Jornalismo Júnior

Generic selectors
Exact matches only
Search in title
Search in content
Post Type Selectors
Generic selectors
Exact matches only
Search in title
Search in content
Post Type Selectors

Carissa Moore: 10 anos do título mundial de surf e a relação com a cultura havaiana

A trajetória da surfista do Havaí e o legado das ilhas com o esporte milenar.

Em 2011, aos 18 anos, a havaiana Carissa Moore conquistou seu primeiro campeonato mundial no surf e sagrou-se a surfista mais jovem, entre homens e mulheres, a conquistar o título. 

A jovem, natural de Honolulu capital do Havaí,  iniciou sua vida no surf aos cinco anos de idade quando acompanhava seu pai nas ondas do arquipélago. Até os 12 anos, o esporte era apenas um passatempo, quando então, passou a competir profissionalmente e logo conquistou 11 títulos nacionais e venceu o título mundial júnior da Associação Internacional de Surf

https://www.instagram.com/p/BVf2F8_HRr0/

Aos 17 anos, em 2010, Carissa participou, pela primeira vez, da World Surf League (WSL) principal competição da modalidade e conquistou marcas impressionantes ao vencer duas etapas e terminar o campeonato em terceiro lugar. Sua estreia demonstrou os talentos e habilidades de uma jovem atleta que iniciava sua carreira na elite do surf, e anunciou o que viria pela frente.  

Alexandre Gondim

Segundo Alexandre Gondim fotojornalista, colunista de surf no Jornal do Commercio, e também atleta de surf —, Carissa possui um grande diferencial que outras atletas não têm: sua terra natal. “Ela se destaca muito pela condição que foi criada no Havaí… desde pequena acostumada com ondas fortes, ondas de consequência, ondas tubulares, e ondas gigantes. Nem todas as meninas que competem a WSL surfam bem Pipeline, ela surfa”, comenta Alexandre. 

 

O Havaí é um dos locais que possui as maiores ondas do mundo, tanto pelo isolamento geográfico das ilhas. A falta de barreiras em seus  entornos faz com que, a água não perca velocidade e as ondas cheguem à costa com muita força; como pela grande diferença de profundidade entre o oceano e a região costeira, ocasionando ondas gigantes em razão da transição brusca. 

Entre elas está a Pipeline, uma onda tubular considerada das mais perigosas do planeta, devido a sua altura e sua forma violenta de quebrar que forma os famosos “tubos”. Além disso, o local de arrebentação ocorre em uma região cercada de pedras e recifes, que costuma causar sérias lesões aos atletas.  

https://www.instagram.com/p/CKiaJprBKoT/

Essas condições em que Carissa treinou desde muito pequena refletem em suas atuações. Um ano depois, em sua segunda aparição na World Surf League, a havaiana venceu três das etapas do torneio ao longo do ano e ao final da temporada levou o troféu da competição. 

Carissa desbancou a australiana Stephanie Gilmore que ganhara o torneio nos últimos quatro anos e é uma das maiores vencedoras da história do circuito, com sete títulos. Com 18 anos, a havaiana foi a surfista mais jovem a ganhar o Women’ s Championship Tour da WSL, posto antes ocupado pela americana Freida Zamba, que em 1994 venceu a competição com 19 anos. 

Depois do primeiro título, Carissa Moore venceu ainda mais três anos, tornando-se tetracampeã da WSL em 2019. Na atual temporada , até a parada para os Jogos Olímpicos de Tóquio, a atleta lidera o circuito feminino com grandes vantagens de pontos sobre as colocadas seguintes. 

A média de pontos por bateria da havaiana  também é um fator impressionante. Carissa tem uma média de  14,34 por bateria disputada. É a maior entre as pontuações femininas e de que a média do primeiro surfista do ranking masculino, o brasileiro Gabriel Medina, demonstrando a dominância de Carissa no circuito. 

Para Alexandre, Carissa atualmente é a surfista mais preparada em atuação no circuito. “Ela é a única que realizou um aéreo até hoje em competição. Em qualquer condição de mar, eu vejo ela como franca favorita. Se ela estiver no seu melhor dia é muito difícil ganharem dela”, completa o jornalista. 

Nas quartas de final da segunda etapa do circuito de 2021, que ocorreu em Abril na Austrália, Carissa realizou um aéreo reverse estilo de manobra que o surfista decola da onda com a prancha nos pés considerado o maior realizado até então no feminino, lhe rendeu uma nota quase perfeita : 9,90 pontos de um máximo de 10.

Carissa Moore title
Carissa Moore comemorando o tetracampeonato da WSL [Imagem: Kelly Cestari/WSL]


O esporte dos reis: o surfe na cultura havaiana

A vitória de Carissa em 2011 não foi apenas uma conquista individual para a surfista, mas representou a volta do Havaí para o cenário mundial do surf. A última conquista do arquipélago ocorreu em 2004 com o surfista Andy Irons, e na categoria feminina, desde 1981 o Havaí não chegava ao título. 

Alexandre Gondim analisa que a vitória foi muito importante para elevar novamente a autoestima dos havaianos, e com Carissa, o resultado foi ainda melhor. Ele comenta que a maneira que ela surfa, não resta dúvidas de que a conquista não foi apenas pela pontuação, mas pelo show de performance apresentado e categoria. E ainda finaliza dizendo: “ E também foi ótimo porque veio enfatizar e mostrar ao mundo, principalmente ao machismo havaiano, que as meninas vieram para mudar o panorama do esporte”.

O Havaí é a referência internacional no surf, o jornalista afirma que, independente da nacionalidade, todo surfista que inicia a prática tem as ilhas como um modelo e se inspira nos grandes ídolos do passado, que são de lá: “É lá onde a cultura do surfe se faz respirar”.

E toda essa relação do esporte com as ilhas não se refere apenas à presença de grandes surfistas e ondas famosas, mas remonta a antigas tradições milenares.  Presente para o grande público nas animações de Lilo & Stitch (2001) ou nas fotos paradisíacas de cartões postais, o mundo conhece o Havaí como a terra do surfe. Assim como as praias cristalinas, os vulcões tropicais, e a estética florida, esse esporte é símbolo do arquipélago e o maior representante da cultura local.  

A história do surfe data muito antes da chegada dos europeus, ela constituía a cultura dos nativos das ilhas havaianas desde os descendentes polinésios. Na típica relação entre o homem e a água, o surf, para eles, estava relacionado ao ato de “domar” o mar, e enfrentar o imenso horizonte azul desconhecido.

Diamond Head, O’ahu, Havaí
Diamond Head, O’ahu, Havaí [Imagem: Wikipedia]
O esporte era diretamente ligado à realeza local, sendo por vezes referenciado como “o esporte dos reis” por ser uma representação simbólica de poder, serenidade, comando e, acima de tudo, coragem. O jovem para se tornar rei tinha que provar a coragem surfando.  A prática era uma forma de legitimação hierárquica nas tribos: as pranchas e as ondas surfadas eram determinadas com base na posição social.

Com a chegada dos ingleses às ilhas e a posterior invasão e anexação americana, o surf,  em conjunto com as demais tradições locais, perderam espaço. Em 1900, o Havaí não era mais um Estado independente, o que causou a desvalorização do esporte, que se perdia cada vez mais em meio à nova ética capitalista de trabalho e produtividade.

Nativos com canoas em Honolulu, Havaí
Nativos com canoas em Honolulu, Havaí [Imagem: Wikimedia]
A partir daí, o arquipélago constantemente sofreu com a interferência externa, e se tornou um centro militar americano a partir da construção de Pearl Harbor, além de um destino para imigrantes de todo o mundo. Americanos, japoneses, portugueses, chineses e outros que passaram a ocupar as terras havaianas, apesar de terem trazido grande diversidade cultural e miscigenação, ofuscaram as tradições de séculos das tribos nativas.

Foi nas primeiras décadas do século XX que a maré virou. Duke Kanahamoku, nascido em Honolulu, assim como Carissa Moore, se tornou um grande expoente do esporte e fez contribuições enormes para popularizá-lo no mundo. Tendo também ganhado três medalhas  olímpicas de ouro e duas de prata na modalidade de natação, o “pai do surfe moderno” viajou à Califórnia e Austrália para apresentar a prática ao mundo, que foi se tornando um grande sucesso.

Já com o legado deixado por Kahanamoku, sensações do Pop/Rock dos anos 60 como The Beach Boys ajudaram a consolidar o esporte na cultura moderna e associá-lo a uma imagem de algo jovial e cool

Mesmo havendo uma certa desvirtuação da essência do esporte nessa transposição para o popular afinal, o surfe era uma prática associada às realezas e à uma cultura bem local e tradicional, sem pretensões globais, turísticas ou comerciais essa retomada foi um elo de reconexão dos havaianos ao esporte, tendo este, a partir de então, progressivamente se tornado novamente um símbolo da cultura local.

Hawaii
Surfistas no Havaí [Imagem: WordPress]
A filosofia do esporte de representar algo natural e desapegado, como descreve o surfista Alexandre: “Acordar cedo, respirar, exercitar todos os músculos do corpo, receber o iodo e a vitamina D do Sol”, é um reflexo da beleza natural do arquipélago e uma retomada direta dos costumes pré-ocidentais, o que torna a prática muito especial para os havaianos e com uma identificação muito forte.

Nesse intuito de perpetuar a prática do surf com a essência do Havaí, foi criado em 1983 A Tríplice Coroa Havaiana, um campeonato dividido em três etapas nas praias mais cobiçadas pelos surfistas: Haleiwa, Sunset Beach e a última, a Pipeline. 

O evento acontece todos os anos entre novembro e dezembro na costa norte de Oahu, no Havaí, e o vencedor é o surfista com a maior soma entre as pontuações das três ondas disputadas. É um dos acontecimentos mais prestigiados e honrados do surf. Alexandre diz que todos os surfistas que querem crescer no surf precisam estar lá no final do ano, é lá onde está toda a mídia do esporte, e é o momento, como ele fala, em que “separa os homens dos meninos e as mulheres das meninas”.

O último ano do evento, realizado em 2020, coroou campeão no masculino o havaiano John John Florence, também natural de Honolulu, e pela primeira vez, uma surfista mulher. Carissa ganhou a tríplice coroa e tornou-se a primeira atleta feminina a realizar o feito. 2009 tinha sido a última vez que as mulheres competiram no evento, mas apenas nas duas primeiras etapas. Elas não eram submetidas à Pipeline porque havia a ideia de que elas não conseguiriam surfar na onda devido aos riscos. Mas elas quebraram esse paradigma, e Alexandre diz que, inclusive, surfaram muito bem.

A vitória dos dois havaianos no circuito, John John e Carissa, com movimentos ágeis e potentes, demonstra as características e a dominância dos surfistas criados no arquipélago. Eles carregam consigo a cultura e a essência do local que por muitos anos estiveram perdidas.

 

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Rolar para cima