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Fim do Ministério do Esporte: o Brasil valoriza seus atletas?

Criado em 1995 pelo então presidente Fernando Henrique Cardoso como Ministério Extraordinário do Esporte e depois Ministério do Esporte e Turismo, foi consolidado em 2003 como Ministério do Esporte pelo ex-Presidente Lula. A pasta recebeu como principal atribuição a gestão de recursos destinados ao fomento e ao incentivo à prática esportiva no país. Como as …

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Criado em 1995 pelo então presidente Fernando Henrique Cardoso como Ministério Extraordinário do Esporte e depois Ministério do Esporte e Turismo, foi consolidado em 2003 como Ministério do Esporte pelo ex-Presidente Lula. A pasta recebeu como principal atribuição a gestão de recursos destinados ao fomento e ao incentivo à prática esportiva no país. Como as empresas privadas destinavam, à época, majoritária e quase unicamente recurso para o futebol – esporte mais popular e, por isso, mais rentável – viu-se a necessidade de aumentar a prioridade dos incentivos aos esportes menos populares e lucrativos no Brasil. A criação de uma pasta própria no Poder Executivo para isso foi a saída encontrada.

Em 2019, porém, com a posse do governo de Jair Bolsonaro (sem partido) e a promessa de uma política de redução nos cargos e ministérios, a fim de que os recursos fossem destinados a áreas supostamente mais importantes, o Ministério do Esporte foi extinto e transformado em Secretaria Especial do Esporte, passando a integrar o Ministério da Cidadania.

 

O impacto simbólico da mudança

Apesar da alegação do então ministro da Cidadania Osmar Terra (MDB-RS) de que a extinção da pasta não prejudicaria a área, a mudança e redução de status do esporte teve um impacto forte, além do âmbito federal, nos estados. Dos 27 estados brasileiros, cinco extinguiram suas Secretarias do Esporte existentes e mais cinco mantiveram-se sem uma pasta específica para a área. Em meio ao cenário, apenas Rio Grande do Sul e Mato Grosso ampliaram, ainda que de forma modesta, seu investimento no esporte. 

Antigo prédio do Ministério do Esporte
O prédio em que, até 2019, funcionava o Ministério do Esporte [Imagem: Roberto Castro]
Analisando esse impacto, o jornalista e político Aldo Rebelo (Solidariedade-SP), que ocupou o cargo de ministro do Esporte entre 2011 e 2015, aponta que “ao rebaixar a disciplina do esporte de ministério para secretaria, o governo deu uma sinalização, e isso recebe uma leitura da sociedade, dos agentes públicos e privados, dos secretários de Esporte dos estados”. Ele defende que as questões dos esportes precisam ser valorizadas, em primeiro lugar, pelo governo federal: “O governo tem que dizer para população, para os agentes públicos, ‘olha, o esporte aqui tem valor, tem uma importância’. Quando o governo tira a visibilidade dessa agenda, o recado que ele dá às pessoas é que isso não tem prioridade”.

Para Alexandre Rivetti, técnico de vôlei, o impacto e o significado simbólico disso também é muito grande: “Mesmo que não tenha começado com isso, o fato de não ter um ministro lá pra nos representar e lutar pelos nossos direitos e pelos investimentos complica a situação e mostra que o governo não se importa tanto com a área do esporte”.

 

As consequências práticas 

A extinção do Ministério do Esporte, além do impacto simbólico, tem também forte influência prática na vida do esporte no país. Entre os efeitos nocivos para a rotina esportiva, há uma clara diminuição na renda destinada para a área. Enquanto em 2018, último ano do Esporte como ministério, as despesas previstas com a pasta, em termos gerais, eram de pouco mais de 1,3 bilhão de reais, a verba prevista pelo Ministério da Cidadania para o esporte em 2020 era de menos de 686 milhões, segundo dados do Portal da Transparência.

Considerando a justificativa de redução de gastos que o governo utilizou para a extinção de outros ministérios, a economia desses milhões seria vantajosa à nação. Mas, mais do que isso, se olharmos na prática, essa redução não foi em gastos supérfluos ou com a eliminação de cargos desnecessários. É de se considerar que a retirada de mais de 500 milhões de reais de qualquer orçamento acarrete certos danos. 

O fim do Ministério do Esporte pode afetar a Bolsa Atleta
Dos mais de 140 milhões necessários para o Bolsa Atleta, o governo investe apenas metade no programa [Imagem: Divulgação]
“Faça um balanço, [o fim do Ministério] deixou de empregar quantas pessoas?”, pontua Rebelo. “Só reduziu o orçamento se você reduziu os programas, as bolsas, os Centros de Incentivo ao Esporte. Se você reduziu isso, economizou”, critica. 

Outro ponto a ser levado em conta é o processo de desvalorização do Bolsa Atleta que, pelo segundo ano seguido tem investimento de 70 milhões, comprovadamente insuficiente e cerca de 50% dos mais de 140 milhões necessários para a eficiência do programa de incentivo aos atletas.

Essa quantia que o esporte e os atletas brasileiros perderam desde o fim do ministério, porém, é apenas parte de algo que, antes mesmo da eleição do atual governo, vem acontecendo: a diminuição da importância do esporte no Brasil.

 

O esporte sucateado

Quando o Brasil sediou as Olimpíadas, muitos dos profissionais do esporte consideraram que o evento seria um marco histórico, que definiria e transformaria para melhor o futuro esportivo do país – e, até 2016, essa esperança era real. Muito foi investido em nome de um suposto futuro olímpico e para que o Brasil tivesse sucesso nas Olimpíadas do Rio. Foram despendidos mais de 24 bilhões em nome desse legado e aquele parecia o momento chave para a valorização do esporte no Brasil. Mas, logo que se apagou a chama olímpica no estádio do Maracanã, aparentemente também se apagou o interesse no investimento esportivo.

A pira olímpica das Olimpíadas do Rio, logo depois de ser apagada [Imagem: Divulgação]
Para Alexandre Rivetti, o desmanche do esporte no Brasil vem desde essa época. “O fim do ministério é só a cereja do bolo nisso tudo que começou depois das Olimpíadas”, pontua Rivetti. “Quando a gente viu o tanto de investimento nas Olimpíadas, achou que fosse mudar esse panorama do esporte no Brasil, mas a primeira coisa que fizeram foi tentar tirar educação física das escolas, que é a base do desenvolvimento esportivo do país”, complementa. 

Alexandre se refere à reforma do ensino médio, proposta pelo governo de Michel Temer ainda em 2017 e que, gerando polêmica entre professores e estudantes, propunha a não obrigatoriedade da educação física nas escolas. O projeto, por fim, teve os trechos que se referiam à educação física retirados do texto, mantendo a disciplina como obrigatória. Mas essa proposta dava início, publicamente, a um processo de desvalorização da prática esportiva no Brasil que, desde então, só aumentou, com pouco incentivo ao investimento e pouco reconhecimento por parte do governo federal. 

O principal meio de suporte a esportes menos populares que o futebol no Brasil é o patrocínio de empresas estatais. O vôlei de quadra, por exemplo, tem há anos o patrocínio do Banco do Brasil, que é fundamental para a seleção e para a Confederação Brasileira de Vôlei como um todo. No entanto, o fomento ao patrocínio de empresas privadas ao esporte, que também seria essencial para o seu desenvolvimento, é insuficiente. “As empresas não vêem o lucro no esporte que não o futebol. Tem a Lei de Incentivo, mas com ela não dá pra pagar o salário, é só para infraestrutura”, relata Rivetti. “O que acontece é que alguns empresários que têm paixão por aquele esporte acabam patrocinando o time. E não dá pra contar só com isso”, completa.

Em esportes como vôlei e basquete, seleções de potências mundiais ou que investem muito no esporte, como os Estados Unidos, Rússia e Cuba, tem um protagonismo que, para Alexandre, poderia ser nosso. “Nós temos um material humano fantástico. Atletas de ponta em diversas partes do Brasil, mas tem lugar em que as pessoas mal sabem que existe algo além de futebol. Assim, não tem como uma criança evoluir o talento dela e trazer medalhas e retorno pro nosso esporte”, pontua Alexandre.

 

A política no meio do esporte

Além das polêmicas sobre sua existência como secretaria, o órgão responsável pelo esporte no Brasil hoje causa polêmica também pelos seus comandantes. Seu atual chefe, Marcelo Reis Magalhães, ex-empresário e agente de atletas, sofreu questionamentos quando nomeado pela sua relação pessoal com o presidente da República e com sua família. Ele é padrinho de casamento do senador Flávio Bolsonaro, filho do presidente. Além disso, seu antecessor, o general da reserva Décio Santos Brasil, alega que só foi exonerado devido a discordâncias com o atual ocupante do cargo e sua proximidade pessoal com o presidente.

O atual chefe da Secretaria Especial de Esportes, Marcelo Reis Magalhães, em sua cerimônia de posse junto do ministro da Cidadania, Onyx Lorenzoni [Imagem: Francisco Medeiros/Ministério da Cidadania]
Comandante da secretaria até o início de 2020, o general Décio Brasil já era o segundo a ocupar a cadeira. O primeiro foi o também general Aurélio Vieira, exonerado com pouco mais de cem dias de governo. A presença assídua e frequente de militares no comando e em cargos do esporte chama a atenção pelo histórico dessa prática.

Comum nos governos militares e antes da criação do Ministério do Esporte, quando o tema era subordinado ao Ministério da Educação, a nomeação de generais para comandar o esporte é algo que remonta a um passado recente em que o esporte era visto menos como instrumento de modificação social e mais como um campo de competição. 

Para o ex-ministro Aldo Rebelo, é importante que não se condene apenas a nomeação de militares, mas que se pondere se a predominância destes na pasta é algo benéfico para a completude que o tema exige: “Eu acho que os militares podem contribuir muito, mas não pode ser uma atividade só militar. A formação militar não alcança certas especializações que precisam de outras disciplinas do esporte. Ao mesmo tempo que não pode ser um monopólio deles, não se pode descartar a contribuição deles”.

Já Alexandre Rivetti, acha que, para o sucesso da pasta, o seu comandante deve ser alguém ligado ao esporte, sem viés político na indicação: “Tem que ter um ministro ou secretário lá que entenda e tenha vivido o esporte. Alguém que saiba como é o nosso dia a dia”, aponta. “Não adianta ter um ministro se for um sujeito que só sabe de política e nada de esporte”, critica.

 

O futuro do esporte no Brasil

Um passado de glórias e relevância em diversos esportes faz do Brasil um país que, apesar de sofrer com falta de investimento na área, celebrar seu esporte, pelo menos nas camadas mais populares. O Brasil se deixa emocionar pelo esporte, ainda que não seja tão incentivado a isso. E essa conexão do nosso povo com nossos atletas levanta alguns questionamentos sobre o que será do futuro do Brasil no esporte e como vamos nos sair.

“Eu tenho acompanhado alguns atletas e, pelo que eu vejo no vôlei e escuto de outros esportes, a chance de Tóquio ser nossa pior Olimpíada é muito grande”, analisa Rivetti. “A gente não tem investimento, não tem incentivo e não valorizam os atletas. Não tem como querer medalha e bom resultado assim”, finaliza.

Essa escassez de medalhas e a baixa relevância no esporte mundial é o que espera o Brasil por muito tempo se não atentarmos e valorizarmos mais nosso esporte e nossos atletas.

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