Jornalismo Júnior

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O Fascismo no futebol italiano

Como aconteceu a influência de Mussolini no Calcio

A primeira metade do Século 20 ficou marcada, principalmente, pela ascensão de regimes totalitários. Diversos países enfrentaram períodos sombrios de sua história. A Itália é uma das nações mais lembradas quando falamos desse assunto, devido à instauração do Fascismo no país.

A ideologia política cresceu em meio a uma Itália em crise após a Primeira Guerra Mundial. Em meio à desilusão com a situação do país, Benito Mussolini, líder do movimento fascista na Itália, ascendeu através da divulgação de ideias que, entre outras coisas, defendiam um Estado forte, ultranacionalista, anticomunista, antiliberal, corporatisvista e que olhasse para o passado italiano de uma maneira romantizada. Essas características foram abraçadas pela maioria do povo italiano, que cultuava a imagem de Mussolini. O líder chegaria ao cargo de primeiro-ministro em 1922 e foi aumentando seu poder e influência até 1943, quando foi deposto.

Durante o período, houve intensa repressão a opositores e censura, ao mesmo tempo em que o Estado promoveu uma intensa propaganda política. Nesse sentido, o Fascismo passou a usar o futebol — esporte mais popular na Itália — como um meio de enaltecimento do regime. Em entrevista ao Arquibancada, Jonathan Portela, mestre em história pela UNIFESP (Universidade Federal de São Paulo), comenta sobre o uso do futebol nesse contexto.

Os clubes durante o período

Na época em que o Fascismo tomou conta da Itália, o calcio — futebol, em italiano —, já havia se estabelecido como o principal esporte da nação. Havia um campeonato nacional de futebol, com a participação dos clubes mundialmente conhecidos atualmente. Jonathan comenta que “o futebol já carregava para si a vanguarda do populismo, e, na Itália, já havia clubes bem estabelecidos com identidade própria e política”.

A interferência política no calcio também foi notória em alguns pontos. Hoje conhecida como Internazionale, a equipe de Milão ficou conhecida como Ambrosiana entre 1928 e 1945, pois, de acordo com o regime, o nome era estrangeiro e não estava em consonância com os valores nacionais.

Ambrosiana, atual Internazionale, na temporada de 1930/31, época do fascismo italiano
Ambrosiana, atual Internazionale, na temporada de 1930/31 [Imagem: Google LCC]
O movimento político de unir agremiações de cidades estratégicas também marcou o período. Em Nápoles, houve a fusão entre a Naples e a Internazionale-Naples, o que deu origem à Napoli, em 1926. Em Florença, a Fiorentina surgiu da união entre Libertas e Firenze. 

Mas foi na capital que o processo ficou mais claro: A partir de três importantes clubes da época — Alba Audace, Fortinuto e Roman —, foi criada a Roma com o intuito de fazer frente aos clubes do norte. No entanto, a Lazio ficou de fora da união devido à atuação do general fascista Giorgio Vaccaro, que junto ao presidente do clube, Ettore Varani, não aceitou a união, pois desejavam que a equipe continuasse autônoma. Também pesou o fato dos três vice-campeonatos italianos da Lazio, buscando o título nacional. Assim inicia-se a história de um dos mais importantes clássicos do futebol mundial.

Mussolini fomentou mais uma mudança no futebol italiano: o antigo campeonato regionalizado foi deixado de lado para dar lugar a uma primeira divisão nacional de pontos corridos, utilizada até hoje. Surge, assim, a Série A para a temporada de 1929/30. É interessante notar também que, durante o fascismo, nenhuma cidade contava com mais de duas agremiações no campeonato, muito em parte devido à união dos clubes. A mudança tornou mais frequente a participação de equipes do centro-sul italiano, o que tornou mais fácil espalhar a mensagem fascista.

Alguns clubes se destacaram do ponto de vista ideológico. Jonathan destaca a Roma como um símbolo de resistência: “O time por si já carrega o nome da cidade — além de todo o teor neoclassicista de carregar em seu escudo o mito da fundação da cidade —, possui uma associação rápida com a classe trabalhadora, socialistas e comunistas e faz clássicos pesados com a Lazio”. Essa rivalidade e resistência para além do futebol também se intensificou por conta da presença de Mussolini nos estádios para torcer pelo time da Lazio: o ditador era sócio da equipe e assistia a algumas partidas da equipe. 

O uso político da Azzurra

Quando falamos em futebol e fascismo, a Seleção Italiana não pode ficar de fora. Jonathan analisa que “a seleção traz para si um símbolo de um país finalmente unificado”, pois, apesar da união política ter ocorrido de forma tardia, havia uma unidade cultural e linguística. O pesquisador ainda usa de exemplo as seleções dos países membros da antiga Iugoslávia: “as seleções ainda criam uma identidade com seus torcedores”.

Jules Rimet chegou a afirmar que quem estava organizando a copa não era a FIFA, e sim Mussolini. O ditador até mesmo mandou entregar à seleção campeã da Copa de 1934 o troféu da Coppa del Duce, maior que a própria taça da Copa do Mundo.

Utilização da Copa para difundir o fascismo
Campeões da Copa de 1934 com a taça da Coppa del Duce [Imagem: Wikicommons]
Além disso, o evento serviu para mostrar ao mundo a nova Itália, superior a todas as nações do mundo. Mas para isso, Il Duce — como Mussolini era chamado — precisou movimentar as suas peças. A começar pela naturalização dos oriundi: jogadores nascidos em outros países, mas que possuíam ascendência italiana. Brasil e Argentina, por exemplo, cederam alguns jogadores, como o brasileiro Filó, e os argentinos Luis Monti, Raimundo Orsi e Enrique Guaita.

Ainda em 1934, o líder italiano impôs árbitros para algumas partidas. O caso que mais chamou a atenção foi a escolha do jovem árbitro sueco Ivan Eklind para apitar a semifinal contra a então sensação austríaca, derrotada com um gol irregular. Na final, para surpresa de muitas pessoas, o mesmo árbitro foi escalado, e a seleção anfitriã venceu a Tchecoslováquia por 1 a 0 e sagrou-se campeã do mundo no Estádio de Roma, acompanhada pela Giovinezza, o hino fascista.

Poster de Divulgação da Copa do Mundo de 1934 na Itália
Poster de divulgação para a Copa do Mundo de 1934 [Imagem: Reprodução/FIFA]
Já em 1938, a guerra se aproximava. Segundo Jonathan: “A Copa do Mundo de 1938 corria risco até de não acontecer, devido às tensões entre a Inglaterra e o Nazifascismo. Então não há uma relevância tão significativa quanto a Copa do Mundo de 1934 e as Olimpíadas de Berlim de 1936, que de fato foram usadas para promover os regimes e mostrar uma força popular. Em 1938 o conflito já estava para acontecer”

Ainda assim o torneio foi disputado. A Itália trocou a tradicional camisa azul pelas camisas negras — símbolo do grupo fascista italiano, que usava a violência contra os opositores — e chegou à final, contra a Hungria. Contudo, um episódio ficou marcado. Momentos antes da final, Mussolini enviou um telegrama à seleção: Vincere o morire (vencer ou morrer). A mensagem era clara: o orgulho italiano não poderia ser manchado e a vida dos atletas estava em jogo. Após a partida, o goleiro hungaro, Antal Szabó, chegou a afirmar: “Posso ter permitido quatro gols, mas pelo menos salvei a vida de 11 homens”

Seleção Italiana fazendo gesto em referência ao fascismo italiano
Seleção Italiana fazendo o gesto fascista, em 1938 [Imagem:Reprodução/Twitter:@CuriosidadesEU]
Em novembro de 1939, teve início a Segunda Guerra Mundial, mas o futebol profissional continuou na bota até a temporada de 1942-43, quando o conflito chegou ao seu ápice. O campeonato italiano voltou apenas ao final da Guerra.

O legado até os dias atuais

Nos últimos anos da Segunda Guerra Mundial, o eixo começou a perder e os aliados conseguiram conquistar a Itália. Em 1943, Mussolini foi deposto e terminou um período sombrio e sangrento da história italiana. Mas as marcas deixadas pelo regime perduram até hoje. 

A Internazionale recuperou seu nome, a Série A retornou para a temporada de 1945/46 — ainda que com um formato diferente — e a seleção italiana voltou a vestir o tradicional azul, tudo parecia voltar ao normal

A Lazio, que abraçou a ditadura, até hoje mantém uma relação com o fascismo. Os ultras — como são chamados as torcidas organizadas da Europa — entoam cantos racistas, vetam mulheres das primeiras filas do estádio e criticam a diretoria por contratar jogadores de origem judia. 

Um episódio marcante dessa relação ocorreu em 2005, quando Paolo di Canio, ex-jogador da equipe, fez o gesto fascista ao comemorar um gol contra a Roma. O atleta recebeu apenas uma multa à época. O próprio presidente do clube, Claudio Lotito, afirmou em 2019 que “as pessoas normais, de pele branca, também são vaiadas”. 

Paolo di Canio, jogador da Lazio, comemora gol com símbolo do fascismo
Paolo di Canio, jogador da Lazio, comemora gol com símbolo fascista [Imagem: Reprodução/Twitter:@TottenhamBrasi]
Recentemente, o adestrador da águia símbolo do time foi flagrado fazendo o símbolo fascista. Jonathan destaca que a Lazio também não faz nenhum esforço para desassociar a imagem do clube da ideologia até hoje.

Ao fazer um paralelo com o Nazismo, o Schalke 04 procura muito mais essa desassociação com o período de repressão. O pesquisador aponta que a razão para essa aproximação é a de que, no período em que a Alemanha passou pelo regime de Adolf Hitler, o clube da cidade de Gelsenkirchen conquistou seis dos seus sete títulos do campeonato alemão, e por isso foi usado pelos nazistas. No entanto, diferentemente da Lazio e o Fascismo, a equipe não se considera ideologicamente próxima ao Nazismo.

A questão dos imigrantes também evidencia essa questão. Diversos italianos já demonstraram uma aversão a jogadores naturalizados na seleção nacional. O próprio atual treinador da Azzurra, Roberto Mancini, afirmou cinco anos atrás que era contra estrangeiros na seleção.

A imigração ainda se choca com o racismo na Itália. Mario Balotelli, atacante italiano negro, era muito mais criticado pela imprensa do país por se envolver em muitas polêmicas e por conta de sua origem migratória ganesa sofreu racismo em diversas partidas. 

A influência desse período chegou até a América do Sul, continente apaixonado pelo futebol. Jonathan observa que o Palmeiras, clube de origem italiana, demorou muito tempo para aceitar jogadores negros: “o palmeiras é de 1914, e o primeiro negro a jogar no clube foi só em 1942, 28 anos depois”.

Mussolini demonstrou com sucesso ao mundo o uso do futebol como instrumento político, fazendo com que outros ditadores o acompanhassem. O esporte nada mais é do que uma extensão da sociedade: se há racismo, xenofobia e ultra-nacionalismo em torno do estádio, haverá dentro dele. A nefasta trajetória da ideologia fascista na Itália demonstrou o que sempre deve ser lembrado: futebol e política se misturam, sim.

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