Na última quarta-feira (7), a Cinemateca Brasileira anunciou um pacote de projetos e investimentos voltados à preservação e difusão do audiovisual do país. O lançamento do projeto Viva Cinemateca marca um ano da reabertura da instituição depois de um período de crise e dá continuidade ao processo de retomada do acervo iniciado pela organização Sociedade Amigos da Cinemateca. “Olhar e cuidar da nossa preservação audiovisual é como cuidar de nós mesmos, da nossa memória e identidade como um povo. Por isso a importância da Cinemateca”, disse a secretária do Audiovisual do Ministério da Cultura, Joelma Gonzaga, em vídeo transmitido durante a coletiva.
Dora Mourão, diretora geral da Cinemateca, afirmou que o Viva Cinemateca é uma junção de projetos e tem essa nomenclatura por estar retomando a instituição após um período difícil, quando a organização sofreu com incêndios, falta de investimento e descaso governamental. “É o renascimento da Cinemateca, que passou por uma crise durante 10 anos”, diz a diretora.
Dora completa que a iniciativa, além de atuar como revitalizadora do espaço, visa divulgar o cinema brasileiro: “o objetivo primordial da Cinemateca é, não só, o restauro [dos filmes], mas também a difusão deles. De nada serve o restauro sem a difusão.”
Desde a reabertura do espaço em maio de 2022, a organização contabilizou mais de 125 mil visitantes. De janeiro a maio de 2023, o público aproximou-se de 70 mil pessoas, entre espectadores das 250 sessões de cinema realizadas e visitantes dos espaços públicos ou eventos de cultura e economia criativa sediados na Cinemateca.
Modernização e reformas estruturais
O Viva Cinemateca conta com três principais frentes já em andamento. A primeira delas refere-se à ampliação e modernização da sede da Cinemateca Brasileira, o edifício histórico na Vila Mariana, Zona Sul da capital paulista.
Gabriela Queiroz, diretora técnica da Cinemateca, conta que o acervo cresce dia a dia, seja em arquivos digitais ou, ainda, em película, por isso, é preciso ampliar a área de guarda de acervo, espaços públicos para exibição dos registros – filmes, roteiros, resenhas críticas – e laboratórios de pesquisa e tecnologia.
O projeto executivo para o aumento da área de guarda e tratamento de acervo e restauração já está em desenvolvimento. Serão contemplados os espaços de laboratório e atualização tecnológica, para garantir a continuidade do trabalho, reconhecido internacionalmente, de conservação de aproximadamente 120 anos de história do cinema brasileiro.
As intervenções na sede também adaptarão as salas de exibição, como a Sala Oscarito, modernizando sua infraestrutura técnica de projeção. Isso, aliado à expansão dos depósitos climatizados de acervo, possibilitará que mais filmes e documentos – patrimônios artísticos e históricos – sejam preservados e posteriormente difundidos em um ambiente de melhor uso do público.
Projetos de preservação
A segunda vertente do projeto foca no tratamento da coleção dos filmes de nitrato e dos cinejornais do Canal 100, com investimento do Programa Nacional de Apoio à Cultura (PRONAC 212939 e 221750, respectivamente).
O trabalho com a coleção de nitratos visa catalogar, digitalizar e conservar os arquivos feitos em nitrato de celulose, responsáveis pela composição da coleção mais antiga do cinema brasilero, como o filme documentário mudo Cerimônias e Festa na Igreja de Santa Maria, de 1909, do cineasta Eduardo Hirtz, que mostra a comemoração da inauguração da catedral de Santa Maria.
Quanto aos cinejornais do Canal 100, a iniciativa tem como proposta a conservação, duplicação e difusão do acervo, conhecido como o maior conjunto cinematográfico sobre o futebol brasileiro – e que guarda, também, outros temas que marcaram o período de 1957 a 1986 no Brasil. A revitalização dos cinejornais propiciará uma qualidade inovadora nas imagens, acompanhada das narrações de Cid Moreira e Corrêa Araújo.
Dora afirma que é preciso desenvolver uma política pública de investimento em formação profissional para a área da preservação. “No Brasil não existe uma escola de preservação. Quem se dedica à preservação de audiovisual são pessoas de formação mais ou menos similar, mas que terminam de se formar aqui dentro. Somos uma escola para esses técnicos especializados.”
Programação itinerante
Em julho, a Cinemateca promove, como parte da Virada Sustentável, o Festival de Cultura e Sustentabilidade, encontro voltado à discussão da agenda ESG com as demais instituições que farão parte do evento. O projeto traz a contribuição de outros setores para instituições e projetos culturais, como a Mostra de Cinema dos Povos Originários e a Mostra de Cinema da Amazônia, além de palestras e debates.
Entre as diversas ações programadas para difundir o acervo em São Paulo e outras 12 cidades do país, como debates, mostras, exposições e ações educativas, está a mostra itinerante “A Cinemateca é Brasileira”, que percorre o país de agosto a dezembro com uma seleção de 17 filmes brasileiros de diferentes momentos históricos, propostas estéticas e abordagens temáticas.
Entre os títulos anunciados estão Macunaíma (1969), Dona Flor e Seus Dois Maridos (1976), Central do Brasil (1998), O Auto da Compadecida (2000), Cidade de Deus (2002), 5x Favela (1962), Ilha das Flores (1989) e Bacurau (2019).
A programação vai visitar espaços culturais e salas de exibição de Belo Horizonte (MG), Brasília (DF), Canaã dos Carajás (PA), Curitiba (PR), Fortaleza (CE), João Pessoa (PB), Porto Alegre (RS), Recife (PE), Rio de Janeiro (RJ), Salvador (BA), São Luiz (MA) e Vitória (ES).
No mês de outubro, uma exposição homônima será aberta na sede em São Paulo, além de ocupar uma estação de metrô e o ambiente digital. A história da Cinemateca e do cinema brasileiro será contada através da mescla de acervos documentais e recursos digitais.
Campanha
Para dar ênfase a esse novo capítulo, a instituição conta com a campanha midiática “Cinemateca Brasileira – Memória em Movimento”. O objetivo da ação é marcar o momento de reestruturação da Cinemateca, propiciar aproximação com o público através da memória afetiva e explicar a importante tarefa feita pela Cinemateca no audiovisual. Com a produção de camisas, agendas e ecobags personalizadas com referência a grandes filmes e produções de TV nacionais, como a novela Mulheres de Areia (1973), da TV Tupi; Dona Flor e Seus Dois Maridos, de Bruno Barreto; e Central do Brasil, de Walter Salles, a campanha busca ser pop e popularizar, também, a Cinemateca Brasileira.
Dora reforça que a Cinemateca ainda não é conhecida nacionalmente. “A Cinemateca fica em São Paulo, mas ela é brasileira”. Segundo a diretora, a instituição precisa se mostrar ao público e instruir sobre o que é uma cinemateca: “devemos sair da máxima de que [cinemateca] é um lugar onde se guardam filmes velhos. São filmes antigos, sim, mas fundamentais para a cultura do país e a formação da sociedade. É papel da cinemateca levar ao público a importância do cinema brasileiro.”
O projeto Viva Cinemateca conta com o apoio do Itaú Cultural, do Instituto Cultural Vale e da Shell, com base na Lei Rouanet.
*Imagem de capa: Divulgação/Ministério do Turismo