“O amor pra mim é o mais puro sentimento, vem da família, dos amigos e de pessoas que você escolhe se envolver. ”, Pietra, 18 anos, estudante.
“É o sentimento que move as pessoas na vida e dá propósito às coisas.” Joseph, 33 anos, estagiário.
“Amar significa admirar, respeitar, ser companheiro, dar boas risadas, sofrer juntos, fazer planos, sonhar, resolver problemas juntos. Enfim, compartilhar todos os momentos da vida. ”, Gislene, 54 anos, professora.
O amor é, sem dúvidas, o sentimento mais enigmático e multifacetado que o ser humano conhece. Enigmático, porque, mesmo após 200 mil anos de história do homem moderno, o seu significado absoluto continua sendo uma incógnita. Multifacetado porque, nesse mesmo período, em diferentes culturas e lugares, ele recebeu nomes, formas e significados distintos, mas de alguma forma entrelaçados no sentimento e no seu modo de se expressar.
Claro, buscar diminuir o conceito abstrato de amor em uma única palavra, expressão ou modo de agir é lapidar o mais belo sentimento que um ser vivo pode expressar por outro — ou até por algo não vivo. Mas também é uma maneira de entender diferentes culturas, suas visões de mundo e de expandir o que nós, enquanto humanos contemporâneos, entendemos como amar algo ou alguém.
O ser humano tentou por diversas vezes materializar o amor, e fez isso de diversas formas: mitologias, cantigas, pinturas, poemas, histórias, objetos, palavras e até mesmo ações. Todas essas formas são praticadas desde que o Homo sapiens surgiu enquanto espécie, o que remete, literalmente, a antes do começo da História.
O amor antes da História
Talvez a ação — depois do sexo — que mais simbolize o amor seja o beijo. Universalmente conhecido, o ato de beijar alguém, de Oriente a Ocidente, continua sendo uma das representações mais poéticas de amor, mesmo depois de dezenas de milhares de anos de história.
Não é de se impressionar que uma das pinturas mais antigas da humanidade seja o retrato dessa cena. Localizada no Parque Nacional da Serra da Capivara, Piauí, a pintura rupestre, chamada “o beijo”, retrata duas pessoas se beijando há mais de 12 mil anos – o que é mais antigo que as primeiras cidades do mundo.
Pintura rupestre de 12 mil anos retratando um beijo, localizada no Parque Nacional da Serra da Capivara. [Imagem: Reprodução/ Wikimedia Commons]
Não somente a simplicidade da cena é encantadora, como também é saber que o episódio carrega em si uma carga sentimental milenar. Isso porque é uma demonstração de amor que nada tinha a ver, naquele contexto, com a reprodução e perpetuação da espécie. Se, por um lado, o ser humano é um dos três animais que se beijam — sendo os outros dois o chimpanzé e o bonobo —, por outro, ele é o único que pode realizar o ato por um motivo exclusivamente afetivo, e não sexual, reprodutivo ou reconciliador.
E é possível saber isso porque há representações literais do sexo em pinturas rupestres na região de Arnhem Land, na Austrália, datadas em até 28 mil anos. São cenas explicitamente pornográficas registradas em rochas usando material não-orgânico que demonstram o lado do amor que é sexual e instintivo.
O amor no mito e na língua.
Não só o ser humano evoluiu e mudou suas concepções e visões de mundo ao longo da história, o amor também passou por esse desenvolvimento milenar e cultural por onde quer que ele passasse.
Em uma das primeiras civilizações da História, a Mesopotâmia, o sentimento já era personificado em uma divindade — algo que viria a se repetir algumas vezes em múltiplas culturas. Nanaya era a deusa do amor dos sumérios, mas não representava um amor qualquer, e sim o amor erótico. Das palavras que descreviam a divindade, os termos hili, sumério, e kubzu, acadiano, eram as principais, e significavam algo como charme, exuberância e sensualidade. A principal representação de amor, para eles, era majoritariamente carregada dessa eroticidade.
Mas, com o decorrer da história, o amor ganhou várias outras faces e representações e, assim como o ser humano, difundiu-se pelos continentes e encaixou-se em múltiplos significados.
No hinduísmo, houve um momento em que o amor morreu. Kamadeva, deus do amor e do desejo, foi pulverizado em sua missão de flechar o deus Shiva — para que ele se apaixonasse por Parvati e o universo voltasse a se alinhar — por este não aceitar ter seus desejos manipulados. Em desespero, os demais deuses do panteão hindu suplicaram para que Shiva o ressuscitasse, pois sem Kamadeva o mundo não teria amor, e sem amor não haveria propósito. Além de essencial para a continuidade do universo, o amor no hinduísmo também foi, nesse recorte mitológico, apresentado como propósito da existência.
Kamadeva é o deus hindu do amor. Geralmente é representando montando em um papagaio e portando um arco feito de cana-de-açúcar e flechas feitas de cinco tipos de flores. [Imagem: Joseph Surface/Flickr]
Akai itto é, para algumas populações do oeste da Ásia, um mito sobre a conexão entre pessoas. Crença principalmente das regiões onde hoje se encontram o Japão e a China, a história contada é a de que os deuses amarram, no nascimento, um fio vermelho a duas pessoas que estão destinadas a se encontrar. Tema de diversas obras culturais, como um drama japonês homônimo, a lenda do fio vermelho do destino representa a união inevitável de almas gêmeas, independente de quando, onde ou por quê. E mais: a união não é necessariamente romântica, mas sim de uma ligação espiritual que nos trará a plena felicidade.
Akai itto é o fio vermelho que une duas pessoas destinadas a se encontrarem seja como amantes, seja como amigos, seja como qualquer outro relacionamento. [Imagem: Reprodução/freepik]
Para os tupi-guarani, o amor tinha outro significado. Quando Guaraci, deus-sol, percebeu que não conseguia falar com sua amada, Jaci, a deusa-lua, ele criou Rudá, o deus do amor. Porque o amor não conhecia nem as trevas nem a luz, Rudá levava as mensagens entre os dois amantes, unia a razão de Guaraci e a emoção de Jaci. Além disso, o deus do amor criava esse sentimento do coração dos humanos, mas de uma forma peculiar: criava admiração e respeito pelo brilho do outro, porque cada um era único em seu jeito de brilhar, e não somente dos homens, como também das plantas, animais, rios, tudo, porque todos são a criação de Jaci e Guaraci, todos são presentes que um fez ao outro. A criação foi obra de um amor impossível, mas eterno.
Por outro lado, em uma das milhares línguas da África, a língua Fongbe, falada em regiões do Benin, Togo e Nigéria, o amor ganha materialidade na palavra Wànyìyí. Seria simplório se ela não fosse a junção de duas outras palavras: Wàn (essência) e Yìyí (admitir, aceitar). Para os falantes dessa língua, amar alguém seria descobrir a essência desse alguém e, depois disso, aceitá-la. A carga disso é que, se alguém diz que não ama uma pessoa, é porque esse alguém não descobriu a essência dela e, portanto, não há tristeza nessa rejeição.
Já na mais famosa antiga civilização, a Grécia Antiga, houve o auge do número de seres celestiais que representavam o amor. Embora o mais famoso símbolo seja Afrodite, a deusa do amor e da beleza, são em seus filhos que encontramos a multiplicidade de amores que os gregos tinham. Ao todo, na mitologia grega, Afrodite teve mais de 20 filhos, e oito deles representavam alguma forma de amor:
Eros, o mais famoso, o Cupido na mitologia romana, representava o amor erótico e inconsequente; Anteros era o deus do amor correspondido, e vingava aqueles que não o tinham; Himeros personificava o desejo sexual das pessoas; já Pothos simbolizava a paixão, o amor ardente e intenso; Hedilogo era o daemon — uma espécie de espírito — das palavras amorosas, os elogios; Hermafrodito era o deus das almas gêmeas e simbolizava a união entre dois seres em um só para sempre; Himeneu representava as cerimônias amorosas, sendo o deus das comemorações de casamento; e Peito, a divindade da sedução e persuasão.
Mas não apenas os filhos de Afrodite eram representações gregas do amor: Hedonê, que mais tarde deu origem ao termo hedônico, era o espírito dos prazeres, e Filotes, filho de Nix, simbolizava a amizade e o carinho.
Além dos deuses, os gregos tinham posse de variados termos e palavras para designar o que hoje conhecemos como amor. As três principais, Ágape, Eros e Philia, representavam, respectivamente, os amores divino ou incondicional — como o amor do Deus cristão ou de uma mãe com seu filho —; o amor erótico, sexual, afetivo e platônico; e, por último, o amor despaixonado, isso é, um amor como o da amizade, fraternidade e comunidade.
Havia, porém, outras múltiplas palavras para expressar esse sentimento, como Storge (afeição), Philos (confiança e lealdade), Filautia (amor-próprio), Xênia (hospitalidade e cortesia a desconhecidos), Pragma (amor entre pessoas juntas há anos, ou seja, um amor mais sincero e real), Ludus (amor que surge ao se divertir, paquerar ou brincar com os outros) e Mania (amor descontrolado e obsessivo).
No entanto, até na própria origem mítica do humano grego, o amor possui papel central. Segundo a mitologia, os seres humanos eram criaturas únicas, andróginas, com quatro braços, quatro pernas e duas cabeças. Temendo esse ser, Zeus amaldiçoou os homens e os dividiu ao meio, condenando-os a passar o resto de suas vidas buscando sua outra metade. Nesse caso, o amor possui um papel mais profundo ainda: ele se torna o motor da história, a razão pela qual o ser humano faz as coisas.
Após a dissolução da região em que hoje se encontra a Grécia e a posterior ascensão do Império Romano, a língua reduziu os amores gregos a uma só palavra: amare. Ela possui vários significados, como “afeição” ou “sentir desejo”. Mas há também uma outra possível tradução: semear. O amor torna-se, então, um processo, algo a ser construído em conjunto e que gera frutos, sejam filhos, uma casa, boas memórias, risadas ou novas visões de mundo.
Com o enfraquecimento de Roma, as invasões germânicas trouxeram consigo o seu próprio termo para significar o amor. Nas línguas indo-europeias germânicas, como o inglês e o alemão, o sentimento se verbaliza nos termos love e lieben, respectivamente, e possuem origem em uma única palavra: Leubh. Esta representa, hoje, algo como “preocupar-se com”, denotando que amar algo ou alguém seria importar-se com o objeto ou com a pessoa, atentar-se a ela, cuidar dela.
Já nas línguas modernas de origem latina, o significado do amor toma corpo de forma diferente: no espanhol, um dos termos mais utilizados é o enamorar-se, que na própria escrita já apresenta uma designação passiva do sujeito. Amar alguém é um estado de submissão, algo que lhe foi imposto por outro, porque o enamorado não escolheu, mas sim foi cativado; no português, há dois termos: amor, cuja origem do latim é direta com amore, e apaixonar-se, que possui raízes mais próximas do significado espanhol. Assim como enamorar-se, apaixonar-se é estar sujeito, e sua origem vem do termo latino passio, que significa suportar. Apaixonar-se é receber um fardo, o amor, e suportá-lo, mas não necessariamente no sentido ruim, pois nem todo sofrimento é ruim — ao menos segundo a filosofia epicurista.
O amor racional.
Não somente através de deuses o homem tentou explicar o amor. Por milênios, o ser humano tentou materializá-lo através da lógica e do pensamento, usando a filosofia. Com o desenvolvimento das cidades e a quase hegemonização do cristianismo no Ocidente, o amor mitológico se esvaiu. Ao mesmo tempo, a expansão de diversas correntes filosóficas se iniciou, com cada movimento reivindicando um significado ao sentimento.
Para Santo Agostinho, amor era conhecer a si mesmo; era o autoconhecimento, o estar em um com a alma, que produzia o amor. Rousseau diz que ele surge com o homem civilizado, sendo um produto da experiência e do psicológico; o amor romântico é livre-arbítrio, a liberdade do coração dos amantes. Já Spinoza imagina o amor enquanto desejo e, para ele, isso significa que o amor é a origem de ansiedade e incerteza, mas também é a consequência de inomináveis causas — e quanto mais misteriosas essas causas, mais intenso e sólido o amor é.
Santo Agostinho foi um filósofo dos séculos IV e V. Ao longo de sua vida,desenvolveu a teoria das cinco vias para provar, racionalmente, a existência de Deus. [Imagem: Reprodução/Philippe de Champaigne]
Na visão kantiana, amar alguém é ser egoísta, pois quando se doa a alguém, quando se quer evitar o sofrimento do amado e sacrificar-se por ele, com bens ou com a vida, faz-se isso porque essa pessoa é seu objeto de amor; mas ele também não enxerga o amor somente como o sexual, ou como aquele que dará origem a um casamento, como também o sentimento que existe em uma amizade.
Outros filósofos terão visões mais pessimistas sobre o amor. Schopenhauer o entenderá como ilusão, um devaneio dos instintos sexuais, uma projeção de felicidade junto ao outro. O amor apaixonado seria uma tragédia, por ser delirante. Nietzsche, seguidor da corrente pessimista de Schopenhauer, denuncia as antigas visões de amor e, em uma correção feita em A gaia ciência, diz que “o verdadeiro nome do amor” mais elevado é amizade. Essa amizade se dividiria, para ele, em duas: a amizade comum, na qual se quer o outro para benefício próprio, dominando-o como mera ferramenta para buscar a própria felicidade; por outro lado, há a amizade plena, em que já se é feliz e se quer mais do que a si mesmo e mais do que o outro. O amor mais pleno viria de um coração pleno, não é ele quem produz a felicidade, ele vem da felicidade e da ligação de duas pessoas que não procuram, no outro, proveito para si.
O casal Jean-Paul Sartre e Simone de Beauvoir, filósofos existencialistas do século XX, que tiveram um relacionamento aberto por cerca de 50 anos. [Imagem: Reprodução/Wikimedia Commons]
O existencialismo de Sartre já considerava que um dos vários sentidos que o amor pode possuir é o da própria existência. Quando existir é angustiante e vazio, preenche-se essa ausência com o ato de ser amado ou de amar alguém — ou ambos. Em um exagero, o amor se tornaria, para alguns, a essência da vida. Simone de Beauvoir fala da “união de duas existências”, tendo sua opinião tanto mais lírica sobre o amor — que ele é um equilíbrio de dois seres que já se bastam a si, não buscando se completar no outro — quanto mais crítica — que o casamento seria uma ferramenta de subjugação das mulheres ante os homens. Já Camus segue quase no mesmo sentido sartreano, mas de maneira diferente: para o escritor, amor é a urgência de existir. Da revolta de uma vida em que só se pode, no fim, morrer, o ato de amar para ele é rebelar-se contra o absurdo da existência.
O amor humano.
Reações químicas no cérebro, rebelião, motor da História, sexo, afeição, desejo, compaixão, ilusão, sofrimento, aceitação da essência, fardo, egoísmo, construção, preocupação, lealdade, diversão, sujeição, ágape, amare, passion, leubh, wànyìyí, ludus, eros, pragma. Todas essas são apenas algumas das definições a que o ser humano tentou reduzir o amor.
Séculos depois, o sentimento deixou de ter suas diversas representações divinas e a palavra Amor passou a carregar todo o peso da história que a antecedeu, todos os deuses que vieram antes dela, todas as filosofias, todos os significados africanos, asiáticos, indo-europeus, gregos e romanos. O amor engloba o romance, a eroticidade, a alegria, a amizade, a paixão, o fervor, a reciprocidade, a caridade, a empatia e tantas outras coisas. Nenhum estudo acadêmico, mito, língua ou filosofia poderia englobar o que de fato é a experiência do amor. Quem sabe é quem o vive, e por isso as definições que mais se aproximam do que é o Amor vêm das pessoas:
Para Clarissa, amar é “conseguir se sentir confortável mesmo no silêncio, não precisar preencher o vazio com nada, só conviver com a pessoa no mesmo espaço em paz”.
Para Julia, “o amor é estar se sentindo em casa perto das pessoas que você gosta”.
Para Nicole, “o amor dói. Dói porque intensifica. A ausência, a saudade, o desentendimento, tudo se amplifica quando o amor faz parte da receita”.
Para Sofia, “o amor é Deus, amar alguém significa entregar-se”.
No caso da teoria das cinco linguagens do amor, de Gary Chapman, amar alguém pode ser entregar um presente a ela, cozinhar algo que ela goste ou tocar sua música favorita, passar o tempo com essa pessoa, elogiá-la espontaneamente, ou dar-lhe um abraço ou um beijo como o de 12 mil anos atrás. Amar pode ser escutar o que alguém tem a dizer, ouvir o bem-amado desabafar, sorrir quando vê essa pessoa feliz ou sentir-se bem quando ela se sente bem.
Mas ele também pode ser “Aquela ligação descompromissada dizendo: ‘tô sentindo sua falta, tô com saudades’ no meio da noite”, como é para Luís Henrique, ou “amar todos os seus humores e mudanças pelo tempo, as piores qualidades podem ser toleradas”. Quando se ama, na visão de Isabella Gargano, “Só a companhia dele [o ser amado] já é suficiente, […] as conquistas dela te fazem tão felizes quanto como se fossem suas, ou até mais”; é, no conceito de Letícia Canto, “Se sentir completo, mas não como indivíduo e sim como suplemento do cotidiano”.
Amor é se importar, para o Matheus; é compreender, para o Nicolas; é cuidar e proteger você mesmo e o outro, para a Julia. Para a Isabel, é incompreensível; para o Caique, é criticar quando seu amado está errado; para a Rafaella, é se complementar. A visão amorosa pode ser divina, como é para Bruna; revolucionária, como é para o Pedro; ou universal, assim como é para o Lucas. Pode ser tudo isso, porque o amor não acaba em significados: ele é infinito.
O amor pode ser entregar-se ao outro e tomar pra você um pedaço dele também. É aceitar as diferenças, e admirar essas diferenças. Pode ser se sentir seguro ou dar segurança a essa pessoa, pode ser compartilhar experiências, emoções e segredos. Ele pode ser inocente, pode ser libertino ou pode ser bancário. Para alguns, amor pode não ser nada, para outros, pode ser tudo.
Essa é a beleza do amor: ele é substantivo, estático, ele é verbo, móvel, mutável, ele é indeterminado. E, por isso, o amor pode ser qualquer coisa, desde um beijo, até toda uma existência. Amor é divino, amor é histórico, amor é humano.