Jornalismo Júnior

logo da Jornalismo Júnior
Generic selectors
Exact matches only
Search in title
Search in content
Post Type Selectors
Generic selectors
Exact matches only
Search in title
Search in content
Post Type Selectors

”Eu sou só mais uma em um mar de terceirizados no país”, diz Maria

De acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em março, 18,54% da força de trabalho do Brasil trabalhava sem carteira assinada, a maior parcela já registrada

Trabalhava em telemarketing e tinha muito conflito de horário de estudo e trabalho. Larguei o trabalho pra conseguir estudar e não consegui pagar o curso’’, diz Maria*. A precarização do trabalho é um movimento internacional, com contratos terceirizados e/ou informais, baixos salários, alta rotatividade e exposição extrema ao risco social do trabalho. Maria, que é tatuadora e fotógrafa, defende que os impactos da precarização gerada pela reforma trabalhista do governo Temer é o principal motivo que a fez ter que exercer mais de uma função para poder sobreviver. 

“Trabalhar em tanta coisa tira a coisa mais valiosa que tenho, que é o meu tempo. É desgastante demais viver pra trabalhar e não ter tempo de fazer outras coisas. Lazer e ócio são partes fundamentais da produtividade’’, diz a  fotógrafa, que está finalizando um curso técnico em produção de áudio e vídeo e deseja trabalhar na área com carteira assinada.

Reforma trabalhista

A reforma trabalhista proposta pela gestão Temer, que já está sendo revista pelo Ministério do Trabalho, e aprovada em 2017 alterou pontos da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), e teve inicialmente como objetivo modernizar a legislação trabalhista e estimular o emprego no país. Entre as principais mudanças, constam o fim da obrigatoriedade da contribuição sindical, a flexibilização da jornada de trabalho, a regulamentação do teletrabalho e a possibilidade de acordos entre patrões e empregados, que prevalecem sobre a legislação em alguns casos, além de outras alterações. 

Mobilização de entregadores de aplicativo. [Imagem: Reprodução/Roberto Parizotti]

Na época, o governo defendia que a reforma traria mais segurança jurídica para as empresas e mais liberdade aos trabalhadores, que poderiam negociar diretamente com seus patrões. Os críticos da medida afirmam que ela precariza as relações de trabalho e retira direitos conquistados pelos trabalhadores ao longo dos anos.

O fenômeno da precarização do trabalho não é novo, mas tem se intensificado em um contexto de globalização e de mudanças nas relações de trabalho. No mundo todo, a flexibilização das leis trabalhistas, por exemplo, tem permitido a ampliação do trabalho intermitente e temporário, o que precariza ainda mais as condições de trabalho.

Os impactos são múltiplos e atingem tanto os trabalhadores quanto a economia como um todo. Trabalhadores precarizados tendem a ter uma menor produtividade, menor remuneração e menos acesso a direitos como férias, décimo terceiro salário e seguro desemprego. Além disso, a precarização pode levar a um aumento da informalidade e da desigualdade social.

“A reforma trabalhista de 2017 ampliou, por exemplo, a liberdade das empresas para terceirizar atividades, o que em geral se associa a vínculos de trabalho mais instáveis, menos protegidos e com renda inferior”, defende Álvaro Comin, Pesquisador do Cebrap e do Centro de Inteligência Artificial da USP (C4AI-USP), onde coordena o grupo de pesquisa Mercados Digitais de Trabalho.

O docente também explica que os contratos de trabalho por tempo determinado ou de trabalho intermitente vão na mesma direção de baratear e tornar menos seguros os empregos. E essas mudanças, por si só, já constituem fatores que minam o poder de negociação dos sindicatos de trabalhadores, e este era um dos propósitos da reforma, que também incluiu a extinção do imposto sindical. 

Imagem: [Reprodução/ Youtube Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap)]

‘’Outra tendência importante diz respeito ao encolhimento dos empregos nos setores propriamente produtivos (agricultura e indústria) em favor do setor de serviços’’, defende o pesquisador. O setor industrial, tradicionalmente apresenta taxas de formalização do emprego elevadas e salários acima da média, acolhendo trabalhadores com níveis relativamente baixos de instrução, ainda muito numerosos no Brasil. Nesse sentido o seu encolhimento pode estar ligado diretamente ao aumento da informalidade e das desigualdades de renda. 

Para o professor, atualmente no Brasil os vínculos de trabalho são instáveis e as pessoas mudam de emprego com muita frequência, com isso a capacidade de organização e mobilização dos sindicatos tende a ser muito limitada. Isso é ainda agravado pelo fato de que uma parcela muito grande (em torno de um quarto) dos ocupados no Brasil trabalha na condição de conta-própria, não possuindo, pelo menos não formalmente, vínculo de trabalho ou patrão, condição que também não favorece a atuação de sindicatos. ‘’Este não é um problema novo, mas ele é muito reforçado pela tendência à fragilização dos vínculos de trabalho e pelo surgimento de novas modalidades de contratação, como as plataformas e aplicativos de serviços’’, defende o pesquisador. 

De antropólogo para engenheiro de dados

[Imagem: Reprodução/Instagram]

‘’O principal motivo que me fez trocar de área foi um desânimo com o curso que fazia, vendo que o esforço e cobrança alta que tinha não seriam compensados com nenhuma perspectiva de futuro’’, declara Athos Sampayo, que estudava Ciências Sociais na USP para seguir carreira acadêmica como antropólogo, até trancar a graduação para fazer um curso técnico na área de desenvolvimento de Software. Hoje, ele trabalha como Engenheiro de Dados em uma Startup.

“Comecei Ciências Sociais pensando em área acadêmica, que majoritariamente depende de investimentos públicos, mas a crise política e questões de teto de gastos influenciaram em cortar ainda mais as poucas oportunidades que tinham na área’’, aponta Athos, sobre a diminuição nos investimentos do Ministério da Educação durante os últimos governos. Temer, com a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) do teto dos gastos públicos, reduziu os gastos do Ministério da Educação e Cultura (MEC) por 20 anos em 2016, e Bolsonaro, antes do segundo turno das eleições de 2022, anunciou um bloqueio de R$ 2,4 bilhões do orçamento do MEC, que já era um dos menores da história.

Lula (PT), em 2022, durante a campanha eleitoral, já sinalizava o interesse de atender às demandas dos pesquisadores e trabalhadores precarizados. Em abril de 2023, foi anunciado o aumento de R$ 2,44 bi para as Universidades e Institutos Federais. Por enquanto, o governo não anunciou nenhum projeto criado especificamente para a regulamentação profissional e o reconhecimento do vínculo de emprego de boa parte dos 20 milhões de brasileiros que trabalham sem carteira assinada no país hoje. 

Em fevereiro deste ano, o presidente destacou que o país precisa “criar emprego formal” e “atualizar a relação entre trabalho e capital”, dando como exemplo a falta de direitos dos trabalhadores por aplicativo.

Em nota  para a Jornalismo Júnior, o Ministério do Trabalho e Emprego declarou que está na fase de escutar todos os representantes sobre esse assunto. O órgão segue formatando o Grupo de Trabalho, que representará os trabalhadores e empregadores para que se possa criar um ambiente de negociação para a questão e que em breve será encaminhado ao governo um estudo com representação dos trabalhadores, das empresas e do governo.

“O que me fez mudar tantas vezes de área foi o desemprego. Saúde mental também entra nesse meio porque quando se trabalha em muitas frentes ao mesmo tempo, são mais formas de ter crises de burnout’’, aponta Maria. 

* Nome fantasia, pois a pessoa entrevistada optou por não ter a própria identidade revelada.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Rolar para cima