Atlantique (2019), da Netflix, é o fascínio pelo oceano. As lentes que não conseguem deixar de olhar as ondas, o horizonte imenso, as possibilidades que vão além da costa senegalesa.
À beira da praia, os trabalhadores da construção de um imenso prédio de luxo estão há quatro meses sem salário. Souleiman (Ibrahima Traoré) é um deles, que mesmo apaixonado por Ada (Mame Bineta Sane), decide embarcar com os companheiros rumo à Espanha, atrás de um futuro melhor, também reservado pelo além do Atlântico.
Já Ada foi prometida em casamento a um rico pretendente, mesmo apaixonada por Souleiman. A caminhada do filme é também a caminhada de Ada, pouco questionadora, sempre passiva aos conselhos das amigas e aos desmandos da mãe, que por sua vez é passiva aos desmandos do marido.
Dentre o círculo de mulheres ao seu lado, entre belos cabelos trançados e as ondas do crespo livre com a brisa do mar, Ada é a única a alisar o cabelo, preso e cheio de grampos. Repare, pois isso não é em vão.
No dia do casamento, um incêndio. Um cômodo do casarão de Omar (Babacar Sylla), o rico pretendente, pega fogo. E o acusado? Souleiman, dado como desaparecido desde a ida ao mar. Mas mais do que isso, Ada é considerada cúmplice. E em meio ao mistério da aparição e da investigação criminal, o filme toma corpo e conduz sua história.
Atlantique é um daqueles filmes que podemos curtir só pela borda: molhar o pé, assistir a história de amor e nos divertir. No entanto, assim como o oceano, ele não foi feito para isso. A trama, a superfície, é apenas um convite para abordar outros temas, levantar discussões, pensar questões importantes, muitas vezes não tão claras. É preciso nadar para pescá-las.
O fortalecimento do espiritual; o questionamento da religião; a luta de classes; a necessidade de voltar para casa; o vislumbre por algo melhor; a importância de usar (e deixar) o passado para seguir em frente; mas principalmente, o papel da mulher e o alcance da emancipação.
Atlantique foi feito para molhar o peito, a cabeça. Daqueles que quando acaba, a sensação é de que se víssemos de novo, mais uma, duas ou três vezes, encontraríamos mais e mais camadas.
A obra da diretora Mati Diop é desafiante. Talvez não seja a mais empolgante, nem a mais inventiva, mas a profundeza dela é algo que não se vê todo dia. Vale assistir, vale pensar, vale se desafiar. Mas acima de tudo, vale mergulhar.
O longa de Diop é uma produção original Netflix, e está disponível para todos os assinantes da plataforma de streaming. Veja o trailer em:
(ao invés de Bete, agora conhecida como Eliza – o mundo dá voltas e nomes também -)
Só pra dizer que sempre me encanto com escritos de ”Lobo, Pedro” independente de contextos e que Atlantique definitivamente será adicionado a minha lista.