Um filme que consegue comover ao mesmo tempo que gera sensação de desconforto. Temas como negligência e abandono de menores permeiam toda a narrativa e fazem o espectador sair da sala de cinema com diversos questionamentos. Típica história que extrapola as telas, Cafarnaum (Capharnaüm, 2018) pode ser descrito como sucessivos socos nos estômago.
O longa acompanha a vida de Zain (Zain Al Rafeea), garoto de aproximadamente 12 anos que está preso e processa seus pais por terem o colocado no mundo. As cenas iniciais se passam em um tribunal de justiça e, pouco a pouco, quem assiste é convidado a conhecer mais a triste história do menino.
É muito difícil encontrar um adjetivo que consiga descrever a atuação de Zain Al Rafeea. O garoto consegue entregar tudo o que seu personagem exige da maneira mais verossímil possível. Para isso utiliza uma gama de emoções, todas condizentes com o contexto em que está inserido. De tristeza à raiva, cada expressão em seu rosto consegue comover e convencer o espectador. É, com toda a certeza, o grande destaque do filme.
Não é muito difícil sentir empatia pelo protagonista. O sentimento de querer ajudá-lo a cada instante pode ser algo recorrente. O ambiente em que vivia era extremamente abusivo, com pais negligentes e violentos. Moradores de um cortiço em situação precária, a família é dependente de um homem que possui um pequeno mercado, para o qual seus filhos trabalham.
O estopim que leva Zain a fugir de casa é a venda de sua irmã, Sahar (Haita ‘Cedra’ Izzam), para casar com o dono do mercado, um homem bem mais velho. A relação entre os irmãos é muito delicada e bem construída. É perceptível que o garoto se importa muito com a segurança da menina, fazendo de tudo para protegê-la. Esse assunto é retomado mais para frente no filme, aparecendo para concluir o enredo e ligar alguns pontos que até então estavam em aberto. A discussão acerca do casamento infantil fica nítida, uma vez que esse ainda é um problema frequente tido como normal por algumas culturas.
Após a fuga, passa a viver nas ruas e acaba conhecendo Rahil (Yordanos Shiferaw), moça que trabalha no restaurante perto de um parque de diversões. Ela o leva para sua casa e passa a cuidar dele junto com seu filho. A partir daqui a narrativa caminha para mostrar os diversos problemas que Rahil e Zain passam a enfrentar, como o fato da moça não possuir visto e seu bebê, Yonas (Boluwatife Treasure Bankole), não ter certidão de nascimento. A relação do protagonista com o bebê é uma das mais bonitas que o filme apresenta, pauta no zelo e no cuidado, mesmo no ambiente adverso e hostil.
Todos os cenários retratam, de maneira fria, as condições desumanas e precárias às quais as crianças vivem. Em casas que parecem escombros, em ruas repletas de miséria, na prisão para menores de idade. Nesse quesito, a fotografia tem papel muito relevante. O longa é todo visto sob a ótica de tons acinzentados e fracos, o que combina com a atmosfera da narrativa.
Cafarnaum é o retrato de uma realidade vivida por muitas crianças ao redor do mundo sem direito a uma vida digna. É impossível chamar que Zain vivia, o termo mais apropriado seria sobreviver. A diretora libanesa, Nadine Labaki, conseguiu captar, paradoxalmente, a história de maneira crua e comovente. Grande destaque no Festival de Cannes, promete trazer aos holofotes assuntos de cunho importantíssimo de serem discutidos e pensados.
O filme estreia dia 17 de janeiro. Confira o trailer aqui:
por Marcelo Canquerino
marcelocanquerino@gmail.com