Na última década, o acesso ao ensino superior tem sido facilitado. Seja por programas como o FIES e o ProUni, ou pelo desempenho acadêmico e esportivo.
Esse último ganhou a atenção das universidades particulares brasileiras que, em busca de promover a instituição e ser destaque em jogos universitários, concedem bolsas a atletas. Universidades como o Mackenzie, a UNITAU, a UNIP, Unisanta e a UNG são algumas das que já possuem programas de “bolsa atleta”, como a maioria denomina.
Mas quais são os critérios? O que esses programas têm em comum? Em que passo está o Brasil na concessão dessas bolsas?
Um caso que difere da maioria
A maioria dos programas são iniciativas das próprias universidades, que querem ter atletas promovendo seu nome nas competições. Isso fica claro no artigo 27 do documento que dispõe sobre a concessão de Bolsas de Estudo aos alunos de graduação da Universidade de Taubaté (UNITAU), que define como um das obrigações do aluno contemplado com a Bolsa Atleta “divulgar o nome da Unitau em entrevistas, premiações em competições, fotos ou em outros meios, portando vestimenta que ostente a logomarca da Unitau”.
Mas um caso que difere da maioria é o da Universidade de Guarulhos (UNG). Não que a UNG não tenha interesse em se promover, mas o programa Bolsa atleta partiu da prefeitura da cidade, que há mais de dez anos estabelece um vínculo com a universidade para dar aos atletas que competem pela cidade a chance de ter um diploma.
Júlia Wenceslau, aluna de nutrição na UNG, conta que quando passou para a seletiva do time de handebol de Guarulhos, ganhou, além da moradia e da alimentação, a bolsa de 100% na UNG. Ainda assim, teve que prestar o vestibular, e, como passou, ganhou a bolsa.
Segundo o portal da Prefeitura de Guarulhos, em dez anos de parceria com a Universidade, cerca de 400 atletas já conquistaram o diploma de curso superior. Além disso, no ano passado, com a renovação desse convênio, mais cem atletas foram contemplados por bolsas de estudos nas modalidades de atletismo, basquete, boxe, ciclismo, handebol, judô, karatê e voleibol.
Júlia comentou que “a gente joga pela cidade e, com esse vínculo que temos com a faculdade, a gente acaba treinando junto. Até porque o time da cidade é praticamente o mesmo da Universidade.”
Aspectos em comum
Se analisarmos os critérios de concessão das bolsas para atletas, a maioria tem como condição a frequência em aulas e o desempenho acadêmico, o que não difere de outros tipos de bolsas. O edital de bolsas do Mackenzie especifica que é necessário “desempenho curricular acadêmico cujo aproveitamento não seja menor que 75% das disciplinas cursadas no período.”
O desempenho esportivo também é critério na maioria das faculdades. A UNITAU coloca que “será concedida bolsa desde que o aluno atleta apresente resultados significativos e tenha competência técnica de interesse da Instituição”. Já o Mackenzie só concede a bolsa se a qualidade técnica e tática for “atestada por técnico especialista indicado pelo Departamento de Esporte ou órgão equivalente nos Colégios, Faculdades e Universidade”, e ainda prevê a apresentação semestral de documentos que comprovem a evolução do desempenho em treinos e competições.
Com esse critério, os alunos atletas têm medo de que, se o desempenho esportivo piorar ou não evoluir, eles podem perder a bolsa. Isso os coloca em uma situação de pressão e desamparo. Por esse motivo, a UNG não utiliza esse critério.
Evelyn Nunes, aluna da UNG que tem a bolsa atleta e faz parte do time de atletismo, contou que “como a faculdade não corta a bolsa por falta de desempenho esportivo, nunca tive medo de perder”.
Em que passo está o Brasil?
Segundo a EducationUSA, rede do Departamento de Estado dos Estados Unidos que promove informações sobre o ensino superior no país, mais de mil faculdades e universidades americanas oferecem bolsas para atletas. Quando comparamos a realidade do Brasil à dos Estados Unidos, fica claro que o Brasil é iniciante nesse quesito. A cultura de concessão de bolsas esportivas nas universidades americanas é muito presente, o que explica o patamar elevado que o esporte universitário no país possui, ainda não alcançado pelo Brasil.
Conceder bolsas de estudos aos atletas não só dá a eles chance de conciliar o esporte com a formação superior, oferecendo uma alternativa à vida de atleta que pode ser subitamente interrompida, bem como incentiva o esporte universitário do país, que ainda é pequeno e precário. Se possuísse maior investimento, poderia se fortalecer como porta de entrada para o esporte profissional.
Como é a vida dos estudantes contemplados por bolsas esportivas?
Para saber mais sobre a vida dos alunos atletas, o Arquibancada conversou com duas estudantes que são beneficiadas por bolsas atleta. Confira abaixo a entrevista na íntegra:
Arquibancada – Ser estudante é difícil. Ser atleta também. Os dois exigem muita dedicação. É difícil conciliar a rotina de treinos com a graduação?
Evelyn Nunes – “Eu treino 3 horas por dia cinco vezes por semana. Têm pelo menos uma competição por mês. A parte mais difícil mesmo é quando tem competição no meio da semana que aí eu perco explicação da matéria e isso para mim conta muito.”
Júlia Wenceslau – “Eu treino a tarde toda, chego do treino morta, não consigo pegar muito no caderno. […] Querendo ou não, é um pouco desgastante. Não que seja impossível, eu estou tentando conciliar. Em questão de lazer, eu acabo não conseguindo fazer tudo o que eu gostaria de fazer e acabo perdendo nessa conciliação. […] Mas é uma coisa que eu escolhi. Eu acho um pouco difícil, mas não é impossível.“
Arquibancada – Qual o significado dessa bolsa na vida de vocês?
Evelyn Nunes – “Vida de atleta não é muito longa né, então você precisa ter um plano B quando sair dessa vida”.
Cleber Andrade, estudante de fisioterapia da UNITAU – “Escolhi praticar handebol por influência da minha família, a paixão pelo esporte já estava no sangue. Usar o esporte como uma forma de poder estudar, adquirir conhecimento, amadurecimento e crescimento pessoal e profissional é muito gratificante”
Apesar de vermos universidades brasileiras concedendo bolsas esportivas, isso ainda é muito novo no país. Poucas são as que oferecem e a expansão desse tipo de programa não é vista como algo próximo de acontecer. Exemplo desse cenário é a faculdade Anhembi Morumbi, que desde 2014 não trabalha mais com bolsas esportivas. Isso mostra um regresso, onde deveria haver avanço.
Infelizmente o esporte em nosso país é visto com total desprezo por autoridades, empresários, etc. Sou atleta, e conheço todas as dificuldades de se conseguir algum tipo de apoio, ou patrocínio, seja público ou privado. Esse negócio de bolsa atleta é balela. Uns poucos conseguem, mas a maioria dos talentos esportivos do país se perde no caminho. Eu poderia passar horas aqui escrevendo, explicando o que é ser atleta no Brasil, mas não vou fazer isso, porque sei que ninguém está interessado. Posso afirmar: Os dois maiores fatores de INCLUSÃO e TRANSFORMAÇÃO de uma sociedade são o ESPORTE e a EDUCAÇÃO. Justamente as duas áreas mais abandonadas em nosso país. Lamentável!