Por Gabriele da Luz Mello (gabrielel.mello@usp.br)
A arqueologia é uma área multidisciplinar, envolvendo desde as ciências da natureza até as humanidades. Para além do que é feito no meio acadêmico e em campo, parte do trabalho dos arqueólogos é determinar a idade daquilo que encontram. E existem diversas formas de realizar essa atividade que é uma tarefa para mais de uma área.
Já é muito disseminado que a determinação da idade de objetos arqueológicos, muitas vezes, pode ser feita pelo método conhecido como carbono 14. Entretanto, de acordo com o doutor em arqueologia e educador do Museu de Arqueologia e Etnologia da Universidade de São Paulo (MAE-USP), Maurício André da Silva, são necessárias diversas outras etapas, que auxiliam na datação. “Tem uma série de outras etapas que a gente precisa ter um controle muito grande, senão torna-se difícil interpretar a datação”.
A primeira etapa é justamente a identificação de um sítio arqueológico. De acordo com o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), sítios arqueológicos são locais com vestígios de ocupação humana, sendo eles cemitérios, locais de aldeamento, grutas, lapas, entre outros. Também são incluídas artes rupestres e sambaquis, ou seja, locais que estejam relacionados à identificação de conhecimentos e tecnologias humanas. O Brasil tem mais de 14 mil cadastros de patrimônios históricos no Iphan, divididos entre sítios arqueológicos e coleções arqueológicas.
A partir da identificação de um sítio, pode-se iniciar a escavação. E a escavação ocorre para que se responda a uma pergunta de pesquisa, então, uma parte do território que possa integrar a investigação feita no momento é escolhida. Mas, isso não quer dizer que o resto do sítio seja descartado. Como dito por Maurício, “numa escavação, tudo é relevante: a cor do solo, a historiografia do sítio, até mesmo elementos que não são culturais, que não foram feitos pelo ser humano. Então, tudo numa escavação é importantíssimo”.
As escavações devem ser sempre muito bem documentadas “por meio de fotografias, anotações. Tudo que é retirado do sítio, a gente também coleta de forma separada: material cerâmico, material ósseo, material orgânico, lítico. Tudo isso depois vai para o laboratório e no laboratório a gente tem que conseguir remontar esse sítio”, detalha Maurício.
Como é determinada a idade de um artefato arqueológico
Agora podemos seguir para um dos primeiros métodos usados pela arqueologia: a estratigrafia. Ela permite determinar a cronologia de artefatos ao espaço em que eles são encontrados, associando as camadas geológicas à ordenação temporal. “Conforme a gente vai escavando de uma forma controlada um sítio, geralmente o que está mais em cima é mais recente. E o que está mais fundo, mais antigo”, detalha Maurício. “É como se a gente cortasse um pedaço de bolo recheado. A gente corta, a gente vê ali a cobertura, o bolo, o recheio, tudo. A estratigrafia é como um bolo”. Porém, nem sempre essa estratégia pode ser plenamente aplicada: “Mas isso não é uma regra. Porque às vezes o que pode acontecer é que a raiz de uma árvore pode revirar as camadas, um bicho pode revirar todo o material”. E esse tipo de acontecimento confunde as conclusões sobre a datação dos objetos encontrados, por isso, o controle e a documentação da escavação são tão importantes.
Depois da estratigrafia, os arqueólogos podem utilizar outros métodos. Maurício conta que, em seguida, a tipologia de materiais pode ser aplicada. A tipologia é um sistema de regras para classificação de itens e, por meio de determinadas características do que é encontrado, um período pode ser determinado para um objeto. “Então, se eu encontrar uma cerâmica com determinado tipo de característica, de decoração, de cor, como arqueólogo, vou saber que essa cerâmica é de um certo período. Isso [tipografia] também já me ajuda a entender um pouco do contexto do que foi encontrado”.
A partir disso, pode-se aplicar, entre outros métodos, a datação por carbono 14. Depois de determinar diferentes níveis na estratigrafia, o arqueólogo escolhe quais dessas camadas serão analisadas para responder sua pergunta de pesquisa. Então, amostras de cada uma delas são colhidas e enviadas para laboratórios especializados, em que será verificada a composição.
O carbono 14 é um método de datação que se baseia na existência desse tipo de carbono em cada objeto ou ser do planeta. O doutorando em química pela USP Fernando Amaral detalha que o carbono 14 existe na atmosfera da Terra, aparecendo inicialmente como gás carbônico, e, pela fotossíntese, adentra os ciclos que envolvem os seres vivos. O ponto principal é que a quantidade desse componente na atmosfera e nos seres é dada como fixa. Enquanto os seres estão vivos, eles absorvem e liberam carbono 14, mas, quando morrem, não há mais absorção. “Você absorve, então, a quantidade não muda. A partir do momento que o ser vivo morre, a porcentagem de carbono 14 na matéria orgânica que já morreu vai caindo durante o tempo”. A quantidade de carbono 14 na matéria cai pela metade após, aproximadamente, 5.700 anos, mas é possível determinar a idade de objetos com até 60 mil anos, segundo Maurício.
E os materiais arqueológicos mais antigos que isso? Eles podem ser analisados através de outros elementos químicos. “Por exemplo, potássio 40, urânio 235, urânio 238, rubídio 87”, aponta Fernando. Todos esses elementos são liberados mais lentamente que o carbono 14. O potássio 40 leva 1,3 bilhão de anos para liberar metade do conteúdo existente na matéria em que se encontra, ao passo que o rubídio 87 leva 49 bilhões de anos.
Arqueologia no laboratório
O uso desses elementos permite maior precisão na arqueologia. Mas a análise química é feita longe dos sítios arqueológicos: em laboratórios. A análise se fundamenta na radioatividade. Por não serem elementos químicos estáveis, todos eles liberam radiação. É ela quem é medida.
As amostras colhidas pelos arqueólogos são enviadas aos laboratórios e, após serem abertas, passam por um tratamento químico que objetiva transformá-las em uma solução ou gás. E então é possível medir a quantidade de radiação que é liberada. “Quanto mais radiação você medir, quer dizer que tem mais carbono 14, ou seja, a amostra é mais nova. Se você mede menos radiação, quer dizer que é uma amostra mais velha”, explica Fernando.
E voltando ao sítio arqueológico, o resultado encontrado no laboratório vai ser aplicado à estratigrafia. Com a idade definida por uma parte daquela camada, os arqueólogos podem inferir que tudo que está naquele nível possui a mesma idade.
Apesar da datação ser um método que revolucionou a arqueologia, Maurício destaca que “a datação entra como uma ferramenta” e que o verdadeiro mistério é o sítio arqueológico. “O foco é entender os sítios arqueológicos”. A arqueologia é multidisciplinar e envolve as ciências como um todo para garantir um trabalho completo na confecção desse quebra-cabeça.
Ótima reportagem!! Muito bem explicado.