E o Brasil com isso?
O Brasil tem muito com que se preocupar quando o assunto é a desigualdade de gênero. Segundo o relatório mais recente do Fórum Econômico Mundial (WEF – sigla em inglês), produzido em 2021, o país decaiu 26 posições entre 2005 e 2020 no ranking da igualdade de gênero, indo da posição 67° à 93°. Essa disparidade reflete em diversos setores, entretanto, o campo trabalhista é um dos mais afetados. Mas quais são os fatores responsáveis por trás deste cenário desanimador?
Jornada(s) de trabalho
Segundo informações da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua, apurada pelo IBGE , as mulheres dedicam, em média, 3 horas semanais a mais ao trabalho que os homens quando se considera o trabalho remunerado e os afazeres referentes a casa e a cuidados com outras pessoas (crianças e idosos).
Resultante disso, procuram ocupações que exigem jornadas mais adaptáveis de trabalho, e, portanto, que têm menor remuneração, como destaca a coordenadora de População e Indicadores Sociais do IBGE, Bárbara Cobo, à BBC News Brasil. “Em função da carga de afazeres domésticos e cuidados, muitas mulheres se sentem compelidas a buscar ocupações que precisam de uma jornada de trabalho mais flexível”.
Entretanto, embora as mulheres, em boa parte, trabalharem menos horas remuneradas, uma pesquisa realizada pelo G1, com auxílio dos dados levantados pela consultoria IDados, constatou que a diferença salarial pautada pelo gênero ainda persiste mesmo quando são feitas comparações entre grupos equânimes: mesma escolaridade, idade, cor, região geográfica, setor de atividade e grupamento social. As taxas revelam que as mulheres ganham, em média, 20,5% menos que os homens no país.
A maternidade e o mercado de trabalho
É um fato que a maternidade muda a dinâmica profissional de uma mulher, principalmente após o período da licença maternidade. Isso porque o mercado de trabalho pode se tornar um local desacolhedor para mães.
A inexistência de políticas públicas que contribuam para a permanência delas nas empresas, e a necessidade de reordenação do tempo dedicado ao trabalho são fatores centrais na dificuldade de mães para assegurar ou procurar um novo emprego.
Essas adversidades foram vivenciadas na prática pela criadora de conteúdo digital Karina Kohut, que após a maternidade encontrou um mercado de trabalho pouco receptivo. Karina afirma que o fato de ser mãe já foi decisivo para que ela não fosse admitida em um emprego.“Eles já imaginam o que eu vou fazer quando a criança ficar doente […] eles ficam com medo de contratar alguém que de repente pode precisar faltar”, afirma Karina.
Kohut ainda ressalta a evidente diferença de tratamento dado à uma mãe em contraposição a um pai pelos empregadores em uma entrevista. “Quando meu esposo foi arrumar emprego não perguntaram para se ele tinha filho, com quem ia ficar a criança, quem levaria ao hospital se precisasse…não perguntaram!”, completa.
Em uma pesquisa publicada no veículo BBC News Brasil, Bruno Ottoni, pesquisador líder na área de mercado de trabalho, representante da empresa “IDados” e do Instituto Brasileiro de Economia da FGV Rio, no Brasil, concluiu que as mulheres que são mães ganham em média 35% menos que aquelas que não têm filhos. Ottoni analisou o rendimento de mulheres na faixa de 25 à 35 anos, casadas e empregadas. O pesquisador constatou que o salário decresce à medida que a quantidade de filhos de uma mulher aumenta. Esta vai dispor, em média, de um rendimento de RS 1.426,53 contra RS 2.182,06, o último sendo o rendimento médio de uma mulher sem filhos.
Entrevista: a psicologia da insegurança feminina.
Possuir plenas qualificações para ocupar uma vaga de emprego pode não ser suficiente para uma mulher conquistá-la. Estudos do campo da psicologia, a exemplo das produções acerca da Síndrome da Impostora, comprovam que mulheres podem se mostrar suscetíveis a pensamentos e sentimentos autodepreciativos diante de uma seleção para uma vaga de emprego, ou até mesmo após conquistá-la. Essa conjuntura se deve tanto a posturas individuais, quanto a posturas institucionais.
Magda Fernandes, terapeuta, especialista em gestão de pessoas e master coach, explica quais são as possíveis origens que podem justificar a adoção de tal postura por uma mulher. “Se você pensar na questão psicológica, pensamentos e sentimentos autodepreciativos vêm sendo construídos por muitos anos. Através de crenças familiares, através de valores, de cultura, de um aprendizado na escola, onde a menina deve ser quieta e o menino deve se expandir”. Para ela, tais construções sociais impactam diretamente num cenário no qual uma mulher se sinta incapaz ou desqualificada de ocupar uma vaga de emprego embora seja suficientemente apta.
Magda ainda reforça como a postura institucional pode refletir na maneira como uma profissional mulher enxerga a si mesma. “Elas se sentem inferiores, não só por conta da questão do salário, mas pela maneira que elas ainda são vistas em determinados ambientes organizacionais”, completa.
Consonante à perspectiva da terapeuta, em entrevista para o veículo jornalístico BBC News Brasil, Anderson de Souza Sant’Anna, professor da fundação Dom Cabral e coautor da pesquisa acerca da desigualdade de gênero desenvolvida por Bruno Ottoni, diz que as entrevistas podem adquirir o poder de reforçar as diferenças salariais. “Quando uma mulher é contratada, o RH pergunta quanto ela ganhava. Como elas historicamente ganham menos, uma hipótese é que já entram no novo emprego com o salário mais baixo do que um homem.”
Se as mulheres estudam mais, por que recebem menos?
Pautando a disparidade salarial pela dimensão educacional, embora as mulheres brasileiras tenham mais anos de escolaridade do que os homens, 15,8 anos contra 15, elas recebem salários, em média, 20,5% menores. Cenário que se agrava à medida que se analisa cargos mais altos, de liderança, nos quais, elas recebem apenas cerca de 61,9% do rendimento deles.
Dado que pode ser pertinente à explicação dessa conjuntura é a maior incidência das mulheres em cursos referentes a ciências humanas, como pedagogia e administração, geralmente relacionados a ocupações de menor remuneração. Elas representam quase 90% dos graduandos de tal segmento. Enquanto, em cursos do STEM (sigla em inglês para Ciência, Tecnologia, Engenharia e Matemática), os quais geralmente têm maior retorno financeiro, representam apenas 21,6% dos estudantes, o que corresponde a menos de um quarto do total de alunos. Em uma pesquisa publicada no site PBS.org, a integrante do “National Girls Collaborative Project”, Erin Hogeboom, evidencia que a preferência das mulheres por áreas das ciências humanas pode ser explicada, dentre outras razões, por comportamentos e normas enraizados na sociedade, como o mito da falta de aptidão de garotas para as ciências exatas.
Benefícios de um ambiente igualitário.
Corporações que prezam pelo valor da igualdade, não só salarial, mas em relação a ocupação de seus cargos, criam um ambiente muito mais produtivo e ajudam a construir um cenário no qual as mulheres participam mais da economia e geram resultados que impactam a macroeconomia. Nesse sentido, em entrevista para a BBC News Brasil, Ratna Sahay, vice diretora do Departamento Monetário de Mercado e de Capitais do Fundo Monetário Internacional e coautora de uma pesquisa que analisou os resultados da participação feminina em corporações financeiras, diz que empresas que possuem mulheres em cargos de liderança mostraram maior estabilidade financeira, reflexo de tomadas de decisão mais cautelosas. “Pesquisas feitas ao longo de três décadas mostraram que […] empresas com mais mulheres líderes e nos conselhos têm maiores lucros e performance financeira.”
Além disso, visualizar mulheres em cargos de liderança impacta positivamente outras mulheres. O que pode ser reforçado pela auxiliar de segurança Naldir Lima, que trabalhou em uma empresa liderada por uma mulher por mais de 10 anos. “Se tornou uma maneira de eu me se sentir incentivada, de querer estudar mais e subir de cargo.”
Uma mulher pode se sentir mais produtiva em um ambiente que tenha outras mulheres, do que em um ambiente desigual, ou seja, majoritariamente composto por homens. Segundo Magda Fernandes, ambientes pouco diversos em termos de gênero podem afetar a dimensão emocional de uma mulher. “O esforço que ela tem que fazer para se sentir aceita e reconhecida naquele meio é muito maior do que o esforço que um homem tem que fazer. O esforço dela vai ter que ser muito maior para se mostrar capaz um ambiente onde a força masculina seja dominante.”