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Itaquera Yokohama

Este é um relato de quem esteve lá, mês doze de 2012, no Japão, Mundial de Clubes, Corinthians contra Chelsea. De quando nós, corinthianos, éramos felizes. A viagem inteira, da nossa casa em São Paulo até o hotel em Tóquio, durou mais de 30 horas. Fizemos escala em Zurique, na Suíça, onde ficamos seis horas …

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Este é um relato de quem esteve lá, mês doze de 2012, no Japão, Mundial de Clubes, Corinthians contra Chelsea. De quando nós, corinthianos, éramos felizes.

A viagem inteira, da nossa casa em São Paulo até o hotel em Tóquio, durou mais de 30 horas. Fizemos escala em Zurique, na Suíça, onde ficamos seis horas no aeroporto. No avião, a cada turbulência ouvia-se alguns gritos de “Vai Corinthians”. Se todo ateu vira crente na hora que aperta, naquele avião a oração era corinthiana.

Eu tinha 11 anos. Meu pai, 53. Eu já tinha visto meu time ganhar a Libertadores, alguns Paulistas e alguns Brasileiros. Meu pai, com 11 anos, não tinha visto o Corinthians levantar uma taça nenhuma vez. Ele só foi comemorar um título do Timão com 19 anos, em 1977, com o fim de um jejum de mais de duas décadas.

Em Tóquio

No hotel o meu café da manhã era salmão grelhado, mas o almoço e o jantar não eram tão agradáveis: se engana quem acredita que lá eles comem sushis com cream cheese ou rolinhos primavera com ketchup. De tudo que eu comi na minha semana em Tóquio, a grande maioria das coisas eu nunca tinha visto em lugar nenhum do Brasil – e confesso que senti muitas saudades do nosso cream cheese.

Nos dias que antecederam a estreia do Timão no Mundial, como aquele da semifinal contra o Al Ahli, nós passávamos a tarde explorando Tóquio. Pegamos as infinitas linhas de metrô, andamos de trem bala e até demos um pulo no Monte Fuji – apesar de que não conseguimos nem ver a montanha, pois estava com muita neblina. Foi lá, na base do Monte Fuji, onde comemos o Kuro tamago, um ovo com a casca preta, que, segundo a lenda, te garante mais sete anos de vida. Em um desses dias sem jogo, nós fomos à Tokyo Skytree, a maior torre do mundo. Na fila, as paredes futuristas de vidro estavam embaçadas – era dezembro, inverno, bastante frio. Em um desses vidros estava marcado, à dedo, a seguinte frase: “Vai Corinthians”. 

A invasão corinthiana foi real. Até o fim da viagem, uma certa confusão dos japoneses com os frequentes gritos e cantos corinthianos acabou se tornando simpatia: alguns que passavam chegavam até a gritar junto o mantra, “Vai Corinthians”, com aquele sotaque incontornável. Eram as palavras que mais faziam sentido, em um país onde não entendíamos nada. Nos ônibus até o estádio, as janelas ficavam abertas e um bando de loucos gritava, enquanto passávamos pelas ruas e avenidas de Tóquio, os cantos do Timão. 

O primeiro jogo foi contra o time egípcio Al-Ahly. Foi um jogo feio, sofrido, 1 a 0 na raça. Jogamos mal. E as dúvidas sobre o que aconteceria quatro dias depois, na final, se intensificaram. “E se não der?”, “E se a gente perder?”. Seria um fiasco, vir ao Japão para voltar derrotado. Mas nesses momentos eu me lembrava do troféu que ficava na cabeceira do quarto do meu avô, lá no longínquo interior de São Paulo: “Troféu Corinthiano Coração de Ferro”. De tanto passar por esse troféu na casa dos meus avós, desde muito cedo eu já tinha essa certeza: nós, corinthianos, nascemos para sofrer – a história do jejum de 23 anos foi contada ainda muito cedo para mim. Eu sempre tive a impressão que os nossos jogos eram sempre mais sofridos que os outros, e daquela vez não seria diferente.

A final

A final foi no dia 16 de dezembro. Pegamos o ônibus do hotel até Yokohama, uma cidade a 40 minutos de Tóquio. Eu estava de luva, touca, cachecol e um casaco de tamanho G. Na multidão em frente ao estádio, a cor azul dos ingleses quase não estava presente. Não é o azul que dizem ser a cor mais rara na natureza? Bom, então deu a lei da natureza. 

O Yokohama Stadium é enorme. Eu me lembro bem: se naquele estádio cabiam 60 mil pessoas, aparentava ter pelo menos 50 mil eram corinthianos. Qualquer dado oficial vai mostrar um número bem menor, mas essa não é uma daquelas coisas que a gente explica, mas sim que a gente acredita com todas as forças. 

O jogo foi pau a pau, um jogaço. Apesar do frio, o fato de estarmos no Japão, vendo o Corinthians jogar contra o Chelsea, e ainda rodeados dos mais fanáticos corinthianos do mundo, deixava o clima bem mais agradável. 

Vimos ali, ao vivo, a melhor e mais importante partida da carreira do Cássio. A defesa mais bonita daquela noite foi contra um chute do Moses, ponta-direita do Chelsea. Quando vi o replay no telão, lembro que fiquei completamente arrepiado, incrédulo de como ele pegou aquilo. Jorge Henrique também jogou demais – e impossível não esquecer do autor do nosso gol: Paolo Guerrero.

O gol da vitória não foi um gol bonito, nem um gol feio. Foi um gol digno de uma final de campeonato: uma bola que saiu de um chute do Danilo e sobrou magicamente na testa do Guerrero, o nosso atacante peruano. 

A vibração só não foi maior do que alguns minutos mais tarde, com o apito final do árbitro. A cada ataque dos ingleses o desencanto parecia mais próximo. A última jogada da partida foi uma bola do Chelsea na trave. O sonho se concretizou e caiu violentamente sobre os nossos corações com aquele apito final do juiz. E, naquele momento, a festa se deu como nunca antes nas nossas vidas: milhares de corinthianos pulando e gritando em Yokohama. 

Eu, um moleque ainda baixinho com um casaco do dobro do meu tamanho, vi um dos maiores feitos da história do meu time do coração ao vivo, do outro lado do mundo. A cerveja caindo sobre nossas cabeças, os abraços nos desconhecidos, a minha camiseta escrito “Itaquera Yokohama”, os pequenos papéis dourados que caíram sobre a taça e que foram levados pelo vento até a nossa sessão da arquibancada. Era um enorme pedaço de Pacaembu no meio de uma ilha no extremo Oriente.

Eu nem me lembro como voltamos para o hotel, como saímos daquela festa. Tenho lembranças de nós já no quarto, com as luzes apagadas, possivelmente com dificuldade pra dormir: fuso horário somado com a euforia do título. No dia seguinte, fizemos uma viagem de 30 horas de volta a São Paulo. E, como se não bastasse a noite anterior, encontramos o time no aeroporto – pois é, tiramos foto com os protagonistas daquele episódio absurdo. No avião, os gritos de “Vai Corinthians” coroavam mais uma vez toda turbulência – dessa vez mais calmos, de realização, de conforto.

Mas nada disso é tão importante ou exprime tão bem o significado daquele acontecimento nas nossas vidas quanto a memória que tenho do meu pai, sentado ao meu lado, em um avião ainda estacionado no aeroporto de Tóquio, chorando ao ler, em voz alta para mim, a coluna de Antonio Prata que saiu naquele mesmo dia, em que ele traça magistralmente um laço entre o fundador do Timão, Miguel Battaglia, e o autor do gol daquela final, o Guerrero. 

E, afinal, naquela noite de 16 de dezembro de 2012, no Yokohama Stadium, deu a lei da natureza. E ali, com meus 11 anos de idade, gritando “Chupa Chelsea” com a minha voz ainda fina, sendo levantado por corinthianos malucos, levando uma chuva de cerveja na minha cabeça. Bons tempos.

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