O texto abaixo faz parte de um novo projeto experimental da Jornalismo Júnior.
Por Bianca Muniz (biancamuniz@usp.br)
Em comunicado emitido no sábado (8), Hami Aksoy, representante do Ministério das Relações Exteriores da Turquia, acusou o governo chinês de manter campos de reeducação para a população uigur em Xinjiang, região autônoma situada no noroeste da China. Segundo a declaração, isso faria parte de uma política de assimilação chinesa aos uigures.
Os uigures são um povo de origem étnica turca e, em termos religiosos, são islâmicos. Isso incomoda a elite política chinesa, que os considera mais próximos aos países da Ásia Central do que à própria China, cuja maior parte da população é da etnia han e religião não-muçulmana. Atualmente, os uigures perderam sua predominância no Xinjiang, após o governo chinês promover a migração de pessoas han para ocupar essa região.
No ano passado a China sofreu acusação similar por parte das Organizações das Nações Unidas, que dizia que a região de Xinjiang tinha se tornado um campo de internação para uigures. O governo chinês respondeu dizendo que apenas uma pequena quantidade de uigures passavam por reeducação e eram aqueles doutrinados por extremistas islâmicos.
Não se tem uma resposta concreta sobre as motivações por trás dessa declaração do governo turco, porém há algumas hipóteses. De acordo com o professor Alexandre Uehara, pesquisador do Núcleo de Pesquisa em Relações Internacionais da Universidade de São Paulo (Nupri – USP), isso pode ter acontecido como uma tentativa de amenizar a insatisfação pública com a política interna da Turquia, após Recep Tayyip Erdogan ter assumido a presidência.
Outra possibilidade é a proximidade cultural entre turcos e uigures, que desperta identificação em uma parte da população turca que cobrava manifestações do presidente. Desse modo, a declaração surgiu como uma tentativa de conseguir aumentar a popularidade de Erdogan no ambiente interno turco, compensando com uma decisão no âmbito externo.
“Desde que Erdogan assumiu o governo da Turquia, ele vem com uma política de centralização do poder e existe uma parcela da população que não está de acordo com essa situação”, diz Alexandre.
De acordo com o professor, a Turquia era vista por países europeus como uma ligação entre o mundo ocidental e o mundo oriental e, pela democracia que vinha desenvolvendo até a chegada do atual presidente, era considerada uma boa conexão entre as duas culturas. No entanto houve uma reversão após Erdogan assumir a presidência e adotar uma política menos contestadora em relação à China e a região de Xinjiang.
“Isso é curioso, porque Erdogan foi líder político antes de ser presidente e participava dessa interface [entre oriente e ocidente], mas agora no posto máximo, ele mudou completamente”, conta o pesquisador. “Só que com essa situação interna da Turquia, aparentemente ele está tentando evitar que haja aumento da instabilidade. Há uma parte da população que está contra a postura dele na Turquia e também é contrária às ações chinesas sobre os uigures”, afirma.
Para o pesquisador, a expectativa agora é se a Turquia irá manter seu discurso contra as ações do governo chinês, ou se essa postura surgiu apenas para diminuir as pressões internas originadas da população turca. “Acho pouco provável que o governo turco, principalmente nessa presidência, tenha o objetivo de aumentar uma tensão entre Turquia e China”, finaliza Alexandre.