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Aterrando o Desperdício

Soluções sustentáveis para resíduos orgânicos em São Paulo Por: Julia Mayumi (juliasueyoshi@gmail.com) Hora do almoço de domingo. Aquela travessa gigantesca do mais apetitoso prato tradicional da sua família. Não é o tipo de comida que se pega pouco, certo? Precisa preencher ao menos o prato inteiro. Uma leve elevação não fará mal algum. E falta …

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Soluções sustentáveis para resíduos orgânicos em São Paulo

Por: Julia Mayumi (juliasueyoshi@gmail.com)

Hora do almoço de domingo. Aquela travessa gigantesca do mais apetitoso prato tradicional da sua família. Não é o tipo de comida que se pega pouco, certo? Precisa preencher ao menos o prato inteiro. Uma leve elevação não fará mal algum. E falta a salada! Depois ainda terá sobremesa, café… É, não vai dar mesmo para comer tudo o que está no prato; mas tudo bem, se sobrar um pouquinho, não tem problema jogar fora, né?

De “pouquinho” em “pouquinho”, o desperdício de alimento no Brasil gera um custo de quase R$15 bilhões por ano (mais de 1% do PIB), segundo dados divulgados pela SEBRAE em 2015. Ao olharmos para o outro lado da moeda, em que 3,4 milhões de brasileiros são subalimentados, de acordo com pesquisas feitas pela ONU em 2015, esse problema torna-se ainda mais importante.

De acordo com uma pesquisa feita pela UFSCar, o Brasil produz alimento em quantidade suficiente para alimentar toda a sua população, mas problemas no acesso a essa produção causam subalimentação e desperdício. Dessa forma, uma parte da população adquire mais comida do que necessita, trazendo então o seguinte questionamento: o que fazer com as sobras que vão parar no lixo?

Em São Paulo, dois grandes centros comerciais, o Banco de Alimentos do CEAGESP e o Terraço Verde do shopping Eldorado, criaram projetos para dar ao lixo orgânico destinos dignos e sustentáveis, e estão sendo fonte de inspiração para outros empreendimentos.

 

BANCO CEAGESP DE ALIMENTOS

Fachada do Banco de Alimentos do CEAGESP. Fonte: Júlia Mayumi, 2017

Na Companhia de Entrepostos e Armazéns Gerais de São Paulo (CEAGESP), zona oeste da capital, 150 toneladas de alimentos que seriam jogados fora são recolhidos mensalmente pelo Banco de Alimentos, projeto que surgiu nos EUA nos anos 60 e que foi adotado pela Ceagesp em 2003. Frutas, verduras e legumes que não foram vendidos são doados pelos permissionários que trabalham no local e encaminhados a entidades cadastradas no Banco, que somam 300 mil beneficiados por mês.

Jae Young Ahn, coordenador de sustentabilidade do Ceagesp, comemora o sucesso do programa, que já recebeu dois prêmios (2º Melhor Programa de Sustentabilidade do País em 2016, pelo Instituto Mais, e 3º Melhor Iniciativa Sustentável do Mundo, pela WWM, associação mundial de mercados atacadistas) e tem parceria institucional com o Mesa Brasil, organizado pelo SESC, que, ligado ao SENAI, recebe doações de indústrias alimentícias, complementando os alimentos fornecidos pelo Banco de Alimentos.

A separação das doações é feita por parte dos 25 funcionários do Banco, entre concursados e terceirizados, e supervisionada por uma equipe de cinco nutricionistas, todas estagiárias, que acompanham todo o processo. Bianca Ferraz, uma das nutricionistas, explica que as instituições cadastradas são colocadas em uma planilha, de forma que a distribuição possa ser o mais justa possível. Quando os representantes chegam para recolher os alimentos, recebem cartilhas produzidas pelas nutricionistas com orientações de higiene e receitas saudáveis.

Uma das principais modernizações do projeto foi a compra de duas máquinas desidratadoras, no segundo semestre do ano passado, que permitem que os alimentos sejam embalados a vácuo, aumentando sua durabilidade.

Para Jae, um dos principais bloqueios ao crescimento do projeto é a burocracia estatal. Por ser ligado ao Ministério da Agricultura, é necessário realizar licitações e seguir todos os procedimentos cabíveis a um órgão público, o que torna cada investimento muito demorado. Além disso, a adesão dos permissionários do mercado é muito baixa – menos de 10% doam com frequência ao Banco. O coordenador aponta a falta de consciência sustentável da população em geral como principal justificativa, além da grave diminuição no movimento do comércio nos últimos anos, em decorrência da crise.

 

TERRAÇO VERDE DO SHOPPING ELDORADO

Todos os dias a praça de alimentação do shopping Eldorado, na zona oeste da capital paulista, recebe milhares de consumidores à procura de cardápios diversos e pratos generosos para satisfazerem suas necessidades alimentares. São dezenas de pratos preparados a cada minuto pelos funcionários dos restaurantes e entregues aos famintos clientes, que, entre garfadas e trocas de mensagens de celular, esvaziam rapidamente seus pratos, ávidos para retornarem aos seus trabalhos. Mas, na pressa ou no desgosto, pedaços de legumes, gorduras de carne e grãos de arroz são esquecidos nas bandejas e vão para o lixo.

De miolo de pão a talo de brócolis, uma tonelada de restos de comida é jogada fora diariamente no shopping, por funcionários e frequentadores, gerando, em média, 30 toneladas mensais. A elas somam-se outras 299 toneladas de outros tipos de lixo que, até 2010, eram enviadas todos os meses a aterros sanitários. Para combater essa prática nada ecológica, a equipe do engenheiro responsável, Sérgio Nagai, começou a realizar a coleta seletiva há sete anos, reciclando quinze tipos de materiais diferentes – hoje, esse é o destino de 40% dos resíduos produzidos pelo shopping. Para resolver o problema do lixo orgânico, em 2012 iniciou-se o processo de compostagem desse material, para a produção de adubo, através do uso de uma enzima à base de turfa que permite a degradação em até dez dias – na natureza, seria necessário seis vezes mais tempo.

Mas o que seria feito com todo esse adubo? “Como tínhamos uma laje enorme (10 mil m²) que precisava ser melhor organizada, resolvemos fazer uma horta na cobertura do shopping”, conta Nagai. O projeto do terraço verde foi organizado com o apoio de uma consultoria especializada e a manutenção é feita de forma voluntária pelos funcionários do centro comercial, que, em contrapartida, colhem tudo que é plantado e levam para suas casas. Para Fábio Elias, eletricista e voluntário no terraço, “a iniciativa é muito importante, porque toneladas de material orgânico estão se tornando adubo e isso se volta em consumo”.

Parte do Terraço Verde do Shopping Eldorado. Fonte: Júlia Mayumi, 2017

Sérgio Nagai aponta que um dos maiores obstáculos para a ampliação do alcance da compostagem é a falta de consciência sustentável. “Pedir às pessoas que separem, por livre e espontânea vontade, o lixo para facilitar o nosso trabalho é um negócio bem difícil; ainda lutamos com esse problema cultural”. Uma forma encontrada pela administração para contornar essa dificuldade foi realizar visitas diárias aos restaurantes, pedindo aos funcionários que separem o lixo.

A horta no topo do shopping precisa arcar com um custo mensal de produção das enzimas, além de contar com dois funcionários fixos; dessa forma, a manutenção do projeto custa R$20 mil por mês. Nagai garante, no entanto, que o investimento vale a pena. “É uma ideia bem didática do ponto de vista do entendimento de sustentabilidade; você tem um ciclo fechado: aquilo que era comida e viraria lixo acaba produzindo um composto que torna-se alimento novamente e continua nutrindo as pessoas”. O engenheiro destaca ainda a vantagem de não utilizar queima de combustível para transportar o lixo. E afirma, com convicção: “ecologicamente, não temos dúvidas de que estamos fazendo algo melhor”.

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