Então por que as boas garotas gostam dos maus garotos?
Eu tive esta pergunta por um longo tempo.
Eu tenho sido um menino mau, e é claro de ver
Então, por que as boas garotas se apaixonam por mim?”
– Good Girls Bad Guys (Falling in Reverse)
A letra anterior é proveniente de uma música sobre os bad boys, figura usada e abusada pela indústria musical e também pela indústria cinematográfica. Tais frases poderiam ter sido proferidas por James Dean, 007, Edward Cullen, Draco Malfoy, Danny Zuko, Johnny Depp, Tony Stark. Mas o que define exatamente o bad boy? Como esse estereótipo evoluiu ao longo dos anos? E por que é uma figura tão intrigante (e sexy)?
Quem é o bad boy?
Jaqueta de couro, cigarro na boca, cabelo para trás. Além do clássico uniforme e da semelhança com o ícone James Dean como Jim Stark em Juventude Transviada (Rebel without a cause, 1955), todos os bad boys ficcionais ou não-ficcionais partilham de alguns traços de personalidade.
De acordo com os pesquisadores Ahir Gopaldas e Susanna Molander em seu artigo “O arquétipo do bad boy como um complexo moralmente ambíguo de masculinidades juvenis: a anatomia conceitual de um ícone do mercado” (2019), há algumas características que podem ser encontradas em qualquer personagem que se encaixe no estereótipo. São elas:
A agressividade: um bad boy é sinônimo de encrenca. Eles são perigosos, destemidos, destrutivos e ajuda em sua credibilidade (e em seu apelo ao público) se forem também dotados de força, músculos e um tanquinho.
A rebeldia: um bad boy não segue a conduta moral vigente. Ele faz suas próprias regras, já que é cínico quanto ao funcionamento do mundo real. Tal rebeldia parece existir sem um motivo aparente, mas faz com que o personagem seja também independente, impulsivo e resiliente. O bad boy é solitário, não tem muitos amigos e não forma conexões valiosas ou duradouras com ninguém, pois é, na maioria das vezes, precedido e julgado pela sua reputação.
O carisma: um bad boy é a figura que roubará todas as melhores falas do filme com sua voz rouca. Ele é confiante sem ser arrogante, é charmoso e engenhoso. Os homens querem ser ele e as mulheres querem estar com ele (o que nos leva ao próximo ponto).
A sexualidade: um bad boy tem uma forte energia sensual e sexual. Podemos descrevê-lo como sedutor, promíscuo, silencioso, sexy, ousado, viril e bom de cama. E é exatamente esse conjunto de atributos que faz com que a plateia seja complacente com muitas de suas atitudes nocivas e tóxicas ao longo da narrativa.
A sensibilidade: um bad boy esconde por trás de um exterior austero um coração de ouro. No final do filme, a figura revela-se como sendo doce e vulnerável, mas somente com aquela pessoa especial.
Resumindo, o bad boy é como uma fruta proibida: sabemos que queremos, mas não podemos nem o ser, nem estar com eles. São frutas meladas de testosterona e polvinhadas com mistério, mas guardando um interior meigo e açucarado. E sua trajetória reflete exatamente isso.
Em geral, as ações violentas ou moralmente condenáveis de um bad boy são perdoadas no final, pois ele se transforma e se abre com o amor de uma boa menina. É revelado que infligiu dor em outras pessoas, sendo essa física ou verbal, como um reflexo de sua dor interna. Na maioria das vezes, sua atitude é justificada com trauma infantil, o mais comum sendo devido a um pai abusivo. Assim, o personagem não é só redimido, como adquire também um caráter humano.
Porém, não são todos os bad boys que têm esse destino. E tudo vai depender da mistura e do equilíbrio que o personagem tem dentre as características principais apresentadas.
Ele é mais agressivo e forte como Gaston em A Bela e a Fera (1991)? Ou ele é mais rebelde como Han Solo (Harrison Ford) na saga Star Wars? Ou ele é mais misterioso como Edward Cullen (Robert Pattinson) em Crepúsculo (2008)? Ou ele é um psicopata como Jason “J.D.” Dean (Christian Slater) em Heathers (1988)? Ou ele é mais charmoso como o emblemático 007? Ou ele é mais tarado como Daniel Cleaver (Hugh Grant) em Diário de Bridget Jones (2001)? Ou ele é mais sensível como Danny Zuko (John Travolta) em Grease: Nos tempos da brilhantina (1978)?
Como surgiu o bad boy e como ele mudou ao longo dos anos?
Um dia, Teseu acordou suando e gritando. Dionísio (deus dos ciclos vitais, das festas, do vinho, da insânia, do teatro, dos ritos religiosos) havia visitado-lhe em seus sonhos, ameaçando que se não largasse sua mulher Ariadne, ele se arrependeria para o resto da eternidade. Morrendo de medo, Teseu abandonou Ariadne e navegou para longe. Quando acordou, Ariadne entrou em desespero e encontrou (por acaso) Dionísio, que não tardou a consolá-la e torná-la sua esposa.
Pode-se dizer que, de certa forma, Dionísio agiu como um verdadeiro bad boy: ele intimidou seu adversário e, utilizando-se de seu carisma e senso de moral duvidoso, venceu o coração da mulher que cobiçava.
Esse é só um exemplo dos milhares presentes na mitologia grega que remete, mesmo que só um pouco, à persona de um bad boy. Na literatura, não é diferente.
Don Juan, personagem da literatura espanhola, tem uma trajetória trágica, uma vez que é levado ao inferno pela estátua do pai (que ele próprio assassinou) para pagar por seus pecados em vida. Era libertino, impetuoso e rebelde. Era um mulherengo barato, cruel e sedutor que buscava apenas a conquista e o sexo.
Fora da literatura, uma figura muito parecida é a de Casanova, um escritor e aventureiro italiano. Uma aura mágica envolve toda a sua vida de debochado, viril colecionador de mulheres e conquistador empedernido que percorria os bordéis de Londres todas as noites para ter relações com mais de 60 meretrizes. Além disso, reza a lenda que aquele homem conseguiu fugir das masmorras do Palácio Ducal de Veneza através de uma fuga rocambolesca pelos telhados do palácio, depois de aprisionado durante 16 meses.
Quando o cinema foi inventado e ganhou popularidade, os bad boys deixaram de ser lendas que habitavam as páginas e as mentes e passaram a ser papéis em filmes.
Brevemente por volta dos anos 1930, o bad boy era um mero gângster nas telas. Era um bandido, um fora-da-lei, escarnecedor, inimigo público, sedutor em série, ladrão de banco e queimador de celeiro que quebrava leis e corações. Porém, os anos 1930 também foram marcados pelo regime do Código Hays nos Estados Unidos, o qual designava normas morais que deveriam ser seguidas em todas as produções cinematográficas. Assim, todos os bad boys recebiam finais pavorosos com muita fumaça, fogo e perdição. Um longa emblemático nesse sentido é o O inimigo público (The Public Enemy, 1931) com o protagonista Tom Powers (James Cagney).
Já nos anos 1940 e 1950, o bad boy deixa de ser o vilão e passa a ser uma figura trágica com falhas humanas. É o adolescente delinquente com exterior duro, mas interior frágil. É ninguém mais, ninguém menos que James Dean e Marlon Brando fumando cigarros em camisetas brancas. E, curiosamente, essa peça de roupa é a chave para entender a personalidade dos seus papéis. Antes de tais atores a popularizarem, a camiseta branca era considerada uma peça de roupa de baixo. Usá-la como roupa normal demonstra não só coragem e autoconfiança, como também o ressurgimento de certa fragilidade e insegurança pessoal.
Nos anos 1960, o público conhece a versão mais madura do bad boy: o bad man. Como icônico exemplo, há o filme Onze Homens e um Segredo (Ocean’s 11, 1960), ainda sem o George Clooney, mas estrelando Dean Martin, Frank Sinatra e Sammy Davis Junior. No longa, o bad man é uma figura romantizada por “viver no momento” ao passear em limusines tomando martinis com mulheres em vestidos de gala. Ele continua com o aspecto de “fora da lei”, mas com classe e elegância.
Hoje em dia, o bad boy tem muitas caras. Há o alpha, o qual é forte em todos os sentidos, mas seu calcanhar de Aquiles é a mulher que ama. Há o Casanova, o mulherengo, o 007. Há o pseudo-intelectual como Kyle Scheible (Timothée Chalamet) em Lady Bird: A Hora de Voar (2017). Há a versão mal-entendida como John Bender (Judd Nelson) em Clube dos Cinco (Breakfast Club, 1985) etc.
O que o bad boy representa? E por que isso nos é tão atraente?
Para que um estereótipo consiga continuar fascinando pessoas depois de séculos de existência, é porque seu modo de agir e pensar nos é fascinante de alguma forma. Mas de que forma? E por quê?
A primeira teoria é de que há uma certa atração e tentação naquilo que não podemos ter, mas queremos mesmo assim. Namorar um bad boy traz, na maioria das vezes, mais problemas do que felicidade, mas é algo intrigante. Na psicologia, chama-se de “transgressão” a fantasia de fazer a escolha errada, e isso é exatamente o que o bad boy representa. Ele nos lembra que não dependemos totalmente da aceitação dos outros, que podemos tomar nossas próprias decisões e que somos essencialmente livres.
A segunda é que, em relações heterosexuais, as mulheres procuram um homem que possa expressar a rebelião que ela desejaria expressar. As mulheres são ensinadas desde muito jovens a serem complacentes e agradáveis, ou seja, sua rebeldia é oprimida. Todavia, se ela encontrar um namorado que expresse esse sentimento por ela, talvez se sinta melhor.
A terceira teoria é, simplesmente, que estar com bad boys é divertido, excitante e intenso. É uma relação de paixão, não de amor. E é também, de certa forma, paradoxal, uma vez que é instável e estável ao mesmo tempo. Enquanto a instabilidade provém da própria natureza da paixão, a estabilidade provém do sentimento de segurança e proteção que estar com um homem forte traz.
A quarta é que o bad boy simboliza para algumas pessoas, um projeto. Obviamente, sua agressividade não é almejável. Em contrapartida, sua “transformação” numa boa pessoa, é. Esse processo fica a cargo de uma boa menina, o que pode lhe trazer um grande senso de validação como recompensa, isto é, ela é realmente boa, bonita e inteligente o suficiente para tal feito.
A quinta teoria, por sua vez, foi desenvolvida com base na evolução. O instinto para todo animal no quesito escolha de parceiro sexual é a seleção dos genes mais poderosos para sua cria. Como os bad boys suam testosterona e cheiram a hipermasculinidade, já chamam imediatamente a atenção. Além disso, estão, na maioria das vezes, indisponíveis romanticamente, o que indica que é um bom parceiro sexual na linguagem do instinto animal.
De acordo com um estudo de Gregory Louis Carter da Universidade de Durham, as mulheres são mais atraídas a homens que apresentam uma personalidade compatível com a “Tríade Sombria”: narcisismo, psicopatia e maquiavelismo. Tais traços representam a vontade de competir com o próprio sexo, certa insensibilidade, tendência a acasalamento de curto prazo e promiscuidade. Segundo o estudo, não só as mulheres apresentam maior atração a esse tipo de homem durante seu período de ovulação, como os homens que se encaixam nesse tipo têm um nível mais alto de sucesso sexual.
A sexta teoria é que bad boys foram, são e sempre serão sexys.