Conheça a história do brasileiro que não foi devidamente homenageado na conquista do Nobel de Física
Por: José Paulos Mendes (pgomes8888@gmail.com)
Quantas vezes o Brasil — ou um brasileiro — já não chegou no quase quando buscava alguma grande conquista reconhecida mundialmente? No Oscar, mais de uma vez chegamos com bons filmes e vimos eles perderem para outros considerados inferiores ou tão bons quanto.
Na ciência também temos um caso parecido com esse, a história do físico Cesare Mansueto Giulio Lattes, mais conhecido como César Lattes. Ele foi um dos descobridores do píon ou méson-pi e responsável pela experiência mais importante do processo da descoberta. No entanto, sua contribuição não foi devidamente valorizada pela comissão do prêmio Nobel de Física.
César Lattes nasceu em Curitiba no ano de 1924, filho de imigrantes italianos da região italiana de Turim, ao norte da Itália. Passou a infância na terra natal, até se mudar para cidade de São Paulo quando ingressou no colégio Dante Alighieri, em 1934. Estudou matemática e física na Universidade São Paulo, onde iniciou suas pesquisas e aos 19 anos já ostentava o cargo de assistente da cadeira de física.
Em 1940 publicou seu primeiro trabalho, intitulado A abundância de núcleos no universo, alcançando grande repercussão e ganhando destaque na América do Sul como pesquisador. Sendo considerado brilhante, o cientista foi convidado para trabalhar com o grupo de Giuseppe Occhialini na Europa. O mesmo o levaria para a Inglaterra onde posteriormente integraria o grupo de pesquisas coordenado por Cecil Frank Powell em Londres.
Até 1960, a política do comitê era premiar apenas os chefes das equipes responsáveis pelo estudo
Na capital inglesa, em 1947, realizou o grande feito de sua carreira como cientista: a descoberta do méson-pi (ou píon), partícula procurada por alguns dos grandes pesquisadores de seu tempo. Uma vez consumado o fato, ele mesmo escreveu e encaminhou para publicação um artigo científico descrevendo a descoberta.
No ano seguinte, em associação com Eugene Gardner, trabalhou na produção artificial de partículas no recém inaugurado acelerador de partículas da Universidade de Berkeley na Califórnia. Em 1950, suas descobertas foram indicadas e agraciadas pelo prêmio Nobel, todavia o crédito foi para o líder da pesquisa, Powell, e sua equipe da Universidade de Bristol, tirando o protagonismo do brasileiro.
Após esses feitos, ele retornou ao Brasil buscando desenvolver a ciência no país de origem, ajudando a conduzir o continente sul-americano ao progresso científico. Em 1949, criou o Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas, que se destacou pelo apoio a pesquisa científica na América Latina e pela modernização do currículo e dos livros de ensino de física.
“Uma das coisas muito importantes que ele fez foi voltar para o Brasil ao invés de ficar nos Estados Unidos. Ele poderia ter ficado no Primeiro Mundo, ter seguido uma carreira certamente com mais resultados, mas ele, por amor a pátria, pela vontade que a ciência brasileira melhorasse, voltou ao Brasil” , relata Osvaldo Pessoa Jr., Doutor em História e Filosofia da Ciência pela Indiana University.
Na volta ao Brasil também teve papel importante ao fundar em 1951 o Conselho Nacional de Pesquisas, atual Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Um órgão como esse era há muito solicitado pela comunidade científica brasileira e deu um impulso para a pesquisa nacional da época. Em homenagem a seu fundador, currículos do órgão estão na plataforma Lattes e são conhecidos como currículos Lattes.
“É inegável a importancia do CNPq para a ciência brasileira, e dos institutos em geral. A gente pode dizer que, no geral, a política científica tem sido boa. Dos anos 1950 para cá, o trabalho feito em relação à educação do nível básico, o ensino universitário e a pesquisa científica se saíram bem melhor”, idem
Desde a volta ao continente sul-americano, ele não só contribuiu para a ciência brasileira, como também para a de outros países. Na Bolívia, em 1949, junto de colegas do país andino fundou o Laboratório de Físicas Cósmicas. Em pouco tempo o centro virou referência e foi agregado à Universidad Mayor de San Andrés e constitui, até hoje, o principal órgão de seu Instituto de Física.
Ainda no Brasil, criou um importante laboratório de estudo da radiação cósmica na USP, embora tenha sido na Unicamp que o físico deu algumas de suas maiores contribuições para a ciência nacional. Em Campinas, Lattes deu início ao Instituto de Física da universidade e o levou a ser reconhecido tanto em âmbito nacional quanto fora do país, agregando prestígio e projeção internacional para a Unicamp. Porém, pouco inovou após os anos 1970.
“Uma coisa que não está nos livros e é importante falar é que o César tinha um problema de ser um bipolar, criava uma imagem de cientista maluco. Ele era um físico experimental, certamente brilhante, e no Brasil, sem ter condições materiais de equipamentos pra exercer o seu brilhantismo, ele se frustou. Em Campinas ele levou adiante essa imagem de cientista brilhante e louco”, idem
Por tudo isso, César Lattes teve grande reconhecimento acadêmico no Brasil e no mundo, tendo conquistado honrarias como a associação à União Internacional de Física Pura e Aplicada, do Conselho Latino-Americano de Raios Cósmicos, de várias entidades nacionais e internacionais de física. Recebeu o Prêmio Einstein de 1950, o Prêmio Fonseca Costa, do CNPq, em 1958, a Medalha Santos Dumont em 1989 e, além disso, recebe homenagens em escolas, ruas, praças e afins que levam seu nome por todo o Brasil.