Jornalismo Júnior

Generic selectors
Exact matches only
Search in title
Search in content
Post Type Selectors
Generic selectors
Exact matches only
Search in title
Search in content
Post Type Selectors

“Brasil 50 – retratos de uma Copa do Mundo além do Maracanazo”: uma perspectiva diferente sobre o primeiro torneio mundial realizado no Brasil

Livro conta histórias e carreiras de diversos personagens envolvidos na primeira Copa do Mundo realizada no Brasil

Por Breno Marino (brenomarino2005@usp.br)

“Pai, você viu? Conseguimos de novo. Calamos um país inteiro, como no Maracanã”. A frase, dita por uma criança uruguaia na Copa do Mundo de 2010, após a vitória sobre Gana nas quartas de final, foi o ponto de partida que fez o jornalista espanhol Toni Padilla produzir um livro a respeito da competição mundial realizada em 1950, que culminou no segundo título do Uruguai em pleno território brasileiro.

A obra contempla as mais diversas visões a respeito da Copa do Mundo de 1950, partindo da descrição da carreira e vida de personalidades envolvidas no torneio, em 40 capítulos (perfis). Para os amantes de futebol, o livro de 294 páginas é de fácil leitura e nos mostra uma realidade distante do mundo atual.

O retrato de uma copa imperfeita

“O Maracanã só pôde ser completamente terminado anos depois; das 16 equipes que deveriam participar, só 13 chegaram”

Toni Padilla

Mesmo antes da realização das partidas, a Copa do Mundo de 1950 já era uma bagunça. De forma clara e didática, Padilla descreve as condições estruturais e organizacionais da competição e dos estádios brasileiros. Figuras como o então prefeito do Rio de Janeiro, Ângelo Mendes de Moraes, e o italiano Ottorino Barassi, dirigente mandado ao Brasil para auxiliar na organização, são retratadas no livro.

Além do caráter esportivo, o livro nos mostra de forma objetiva como a política interferiu tanto na organização da Copa quanto na participação de determinados indivíduos. Em determinados casos, técnicos não podiam convocar alguns atletas devido a posição política distinta do governo, além de políticos brasileiros terem usado a competição para fazerem campanha pessoal.

Com seleções desistindo da participação na competição e estádios não terminados, o torneio tinha tudo para ser um fiasco. Porém, durante a leitura, percebemos o forte impacto emotivo que essa copa teve, não só nos campeões e derrotados, mas em outros personagens e nações.

A esperança de um futuro melhor

Cinco anos depois do fim da Segunda Guerra Mundial, países de todo o mundo ainda sofriam as consequências desse desastre humanitário. Nações estavam quebradas financeiramente, sociedades estavam separadas ideologicamente, governos autoritários estavam em ascensão e, em meio a isso tudo, o esporte representava um respiro e uma realidade “à parte”. Na obra, lemos a respeito de diversos jogadores que lutaram na guerra e viveram todo o horror que o conflito proporcionou, e depositaram todas as suas fichas em seus maiores sonhos: o futebol.

“O costume brasileiro de soltar rojões durante os jogos causou pesadelos em muitos desses jogadores, que se lembraram do estrondo das bombas sobre Guernica, Londres ou Belgrado”

Toni Padilla

A Espanha, em meio ao governo ditatorial de Francisco Franco, foi um grande exemplo de como o esporte trouxe alegria a um povo em cinzas do pós-guerra e sem liberdades. Mesmo com um quadrangular decepcionante, a quarta colocação representou um marco histórico ao país, que só foi ultrapassar o feito em 2010, quando conquistou a competição. 

O “Maracanazo”

Automaticamente, ao pensarmos na Copa do Mundo de 1950, o “Maracanazo” é o principal episódio que nos vem à mente. No dia 16 de Julho de 1950, foi disputada a última rodada do quadrangular final da Copa do Mundo, em partida que valia o título, entre Brasil e Uruguai.

Desde o início da competição, a seleção brasileira era tida como a principal favorita à conquista do título, seja pela qualidade técnica ou por serem os “donos da casa”. Com exceção feita ao jogo contra a Suíça, a seleção canarinho havia goleado todos os seus adversários na competição, enquanto a seleção uruguaia, pior tecnicamente, apostava muito no jogo físico, mas não convencia. Para ser campeão, o Brasil necessitava de, no mínimo, um empate. Quase 200 mil torcedores, um recorde na história das copas e público inimaginável nos estádios modernos atuais, presenciaram uma virada histórica do Uruguai, que venceu o confronto por 2 a 1 e levou a taça. 

Gol de Schiaffino permitiu, logo depois,  a virada uruguaia, com o gol de Ghiggia [Reprodução/Wikimedia Commons]

Padilla parte de vários ângulos para descrever a dura derrota dos brasileiros e o inimaginável triunfo uruguaio em pleno Maracanã. É interessante notar a ênfase dada ao silêncio que a perda da competição causou a todo o Brasil, como uma peça trágica, seja pela perspectiva de jogadores brasileiros ou uruguaios.

Por mais triste que tenha sido para os anfitriões, a obra faz questão de ressaltar a felicidade, perseverança e fé dos uruguaios na conquista do título. Figuras como Obdulio Varela, capitão daquele Uruguai, e Juan López, técnico da seleção campeã, são muito bem descritas.

“Se ganhamos, foi um milagre. Eles nos fuzilaram. Se jogássemos 100 vezes um jogo assim, ganharíamos só aquele”

Obdulio Varela (“Negro Jefe”)

Outras histórias

Além desse fatídico episódio e da descrição do contexto mundial em que ocorreu a competição, Padilla, partindo dos perfis das personalidades envolvidas, descreve outros acontecimentos marcantes. A Inglaterra, por exemplo, disputava sua primeira competição mundial. O país britânico chegou a competição como uma das seleções mais fortes, mas teve como fim decepcionante uma derrota histórica para o jovem e amador Estados Unidos. Outros exemplos que podem ser citados são: a campanha surpreendente da Suécia, o empate suiço com o Brasil, a chegada da Itália na copa (esfacelada pela guerra e pelo acidente de Superga, em 1948), entre outros. 

Um amadorismo persistente

Durante a leitura da obra, pode-se perceber uma certa dualidade existente em todos os atletas e pessoas descritas, envolvidas na competição: enquanto praticavam o esporte que amavam, tinham que ter um outro trabalho. Salvo raras exceções, grande parte dos jogadores não viviam apenas do futebol, e tinham que ter um segundo emprego para conterem suas despesas pessoais. O esporte ainda não havia se profissionalizado até a Copa de 50 e apenas jogadores de grandes clubes do mundo recebiam um salário justo. 

Dessa maneira, o jornalista espanhol retrata de forma brilhante o aspecto de superação que grande parte dos atletas viveram ao longo de suas carreiras, influenciadas ou não pela competição realizada no Brasil. Um dos interessantes exemplos citados no livro é o da seleção sueca, terceira colocada na competição e que contava apenas com atletas amadores.

A Suécia contava com George Raynor, treinador inglês, vice campeão do mundo duas copas depois, em 1958 [Reprodução/Wikimedia Commons]

A competição realizada no Brasil mudou a vida de muitos jogadores, a partir de seu desempenho individual. Vários jogadores retratados na obra assinaram contratos com grandes clubes, que lhes asseguraram um bom salário, após o torneio. Aos poucos, o amadorismo do esporte foi desaparecendo. 

A obra cumpre perfeitamente seu papel em retratar tanto o contexto vivido antes, durante e após a Copa do Mundo de 1950, quanto o de realçar a importância e vida de atletas, técnicos, políticos e diretores que marcaram a competição. A leitura do livro de Toni Padilla é extremamente agradável, leve e altamente recomendável a todos que gostam de futebol ou se interessam em descobrir mais sobre uma realidade passada, que jamais voltará. 

*Foto de capa: [Acervo Pessoal/Breno Marino]

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Rolar para cima