Por Henrique Giacomin (henrique.giacomin@usp.br)
Com uma pesquisa minuciosa, “A Pirâmide Invertida” traça uma linha do tempo que parte das origens do futebol na Inglaterra vitoriana e avança até os sistemas complexos do futebol moderno, como no icônico Barcelona de Pep Guardiola. Ao longo dessa trajetória, Wilson aborda momentos marcantes, como a magia da Seleção Brasileira de 1970 e o pragmatismo do Estudiantes de La Plata. A obra destaca outros grandes clubes europeus e seus papéis na transformação do esporte durante o século XX.
O autor alia uma escrita fluida a uma abordagem detalhista, transportando o leitor para os cenários e emoções dos diferentes períodos. Repleta de curiosidades sobre técnicos visionários e jogadores lendários. A Narrativa consegue recriar o ambiente dos gramados e arquibancadas de décadas passadas, o que faz com que o leitor experimente a atmosfera de momentos históricos, como o Maracanazo ou o apogeu do futebol sul-americano.
Seleção Brasileira de 1950 [Reprodução: Wikimedia Commons]
Wilson também explora a influência de treinadores estrangeiros no Brasil e os impactos culturais e táticos de confrontos entre escolas futebolísticas distintas. Por meio de esquemas táticos bem explicados, a obra desvenda formações e estratégias de épocas passadas, tornando o conteúdo acessível tanto para fãs experientes quanto para iniciantes interessados no aspecto tático do futebol.
Apesar de exigir alguma familiaridade prévia com o esporte, A Pirâmide Invertida oferece uma leitura cativante, mesmo para leigos, e ajuda a consolidar o entendimento sobre como as ideias inovadoras moldaram o jogo.
Combinando o tom envolvente de uma crônica esportiva com o rigor de uma grande reportagem, o livro é um marco na literatura esportiva. Jonathan Wilson não apenas analisa táticas; ele celebra o futebol como uma paixão global e como um reflexo de mudanças sociais e culturais.
A Tal da Pirâmide
O livro desenha o campo como um palco de hierarquias. No início, a pirâmide tática reinava: atacantes formavam a ponta de lança, sustentados por médios incansáveis e, na base, zagueiros intransponíveis; a época do 2-3-5, uma disposição ofensiva focada no ataque, dependente do drible e obcecada pelos gols. Contudo, como o equilíbrio não é eterno. A pirâmide, marca do futebol ofensivo, começou a tremer.
A pirâmide invertida, mais do que uma formação, é um espelho de como o futebol reflete o mundo: em constante transformação, sempre à procura de um novo equilíbrio.
Novas estratégias, avanços tecnológicos, mudanças na regra e a profissionalização do esporte acabaram por revolucionar a tática. A pirâmide inverteu-se. A base, trocou de lugar com o topo, e protegeum vértice mais afiado, isolado. A defesa, outrora discreta, tornou-se protagonista. Do 5-3-2 ao moderno 4-2-3-1, o futebol tornou-se uma dança, onde espaço e tempo são disputados. A bola deixou de ser um objeto a perseguir; tornou-se elemento estratégico, o enigma para ser resolvido.
De quando o mundo não era redondo
O jogo que antes exaltava a ofensividade plena— muito calcada nas suas origens inglesas, que valorizavam a força e condução de bola— encontrou beleza na contenção, na paciência e na explosão inesperada. Embora tenha passado por um longo processo, como demonstra o livro, hoje são inegáveis os resultados do futebol de passe, que deu seus primeiros passos na chegada do esporte à Escócia.
Por meio dos capítulos, somos capazes de observar como o trabalho de treinadores de diversos lugares do mundo foi capaz de influenciar o futebol moderno no que ele é hoje. Faz-se valer o trabalho de pesquisa sobre as histórias do vestiário da União Soviética, da Hungria, Áustria, Argentina e, indubitavelmente, do Brasil.
(Ao centro) Béla Guttman, o judeu-húngaro que foi técnico do São Paulo entre 1957-1958 [Reprodução: Acervo Histórico João Farah — Acervo do SPFC]
Somos levados também a pensar o papel central que se tornou o técnico de futebol. Junto do profissionalismo, se tornaram cada vez mais comuns as exaustivas rotinas de treino, a exigência por disciplina e a análise minuciosa de partidas por meio de estatísticas, números, etc.
Em alguns momentos que mais se assemelham às crônicas, podemos observar de perto o drama daqueles que marcaram a história do futebol de forma emblemática. Episódios de brigas, discussões com a mídia e polêmicas não escapam da cobertura jornalística feita.
Bola pra frente
Ao dissecar a evolução tática do futebol, A Pirâmide Invertida não apenas narra a história do jogo, mas revela como a busca pelo equilíbrio redefine, incessantemente, o esporte mais amado do mundo.
Leitura indispensável para os amantes do esporte, A Pirâmide Invertida nos lembra por que o futebol transcende os limites do campo e se torna um espetáculo universal, capaz de emocionar gerações inteiras.
Foto de capa: Acervo pessoal-Matheus Ribeiro