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Capitão Nascimento: a construção de um herói brasileiro

As intenções do diretor José Padilha na construção do personagem interpretado por Wagner Moura foram diferentes das interpretações feitas por parte do público, algo sintomático em nossa sociedade

Tropa de elite foi lançado em outubro de 2007 e desde então tornou-se um dos maiores sucessos do cinema nacional. Conta com a marcante atuação de Wagner Moura, a brilhante direção de José Padilha e uma das trilhas sonoras mais inesquecíveis da história. O filme retrata a violência urbana presente no estado do Rio de Janeiro por meio das ações do Batalhão de Operações Policiais Especiais da Polícia Militar (BOPE). 

Muitos são os motivos que explicam o sucesso do longa, mas a presença do Capitão Nascimento como personagem principal é, sem dúvidas, uma das marcas mais fortes do filme. As falas do policial passaram a ser reproduzidas por grande parte do público e a figura do capitão passou a ser associada com a imagem de um herói que simbolizaria os ideais nacionais. 

Esta associação, por um lado, representa uma grande problemática em nossa sociedade. O personagem interpretado por Wagner Moura apresenta uma instabilidade relacionada à saúde mental, além de personificar uma polícia extremamente violenta, comum no Brasil. Transformá-lo em um herói pode significar uma aceitação e naturalização, por parte de alguns, destes ideais conservadores e violentos, algo extremamente negativo para uma vida em coletivo tão diversificada em nosso país.


Tropa de Elite e seu paralelo com o presente

A verossimilhança de Tropa de Elite com a realidade brasileira, principalmente carioca, é um aspecto que evidencia a sua qualidade como obra cinematográfica e, ao mesmo tempo, se torna tão impactante. O filme de José Padilha foi baseado no livro Elite da Tropa (2006), escrito pelos ex-policiais Rodrigo Pimentel e André Batista junto do antropólogo Luiz Eduardo Soares. Apesar da ficcionalidade da obra, como em Cidade de Deus, romance de Paulo Lins, o livro Elite da Tropa precisou de muitos estudos sociológicos e antropológicos relacionados ao tráfico e a segurança pública do Rio de Janeiro, além dos relatos feitos pelos co-autores policiais.

Cena de Tropa de Elite 2.  [Imagem: Divulgação/Universal]

Assim como o livro de Rodrigo Pimentel, André Batista e Luiz Eduardo Soares, o filme Tropa de Elite também evidencia uma faceta extremamente violenta do Brasil, a qual se tornou cotidiana na cidade carioca. De acordo com Padilha, o cinema brasileiro, assim como Hollywood, representava a violência, em sua grande parte, relacionando-a exclusivamente aos bandidos, algo que o próprio diretor queria afastar. Inspirado no romance Elite da Tropa, o filme conseguiu desmistificar a visão de que todos os policiais são bons e honestos, evidenciando a grande violência que estes também praticam.

Infelizmente, a realidade apresentada em Tropa de Elite ainda é muito atual. Cada vez mais, ações policiais nas favelas produzem assassinatos e chacinas, que batem recordes no número de mortos. De acordo com o Instituto Fogo Cruzado, de 2020 para 2021 o número de chacinas cresceu de 44 para 61 e, ao mesmo tempo, o número de mortos também cresceu de 170 para 255. Além disso, ações policiais foram responsáveis por 3 mortes a cada 4 nas chacinas ocorridas. Estes dados evidenciam que a violência ainda está muito presente na contemporaneidade, e que a heroicização de personagens como o Capitão Nascimento é um retrato de um ideal muito problemático disseminado na população.

Quando o vilão se torna herói

Inicialmente, a ideia de José Padilha não era apresentar o Capitão Nascimento como personagem central da obra. Matias, personagem interpretado por André Ramiro, seria o protagonista do longa representando um policial que seria corrompido pelo sistema militar do Rio de Janeiro. A mudança foi feita após o início das gravações, quando a produção do filme nota o carisma de Wagner Moura. As cenas em que o personagem interpretado pelo artista aparecia capturavam a atenção da produção que, ao perceberem esse fato, decidiram transferir o polo principal da história ao capitão do BOPE.  

O carisma do personagem também conseguiu rapidamente conquistar o público. Frases como: “pede pra sair!”, “missão dada, parceiro, é missão cumprida”, “se é pra cair, vamos cair atirando”, “bota na conta do papa” e tantas outras passaram a fazer parte do vocabulário popular. Além disso, essas frases fizeram com que a popularidade tanto do filme quanto do protagonista, que já estavam em ascensão, apresentassem um crescimento ainda maior. 

Wagner Moura como Capitão Nascimento. [Imagem: Divulgação/Universal]

Segundo Eduardo Morettin, professor do Departamento de Cinema, Rádio e Televisão (CTR) da Escola de Comunicações e Artes (ECA) da USP e diretor do CINUSP “Paulo Emílio”, o sucesso inicial do filme se dá em razão da disseminação de uma cópia de DVD pirata que passa a ser consumido por grande parte da população. Além disso, o pesquisador aponta a qualidade cinematográfica da obra como um todo e destaca a brilhante atuação de Wagner Moura que realiza uma imersão no personagem atribuído a si (mesmo que não concorde com as ações e ideais do capitão). 

A popularidade de Tropa de Elite e do personagem de Wagner Moura foi tanta que diversas interpretações e feedbacks sobre o filme se propagaram de maneira rápida. Uma grande parte do público não entendeu a crítica estabelecida pelo longa-metragem à segurança pública e ao policiamento nas favelas, simplificando o enredo que foi apresentado. A ideia dicotômica, na qual considera os policiais bons e os bandidos ruins, foi muito difundida, algo negativo ao filme, posto que Padilha tinha intenções completamente distintas.

A partir destas interpretações simplistas, a imagem de Capitão Nascimento começou a ser vista como um herói. De acordo com Morettin, está heroicização do personagem se deu por conta do contexto em que o Brasil vivia e a construção do enredo em Tropa de Elite: “Então o filme, por um lado, mobiliza dramaticamente certas questões, mas ao mesmo tempo age em sintonia ao imaginário de um público conservador que entende que bandido deve ser morto.”

Capitão Nascimento durante ação. [Imagem: Divulgação/Universal]

Morettin complementa que parte deste imaginário e desta heroicização também se deu por conta de uma espetacularização da violência promovida pelo filme. Ele diz que as cenas de troca de tiro e a edição rápida contribuem para a perpetuação de valores ligados a um “paradigma do filme de ação”. Neste sentido, Morettin acredita que estas escolhas feitas pelo diretor fazem com que o público tende a escolher um lado entre bandidos e policiais, além de interpretar a violência como algo necessário, justificado.

Nota-se que na época em que o filme foi lançado, a questão acerca da heroicização do protagonista foi abordada por parte da mídia. Setores e produtos midiáticos que apresentavam, em geral, um caráter mais conservador glorificavam a imagem de um policial que matava e torturava. Enquanto aqueles que apresentavam um teor progressista questionavam a popularidade do Capitão Nascimento e a significação de tornar essa figura um representante dos valores morais de uma nação.

Capa da Carta Capital. [Imagem: Divulgação/Carta Capital]
Capa da Veja em Novembro de 2010 [Imagem: Divulgação/ Veja]

Deste modo, a proposta inicial do filme não foi amplamente captada. A violência evidenciada no longa metragem contribuiu para o entendimento de que ela seria a única solução para os problemas sociais enfrentados pelo país e para a disseminação de uma aparente sensação de justiça conquistada a partir das ações policiais. Este fenômeno pode estar relacionado com as escolhas do diretor e com o contexto social da época, como diz Eduardo, assim como um certo costume do povo brasileiro com cenas de agressão e com a condenação do crime como algo inaceitável, que deve ser extinguido “a qualquer custo”. 

Tropa de Elite tornou-se um dos maiores clássicos do cinema brasileiro e retrata uma realidade, infelizmente, ainda presente no Brasil. A direção de José Padilha, apesar de dar margem a heroicização do personagem Capitão Nascimento, é feita de forma excepcional e consegue captar com excelência os problemas e a extrema violência presentes na polícia do Rio de Janeiro, sem deixar de lado os dilemas que são vivenciados diariamente pelos próprios policiais. A obra ganhou o Urso de Ouro de melhor filme em fevereiro de 2008 pela qualidade de sua produção. 

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