Devido à sua natureza glamourizada, o trabalho infantil artístico, muitas vezes, desvia da discussão sobre a exploração de crianças no mercado do entretenimento. Maquiados pela possibilidade de tornar jovens talentos em celebridades, os bastidores de produções cinematográficas passam despercebidos enquanto atores juvenis se adaptam à exposição midiática, que traz consigo a pressão de ter de se adequar aos padrões esperados de uma figura pública.
Casos internacionais
Judy Garland foi uma atriz e cantora estadunidense que ganhou notoriedade mundial ao protagonizar O Mágico de Oz (The Wizard of Oz, 1939). Vinda de uma família de artistas, estreou nos palcos de teatro aos 2 anos de idade com o The Sisters Gumm, grupo de canto e dança formado por Garland e suas irmãs.
Judy foi precocemente introduzida ao consumo de drogas. Com uma prescrição criada por sua mãe e por Louis B. Mayer, fundador dos estúdios Metro-Goldwyn-Mayer, a estrela tomava inúmeras quantias de anfetamina para que pudesse emagrecer e acompanhar o ritmo agressivo das gravações hollywoodianas — vício que tirou sua vida aos 47 anos, vítima de uma overdose.
O destino da atriz é similar com o de outros artistas juvenis do ramo. Cercados pela exploração de suas imagens por diversas mídias de comunicação, possuem sua privacidade invadida pelas manchetes sensacionalistas de portais de entretenimento. Quando esse assédio não é contido pelo cuidado parental, a experiência de trabalhar no show business pode se tornar ainda mais traumática.
Ariel Winter, por exemplo, é uma atriz norte-americana famosa por participar do seriado Modern Family (2009). Aos seus 14 anos, a guarda de Winter foi transferida para sua irmã mais velha após seus pais serem acusados de abuso físico e psicológico. “Tem sido bem triste para mim, mas ao mesmo tempo é bem melhor, emocionalmente e fisicamente, ficar sozinha e ter um lar mais seguro e um sistema de apoio familiar melhor”, declarou em uma entrevista de 2016 para o programa The Ellen DeGeneres Show.
Para Breno Volpini, psicólogo da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), as crianças celebridades têm um tratamento diferente por aparecem nas grandes mídias. “Se a família compreender o trabalho como um momento que pode ou não vir a ser a profissão e a vida dessa criança no futuro, assim como é uma brincadeira, ou como são os anos da escola, essa experiência pode ser mais saudável”, declara o entrevistado. “A família investe tempo e dinheiro nas brincadeiras. E no trabalho da criança que é atriz ou ator também é assim, deve ser levado à sua importância, tem suas complexidades, responsabilidades e deve ser visto desse modo”.
Celebridades juvenis e o conteúdo para internet
Sabe-se que, desde os anos 2000, a influência das redes sociais na vida de personalidades públicas só cresceu ao decorrer do tempo. Vítimas de um grande holofote, a toxicidade apresentada pelos seguidores é dificilmente contida. Quando se é jovem, crescer dentro de uma indústria que oferece uma forte pressão para que você se encaixe nos padrões criados para membros do mercado do entretenimento pode gerar algumas consequências para sua saúde.
Karol Lannes fez sua primeira aparição televisa em 2006, num especial do programa Zorra Total. Conhecida por interpretar Ágatha na telenovela Avenida Brasil (2012) e dar vida à versão juvenil de Marcelina no longa Minha Mãe É Uma Peça (2012), a atriz afirma que, quando iniciou sua carreira, ela enxergava tudo como um divertimento: “era muito bom, eu gostava daquilo e as pessoas gostavam do que eu fazia. Foi tudo muito natural”.
A sensação de lazer fez com que Lannes compartilhasse bons momentos ao lado de Paulo Gustavo, ator e humorista que faleceu em março de 2021 devido à Covid-19. “Eu gostava de sentar pra conversar enquanto ele virava a Dona Hermínia, então trocamos bons diálogos. Uma pessoa muita iluminada e alegre”.
Ao contrário de Judy e Ariel, sua relação familiar foi bastante positiva para sua trajetória. Seu pai, formado em Rádio e TV, foi o principal motor para que Lannes conhecesse o meio artístico. Com seu auxílio, ela pôde entrar em agências de São Paulo e do Rio de Janeiro, onde começou a fazer audições para novelas. “Ficávamos nesse bate-volta de ir pro Rio. Seis horas de carro quando tinha teste, porque eu não tinha dinheiro pra pagar passagem de avião”.
Atualmente, também cria conteúdo para o Instagram, no qual possui mais de 300 mil seguidores. “Meu pai não deixou eu ter redes sociais até meus 13 anos. Às vezes eu via algumas matérias na internet sobre mim, mas ele nunca deixava eu me atentar a isso”, declarou em entrevista para a Jornalismo Júnior.
No entanto, a falta de privacidade passou a se tornar um problema a partir de sua adolescência. “Tudo da minha vida virou uma curiosidade e eu tive que aprender a lidar com isso. No início, eu sofri muito, porque todas as pessoas tinham expectativas para o que eu ia ser, e muitas delas não foram correspondidas”.
Assim, a atriz precisou se acostumar com as opiniões formadas sobre sua pessoa. Não era incomum que manchetes sensacionalistas abordassem questões de sua vida pessoal, como a sexualidade e o corpo da artista. Tal fator é algo que persegue as celebridades. Em busca de visualizações, portais publicam notícias superficiais sobre figuras em evidência, as quais acabam por perder o controle de seu dia a dia e passam, de forma repentina, a lidar com o ônus da fama.
“É importante não vender a imagem de uma criança ou adolescente como de “futuro promissor” porque coloca sobre o sujeito uma responsabilidade de continuar seguindo e ter um tal desempenho”, aconselha Volpini. “Deve-se ter atenção quanto à sexualização infantil ou adolescente, não fazer reportagens com fotos sensuais ou perguntas que dizem respeito à sua vida sexual”.
Outro caso é o de Lindsay Lohan, atriz norte-americana que assistiu à sua radicalização pela mídia. Tida como uma das revelações dos anos 2000, conforme seu amadurecimento, tabloides vendiam o status de ‘ascensão em queda’, criando uma abusiva relação para com a artista. Seus problemas com o alcoolismo e as drogas foram explorados e expostos, e a intensa cobertura de questões individuais contribuíram para uma degradação de sua personalidade pública.
De modo semelhante à Karol, Alanys Santos também compartilha seu cotidiano com seus 914 mil seguidores no Instagram. Conhecida por seu papel como Paola na telenovela As Aventuras de Poliana (2018), a atriz de 17 anos diz que era muito insegura com seu trabalho. “Sempre tive uma veia artística, mas nunca acreditei no meu potencial. Minha mãe me motivou e graças a ela eu estou aqui hoje”, afirmou para a Jornalismo Júnior.
Dona de uma plataforma com grande visibilidade, Alanys já foi vítima de comentários maldosos na internet: “antes, quando eu via uma crítica, eu já achava que eu não era boa o suficiente”. A artista declara que, no início, ela chegava a responder os usuários tóxicos, mas, com o tempo, aprendeu a conviver com tais obstáculos. “Eu vi que aquilo acrescentaria nada em minha vida e eu simplesmente parei de dar atenção”.
Corpo e mente x redes sociais
“Diz-se que é para manter uma proximidade com o público, mas sendo sincero, quem consegue dialogar com seu ídolo na rede social?”, indaga o psicólogo, “talvez essa não seja realmente a função da rede”.
É notório que, alvo de muitas expectativas, o ator pode se submeter a atitudes que provocarão sérias consequências para sua estabilidade mental. Caso lançado ainda jovem na indústria do entretenimento, os danos para sua autoestima se manterão de forma a causar traumas se o artista não receber o suporte necessário para combater os sabotadores.
A pressão estética, por exemplo, para que as celebridades possam se manter e ser aceitas na mídia é um ponto lembrado por fãs, haters e portais de comunicação. Alanys lembra que, mesmo tendo um corpo considerado padrão pela sociedade, comentários de pessoas que se diminuem por não atenderem aos modelos de beleza celebrados pela nação a machuca. “Dói muito quando vejo alguém falando que queria ser igual a mim”, lamenta. “Apesar de receber propostas, não tenho vontade nenhuma de trabalhar com empresas de produtos de emagrecimento, acho que contribui muito para as pessoas que não se aceitam”.
Além disso, ela afirma que, quando era modelo aos 8 anos, já presenciou cenas em que pais reduziam seus próprios filhos, restringindo-os até mesmo de se alimentar. “Os adultos precisam parar e olhar, porque a infância mexe muito com a cabeça da pessoa a vida toda”.
Assim, é necessário que a figura pública saiba quando dar um passo para trás. Tratando-se de jovens, principal consumidor das redes sociais, o apoio de pessoas íntimas e profissionais para poderem se distanciar da alta visibilidade destinada àqueles que trabalham com o ramo artístico é essencial para que possam preservar sua autoconfiança. “A psicoterapia aqui também é um bom serviço para trabalhar a relação do sujeito consigo, seu trabalho e o público”, confirma Volpini. “É importante separar a sua vida pessoal da que ela interpreta profissionalmente”.
Para não ocupar a mente, Karol Lannes diz que, após publicar algum conteúdo, fica por volta de uma hora em torno da postagem: “eu apago todos os comentários ruins e nem procuro meu nome no Google. Eu me desliguei o máximo que eu podia de querer saber o que as pessoas estão falando de mim”. Alanys Santos, por sua vez, diz ser uma pessoa muito mais artística do que influenciadora. “Quando eu fico mal, eu simplesmente fecho meu Instagram por três dias e não abro”.
Futuro para a arte juvenil
Ambas as atrizes contribuem para a construção de uma mídia do entretenimento mais sadia para aqueles que trabalham no ramo. Com suas carreiras iniciadas ainda cedo, Karol e Alanys sabem como é ter que assistir à formulação de opiniões sobre como devem viver suas juventudes. No entanto, devido também ao apoio daqueles ao seu redor, aprendem diariamente a não se importar com críticas em relação a suas carreiras e aparências.
A luta das atrizes para a defesa da liberdade de suas personalidades inspira talentos da nova geração. “Quando eu era menor, havia poucas pessoas parecidas comigo na televisão”, declara Alanys. “Ver que as crianças e adolescentes estão tendo isso cada vez mais, e eu sou um símbolo disso, me faz muito feliz, é uma responsabilidade muito grande”.
Com a gradativa redução da toxicidade das redes proporcionada por celebridades que levantam e defendem a preservação de um ambiente de trabalho mais confortável, atores juvenis adentram um espaço acolhedor da mídia contemporânea enquanto respeitam seus próprios limites. Afinal, como ressalta Breno Volpini, “devemos ter o entendimento de que nosso corpo é um só, é uma unidade, não está separado em corpo e mente, a mente é parte do corpo assim como qualquer outro órgão. Saúde mental também é saúde”.