Este filme faz parte do Festival Varilux de Cinema Francês de 2018. Para mais resenhas do festival, clique aqui.
Em A Excêntrica Família de Gaspard (Gaspard Va Au Mariage, 2017), após receber um convite inesperado para o segundo casamento de seu pai, o jovem Gaspard (Félix Moati) decide viajar para o zoológico de sua família após ficar alguns anos sem visitar o local. Durante o trajeto ele conhece Laura (Laetitia Dosch), uma jovem aventureira e incomum que aceita fingir ser sua namorada durante o evento. No entanto, o que parecia ser um conturbado reencontro de família com um pai mulherengo, um irmão ressentido e uma estranha irmã, acaba sendo uma reflexão sobre o significado da família e a última chance de Gaspard reviver sua infância.
Durante o filme, o que mais chama a atenção é a construção das personagens. Quando a família é apresentada, fica evidente a importância que ela terá no desenvolvimento do filme. A irmã de Gaspard, Coline (Christa Theret), é o grande destaque do núcleo principal. Com uma personalidade excêntrica, ela representa muito bem a dificuldade de se desapegar da infância vivida no zoológico e se abrir para o mundo, tanto pela construção da personagem, quanto pela atuação excelente de Theret, além de proporcionar até mesmo um debate social acerca do meio em que somos criados.
Outro ponto trazido por Coline é a estranha relação que ela parece ter com o irmão, muito semelhante a relação dos gêmeos Isabelle (Eva Green) e Theo (Louis Garrel) no clássico filme Os Sonhadores (The Dreamers, 2003). O que se inicia como uma relação incômoda e quase incestuosa, entretanto, torna-se um questionamento sobre as relações fraternais, os sentimentos que elas evocam e as marcas deixadas pela infância.
Apesar da construção bem feita e da abordagem intensa de alguns assuntos que A Excêntrica Família de Gaspard traz, alguns personagens acabam esquecidos e com suas histórias pouco aprofundadas. Como por exemplo Laura, que mesmo sendo uma personagem de importância no filme, não tem uma história aprofundada, de forma que sua presença no longa muitas vezes parece desconexa, já que o público não tem muita certeza de suas origens e de suas motivações para aceitar um acordo tão estranho quanto o proposto por Gaspard.
A fotografia é outro destaque do longa, complementando muito bem as cenas e os diálogos criados. As cores quando Gaspard está no zoológico são geralmente de um tom amarelado que parece dar o clima certo de nostalgia trazido pela volta do jovem ao lugar onde cresceu. Já nas cenas mais melancólicas, as cenas adquirem tons mais sombrios e opacos. Esse contraste permite que o espectador sinta as sensações de Gaspard: a satisfação de estar de volta ao zoológico após tanto tempo e a tristeza em saber que essas serão suas últimas memórias no lugar.
Dessa forma, A Excêntrica Família de Gaspard surpreende quem espera que o filme seja uma história de amor. Muito mais que um simples romance, o longa retrata o amor e a união familiar, e a dificuldade em deixar as memórias para trás, além de promover diversas reflexões acerca do impacto das relações humanas com a família e com o mundo. Afinal, toda família tem suas excentricidades.
por Beatriz Crivelari
beatrizcrivelari@usp.br