a sua arrogância insistente tornam Leon um personagem essencialmente chato. O longa também explora a relação do protagonista com o trabalho, já que essa é a sua desculpa mais frequente para não aproveitar a vida e parece ser o que define a sua identidade. Embora tenha tanta determinação, Leon se revela um escritor medíocre, o que dá razão à frase do músico clássico Mozart: “Para fazer uma obra de arte não basta ter talento, não basta ter força, é preciso também viver um grande amor”. 

Protagonista de Afire sentado em praia
“Eu sei tudo sobre esse cara porque eu era ele”, conta Christian Petzold sobre o emblemático protagonista de Afire durante painel de entrevistas do Film at Lincoln Center. [Imagem: Divulgação/Schramm Film]

Mesmo com tantas características negativas – e, talvez, justamente por isso -, é muito fácil se identificar com Leon. Crises existenciais são comuns para a maioria das pessoas e, principalmente, para artistas que veem sua arte fracassar. A particularidade do protagonista está em sua forma questionável de lidar com seus sentimentos, já que ele fica tão absorto nas próprias frustrações que deixa a vida passar e ainda se insatisfaz com a alegria alheia. 

Certamente não é fácil interpretar um personagem detestável e fazer transparecer sua humanidade, mas Thomas Schubert cumpre a tarefa muito bem. Quem também tem uma performance brilhante é Paula Beer que dá vida a Nadja, uma figura simpática e, ao mesmo tempo, enigmática, já que o filme revela gradualmente as suas complexidades. O espectador tem a perspectiva do protagonista, que vê Nadja como uma musa. Com isso, o ar sensual em torno da personagem em conjunto com a atuação magnética de Paula Beer não permitem o público desviar os olhos da tela. 

O que ajuda a construir a interessante narrativa de contrastes é o figurino. Enquanto Nadja sempre usa cores vivas e roupas que mostram alguma parte do corpo, Leon aparece com cores escuras e roupas fechadas, apesar da história se passar no verão. Isso reforça a noção de que ela é ousada e atrativa em completa oposição a ele, que parece estar preso em si mesmo.

Nadja em cena estática de Afire com cinzas espalhadas pelo ar
A presença de momentos de silêncio e enquadramentos ‘demorados’ ditam o tom poético do filme. [Imagem: Divulgação/Schramm Film]

Afire é a segunda parte da “trilogia dos elementos”, saga em que Christian Petzold transpõe mitos germânicos enraizados nos elementos para cenários contemporâneos. O primeiro filme da trilogia, Undine (2020), tem a água como elemento central e garantiu o Urso de Prata de melhor atriz para Paula Beer. O novo longa não fica para trás em questão de premiações: Afire foi o vencedor do Grande Prêmio do Júri do Festival de Berlim.

Durante painel de entrevistas do Film at Lincoln Center, Petzold conta que a ideia de Afire surgiu ao indagar sobre a razão pela qual Estados Unidos e França tinham um gênero específico de filmes de verão, enquanto a Alemanha não seguia a mesma tradição. O cineasta relata que teve os filmes do francês Éric Rohmer como inspiração. A partir disso, ele criou essa história cheia de nuances de pessoas comuns da classe trabalhadora nas férias. 

É inegável que Afire é um filme nada óbvio. Não é possível prever os acontecimentos e muito menos definir a trama em um único gênero, o que comprova a genialidade de Petzold. Em meio a uma tragédia climática, quatro pessoas vivem suas vidas normalmente e aproveitam ou não as férias de verão. Uma história simples e identificável, mas que levanta reflexões profundas sobre a vida e o amor. Ao mesmo tempo, o longa carrega tensão durante as quase duas horas de filme, há sempre a expectativa de que algo iminente está por vir. Vale a pena conferir a obra e se preparar para ter vontade de assistir novamente, já que há uma riqueza de detalhes a serem percebidos.

Esse filme fez parte da 47ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo. Para mais resenhas do festival, clique na tag no final do texto. Confira o trailer:

*Imagem de capa: Divulgação/Imovision

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