Por Isabella Oliveira (isabella05oliveira@usp.br)
Reproduzir as condições de pressão e densidade do Sol na Terra. Já há algumas décadas cientistas tentam realizar esse feito, no entanto, até agora não obtiveram sucesso. Mas afinal qual o objetivo dessa ambiciosa empreitada? A resposta, ao contrário da reação, é simples: gerar energia por fusão nuclear, exatamente o mesmo processo que ocorre no núcleo das estrelas.
Em um primeiro momento, essa ideia parece impossível e um desperdício de tempo e dinheiro. Entretanto, a crescente demanda energética da humanidade faz desse modelo uma necessidade para a sobrevivência das próximas gerações, tendo em vista que 84% da matriz energética mundial é composta por combustíveis fósseis (petróleo, gás natural e carvão mineral). Essas substâncias liberam grandes quantidades de gás carbônico (CO2) na atmosfera, intensificam o efeito estufa e consequentemente elevam a temperatura do planeta.
É nesse contexto que pesquisas sobre fusão nuclear ganham espaço e investimento, pois o modelo não libera CO2, não produz resíduos radioativos, como a fissão nuclear, e idealmente gera grandes quantidades de energia, sendo praticamente inesgotável em razão da existência de grandes quantidades de deutério no planeta, principal elemento utilizado para dar início a reação.
Nesta reportagem para o Laboratório, vamos entender as diferenças entre uma reação de fusão natural e uma artificial, além dos desafios enfrentados no desenvolvimento dessa tecnologia.
Como o Sol produz energia?
Antes de tudo, o que é uma estrela? De acordo com Jane Gregorio-Hetem, professora de Astrofísica Estelar do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas da Universidade de São Paulo (IAG-USP), uma estrela é uma esfera gigantesca de gás em equilíbrio, que está contido pela sua auto gravidade. Esse gás permanece em equilíbrio em razão de sua própria produção de energia que expande a estrela, por meio da pressão interna. Ao mesmo tempo, a gravidade tende a fazer o oposto: implodir o objeto, ou seja, a ação gravitacional atua no sentido contrário.
Agora que você já sabe o que é uma estrela, vejamos como ocorre a reação de fusão em seu núcleo, que é formado por hidrogênio e hélio. Para que a fusão aconteça, é necessário fundir dois átomos de hidrogênio — é essa etapa que dificulta a realização da reação na Terra. De acordo com o princípio da atração e repulsão, corpos com cargas opostas tendem a atrair-se e corpos com cargas iguais tendem a repelir-se.
Entretanto, a densidade e a alta temperatura do Sol, que, segundo Jane, na superfície solar, gira em torno de 6 mil graus celsius e, no centro, é da ordem de 16 milhões de graus, permitem aos átomos de hidrogênio — que possuem mesma carga —, vencer a força de repulsão. Desse modo, os átomos de hidrogênio se unem, dando origem ao hélio e a uma grande quantidade de energia, principal responsável pelo brilho das estrelas.
Depois de entender como essa reação é possibilitada no Sol, é possível imaginar o tamanho do desafio que enfrentamos.
Como um reator de fusão nuclear deverá funcionar?
Reproduzir exatamente o que ocorre no Sol é no mínimo impossível, por esse motivo, os reatores de fusão nuclear em desenvolvimento atualmente funcionam de modo um pouco diferente.
Ao contrário do processo natural, em que átomos de hidrogênio são fundidos, na fusão nuclear artificial são utilizados os isótopos desse elemento: o deutério, encontrado em abundância na água do mar, e o trítio, produzido artificialmente. Essa escolha é justificada por um grandeza física denominada seção de choque, que mede a probabilidade de duas partículas colidirem, a qual também depende da velocidade das partículas. De acordo com o professor Gustavo Canal, especialista em Física de Plasmas pelo Instituto de Física da USP, “a seção de choque para uma reação deutério/trítio é muito maior do que a seção de choque para uma reação hidrogênio/hidrogênio, ou seja, é muito mais fácil uma reação deutério/trítio acontecer do que uma reação hidrogênio/hidrogênio”.
Dentro do reator, o deutério e o trítio são misturados e expostos a altíssimas temperaturas, em torno de 100 milhões graus celsius. Quando eleva-se a temperatura, a energia cinética (do movimento) e a velocidade das partículas também aumenta, propiciando colisões mais fortes que arrancam os elétrons dos núcleos dos átomos. Essa separação entre os elétrons e os núcleos — agora ambos livres dentro do reator—, configuram o plasma, que é contido por um campo eletromagnético dentro do motor. “Você tem uma sopa de íons de deutério, uma sopa de íons de trítio e uma sopa de elétrons todos misturados como se fossem três fluidos juntos, por exemplo, água, álcool etílico e qualquer outra substância que se misture com água e álcool”, explica o professor Gustavo.
Se a temperatura continuar aumentando, os núcleos irão colidir com ainda mais força e gerar o núcleo de um átomo de hélio. Durante essa reação, um nêutron escapa e se choca com a parede do reator, onde depositará sua energia a fazendo esquentar. Ainda de acordo com o professor, dentro da parede do reator existe uma serpentina por onde circula água. Quando a temperatura da parede sobe, a temperatura da água também aumenta e ela se vaporiza, então, esse vapor entra numa turbina que gera eletricidade.
É dessa maneira que um reator de fusão nuclear deverá funcionar. O modelo de reator mais comum é o tokamak, que assemelha-se a uma rosquinha, mas existem outros modelos, por exemplo, o tokamak esférico Joint European Torus (JET), o maior em operação atualmente, localizado no Reino Unido.
Principais desafios da fusão nuclear
Um dos maiores entraves para o desenvolvimento dessa tecnologia é o déficit entre a quantidade de energia gasta para dar início a fusão e a quantidade de energia produzida. Isso porque a energia produzida pela fusão nuclear artificial ainda não alcança os níveis idealizados pelos cientistas.
Diante do desafio, 35 países uniram-se e deram origem ao projeto experimental International Thermonuclear Experimental Reactor (ITER), para a construção do maior reator de fusão nuclear do planeta, na França, onde espera-se produzir o primeiro plasma do projeto experimental em 2025.
Isoladamente, outros países também passaram a investir na tecnologia. A China segue quebrando recordes com seu reator Experimental Advanced Superconducting Tokamak (EAST), que foi até mesmo apelidado de “Sol artificial”, por elevar a temperatura do plasma até os 120 milhões de graus Celsius durante 101 segundos (como dito antes: a temperatura no núcleo do Sol gira em torno dos 16 milhões de graus celsius). Já o Reino Unido anunciou, recentemente, um investimento de 220 milhões de libras para a construção de uma usina de fusão nuclear até 2040.